O Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia aponta que 2023 deve ser o ano mais quente dos últimos 125 mil anos. O ano possui uma diversidade de recordes em relação ao clima: o inverno foi um dos mais quentes desde 1961, tivemos o outubro mais quente desde o período pré-industrial com recorde de 0,4° e o dia mais quente da história do planeta em 4 de julho com 17,18 graus.

Vários fenômenos e atividades explicam os efeitos extremos no clima em diferentes partes do mundo. Mas não é preciso usar exemplos de fora, pois o Brasil concentrou repercussões de todos os eventos, inclusive, simultaneamente. 

O país sofre com impactos do El Niño, do  aquecimento do Atlântico Norte e com as ações antrópicas em relação à natureza. Mas não são problemas que ficarão no ano que daqui a pouco será velho, pois as mudanças climáticas vão afetar o clima também em 2024.

A culpa do El Niño

A Região Sul do Brasil está há 90 dias com precipitações expressivas, enquanto a região amazônica vive uma das piores secas da história. Os cenários extremos no país são as condições climáticas do fenômeno natural que está prevalecendo no Pacífico. 

André Pelanda
André Pelanda é especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (Foto: Instituto Chico Mendes)

Parece distante agora, mas em fevereiro o noticiário estava repleto de informações sobre 2023 ser o terceiro ano consecutivo dos efeitos do La Ninã na estiagem severa no sul do país. Porém, tudo mudou em 8 de junho, quando a Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), agência de clima dos Estados Unidos, anunciou a chegada de um El Niño clássico de impacto global no Pacífico.

O El Niño e o La Ninã são dois fenômenos climáticos que ocorrem no Oceano Pacífico na altura do Equador e alteram o clima na América do Sul. As características dos fenômenos são opostas, visto que o La Ninã diminui e o El Niño aumenta a temperatura do oceano na região do Pacífico Equatorial. André Pelanda, especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável e professor no Centro Universitário Internacional Uninter, explica que a principal característica dos fenômenos é o impacto na distribuição de chuvas não só no Brasil, mas em todo o mundo. 

“Quando temos a ocorrência do El Nino há uma diminuição de chuvas na região em que nós temos o bioma Amazônia, especialmente em relação à Amazônia Ocidental, que se refere ao estado do Amazonas, ao Acre, Rondônia, Roraima e também algumas regiões do Cerrado.  Nesses, especificamente, nós temos uma drástica diminuição em relação ao índice de chuvas”, explica. 

Aquecimento do Atlântico Norte

André Pelanda assina o artigo “Seca da Amazônia: El Niño e suas ameaças em 2023/24” em parceria com o pró-reitor de graduação do Uninter, Rodrigo Berté. No artigo, os especialistas destacam que a prevalência do El Niño favorece as condições de seca na Amazônia, mas ressaltam que a intensidade deste ano é “uma combinação de fatores naturais em conjunto com atividades antrópicas”. 

Nesse caso, segundo os autores, o El Niño é apenas um fator natural cuja incidência não pode ser controlada. Mas há outro fenômeno de origem natural em curso desde setembro que também afeta diretamente a Amazônia: o aquecimento das águas do Atlântico Tropical Norte.

O fenômeno El Niño ocorre na faixa equatorial do Pacífico e o Atlântico Tropical Norte está localizado logo acima da linha do Equador. O primeiro já diminuiria naturalmente as chuvas da região amazônica. Mas com a ocorrência simultânea do segundo, que também inibe as precipitações, houve o agravamento do cenário natural do período de seca anual na Amazônia.

“O Atlântico Tropical Norte está apresentando temperaturas da água acima do normal, excedendo os valores médios históricos. Essa combinação de eventos, com o El Niño atuando em conjunto com as águas mais quentes do que o habitual no Atlântico Tropical Norte, está causando uma série de impactos no clima da América do Sul”, alertam os autores no artigo. