O esporte não é apenas uma atividade física, mas sim uma filosofia para continuar a própria jornada. Para a pessoa com deficiência, o esporte vai muito além de melhorar a saúde e prevenir doenças, pois representa inclusão, reabilitação motora e cognitiva e socialização.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há mais de 12,5 milhões de brasileiros com deficiência. Ou seja, 6,7% da população.

Por que devemos pensar em inclusão? Vamos nos colocar no lugar do outro? Afinal, todos nós temos direitos desde o nascimento.

Já imaginou a seguinte situação: a pessoa que faz uso de cadeira de rodas chegar em um restaurante e não ter espaço para passar ou uma rampa para subir? Ou ter dificuldades para atravessar a rua e a calçada por não tem rampa ou porque alguém estacionou o carro? Todo ser humano tem direito à acessibilidade e de viver.

Projetos sociais

Ao pensar em diversidade e inclusão, surgiram diversos projetos em Goiás para dar oportunidade e espaço para as pessoas com deficiência. Por exemplo, o “Na Bike com Deficientes Visuais” (NBDV).

O NBDV foi criado em 2016, quando um grupo de amigos, apaixonados por ciclismo, decidiu dar oportunidade e espaço às pessoas que não enxergam ou têm graves problemas de visão. A integração se dá por passeios de bicicleta. Atualmente, o NBDV tem cerca de 50 participantes, entre condutores e deficientes visuais.

No NBDV, há crianças e adultos que participam dos passeios de bicicleta e conta com apoio voluntário dos ciclistas do estado. O objetivo do projeto é integrar os deficientes visuais à sociedade. O psicólogo Ivo Alexandre era instrutor de Yoga e perdeu a visão há mais de 20 anos devido a uma Retinose Pigmentar. Ele se reencontrou na vida a partir do Na Bike com DV e faz parte da equipe há 7 meses.

Ivo Alexandre no Parque Areião (Foto: Ananda Leonel)

“O Na Bike com DV foi um achado na minha vida. O pedal é uma desculpa pra fazer amizade. Por muito tempo, eu conheci o Na Bike com DV e também outros caminhos. Faltava amizade e acolhimento e voltei ao Na Bike com DV, porque aqui o pessoal é calor humano pra caramba”, explicou Ivo Alexandre. Emocionado, Ivo contou que o NBDV se tornou um propósito de vida.

Percurso

Os passeios acontecem todo terceiro domingo do mês, e entre os trajetos estão lugares conhecidos da capital, como o Parque Flamboyant, a Feira de Antiguidades na Praça Tamandaré, o Bosque dos Buritis, o Parque Areião, a ciclovia recém-inaugurada no Jardim América, o Parque Mutirama e diversos outros lugares.

Após a concentração dos ciclistas no local determinado entre eles, duplas são formadas por condutores e deficientes visuais, e em seguida saem pelas ruas e avenidas de Goiânia, com o respaldo e a segurança de parceiros, como equipes da Secretaria Municipal de Mobilidade de Goiânia e da Unimed.

E qual é o diferencial do NBDV? O instrutor realiza audiodescrição para os deficientes visuais. O microempreendedor e instrutor do NBDV, João Aires, andava de bicicleta sozinho até que um dia conheceu o projeto através de uma amiga. Em 2017, decidiu se unir ao grupo e passou a narrar o percurso para as pessoas com deficiência visual.

“Na narrativa, a gente procura os pontos mais importantes da cidade. Então aqui no Parque Areião, a gente passa pelo hospital Hugo. A gente discrimina de acordo com o que vai passando”, ressaltou João. E para quem vai no banco de trás, como no caso de Ivo, acaba criando uma conexão e confiança com o instrutor.

“Quando eu chego em casa, sem enxergar, me sento no meu sofá e tenho o áudio da narrativa que eles escreveram. Eu posso fazer o percurso de novo escutando as vozes deles. Para onde eu vou, essas vozes vão comigo. Eles acrescentaram na minha vida”, afirmou Ivo.

Futebol para cegos

Um novo significado na vida de pessoas com deficiência visual pode ser encontrado na equipe de futebol da Associação de Cegos para Esporte e Lazer de Goiás (Acelgo).

A associação surgiu de um projeto que atendia crianças com deficiência visual. Eles sempre tentaram apoio para montar equipe, mas nunca conseguiam e, assim, criaram a associação.

Hoje a equipe conta com jogadores que são convocados para a seleção brasileira de futebol de 7. O objetivo do projeto é trabalhar os outros sentidos, como tato, olfato e até mesmo a memória muscular.

“Nós trabalhamos transformando vidas, embora não trabalhamos com o capacitismo e da superproteção. E sim, com oportunidades de adaptar situações que favoreçam esse aluno. Além de tudo, oferecendo algo que para nós do Brasil é cultural, como o esporte de maior participação como o futebol”, explicou o professor João Turíbio, técnico da Acelgo e diretor de Paradesporto da Secretaria Municipal dos Esportes de Goiânia.

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Transformação de vida

O projeto impacta a vida de várias crianças, jovens e adultos. Como no caso do Maicom Rodrigo. Ele trabalhava em uma fábrica de sorvete e amava praticar esporte, principalmente o futebol. No dia 12 de setembro de 2021, a sua história mudou. Maicom sofreu acidente de moto ao bater em um carro e perdeu completamente a visão.

Casado com Gleice Mara e pai da recém-nascida de 34 semanas Ana Luísa, o atleta vive do auxílio-doença pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e faz parte do time de futebol para cegos.

“Estava andando de moto e bati em um carro que estava estacionado próximo da minha casa. Eu sai um pouco despercebido, não sei se foi porque a rua estava muito escura. Depois de uns 7 meses que eu estava em casa, recebi uma ligação de um colega meu que frequentava o futebol de cegos. Daí ele me passou o contato do João e vim conhecer. Desde então estão apaixonado pela modalidade”, ressaltou Maicon.

Bola no chão

O futebol para cegos funciona com as mesmas regras do futsal, mas com algumas adaptações. Entre elas, a bola. O objeto emite sons de guizo ao rolar no chão, dessa forma o deficiente visual consegue ouvir e direcionar seu trajeto até a bola ou até mesmo chutar para sua equipe. E, claro, fazer o tão esperado gol. Uma das formas para onde chutar a bola, o jogador só precisa dizer em voz alta “eu”.

Atletas do futebol para cegos treinam na quadra da Associação dos Surdos de Goiânia (Foto: Ananda Leonel)

“O eu para o cego é fundamental, porque é uma forma de comunicar que estou num determinado local e não posso trombar com outro. É um item da regra que é obrigatório. Toda vez que o sujeito vai encontro ao outro, e esse está sem a posse de bola e o outro com a posse, o que está sem a posse, quando estiver aproximando de quem está com a posse grita o eu”, explicou João.

O futebol não é apenas um esporte tradicional. Para Maicom, o futebol para cegos acendeu a vontade de viver novamente.

“Eu estava muito fechado com as pessoas antes disso, e depois vi que além de tudo eu estava vivo e tinha condições de ficar no meio das pessoas de novo, de conviver e fazer novas amizades. Foi extraordinário, uma nova chance que eu tive”, contou Maicom.

Basquete sobre rodas

A Associação dos Deficientes de Aparecida de Goiânia trouxe o basquete em cadeiras de rodas para Goiás. Por essa razão, nasceu o time Camaleões sobre Rodas de Aparecida.

Em parceria com Associação Atlética Aparecidense, o projeto tem o objetivo de proporcionar condições de treinamento e aperfeiçoamento para as competições a nível estadual, nacional e internacional. A equipe foi fundada em 2010, e desde então participa de todas as competições.

“Em 1996, eu conheci a ADFEGO e nós resgatamos a equipe de basquetebol e fiquei até 2007. Depois vim para Aparecida e fundamos a Associação de Pessoas com Deficiência em Aparecida, em 2010, e desde então estou aqui, cuidando desse projeto”, explicou José Fernando, presidente do conselho fiscal da Confederação Brasileira de Basquete em cadeiras de rodas.

A equipe ADAP/Aparecidense conquistou diversos títulos do Campeonato Goiano. Em 2017, a foi campeã do Campeonato Brasileiro Série C de Basquetebol em cadeira de rodas. Em 2018, foi vice-campeã brasileira da segunda divisão e, em 2019, conquistou o acesso à primeira divisão nacional e ficou em 7º lugar na competição.

Camaleões sobre Rodas treinando para os próximos campeonatos (Foto: Ananda Leonel)

Um novo caminho

Renato da Silva conheceu José Fernando após perder os movimentos das pernas. Ele se uniu ao projeto em 2014, e, desde então, faz parte da equipe.

“Eu estava de moto e tiveram uma briga em um bar, deram alguns tiros e levei um, daí fiquei paraplégico. Então peguei e pensei ‘poxa não tem mais o que fazer’. Infelizmente, a sociedade sempre julgava, ‘acabou sua vida’ e tudo”, afirmou Renato, presidente da ADAP de Aparecida. Ele revelou que, graças ao projeto, cursou o ensino superior de Direito e passou na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Um belo de um dia, ele falou ‘Renato, por que você não vai fazer uma faculdade?’. Eu disse que não tinha condições. Daí por causa do clube do atleta e da associação, eu agarrei a oportunidade com todas as forças que eles me deram e fiz um curso de Direito. No ano passado, peguei a carteira da OAB, tirei habilitação e comprei um veículo”, contou Renato.

Trilhar no esporte

Outro atleta que faz parte dos Camaleões sobre Rodas é Wilton Machado, capitão do time. Ele amava esportes desde criança, principalmente o futebol. Aos 14 anos, fez uma cirurgia em um hospital, mas o que ele não esperava aconteceu.

Wilton pegou uma bactéria hospitalar e acabou perdendo o movimento de suas pernas. O bancário encontrou no basquete um novo jeito de viver e voltar para o que amava fazer: praticar esporte.

“Eu estava com uma depressão profunda, e quando encontrei o esporte de novo fez com que eu voltasse a uma vida normal de outra forma. Eu vi que tinha outras possibilidades. Isso me deixou mais feliz, comecei a olhar, treinar, voltei para a academia, voltei a fazer tudo o que fazia antes e me fez voltar para o mundo que eu tinha deixado de lado, o do esporte”, ressaltou Wilton. Para ele, até mesmo as crianças com deficiência precisam sair da zona de conforto e encarar a realidade.

“A maioria das pessoas que têm deficiência estão se guardando. Principalmente as crianças, e criança é assim: se der o impulso, ela vai. E fica um recado para os pais, a criança com deficiência tem que sair do conforto e encarar o mundo, encarar a vida” ressaltou Wilton.

Repense

Esta reportagem integra a segunda temporada da série Repense desenvolvida pelo Sistema Sagres de Comunicação com o apoio da Renapsi e da  Fundação Pró-Cerrado. Ao longo de 48 episódios, abordamos temas relativos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta reportagem, a temática inclui o ODS 10 – Redução de Desigualdades.

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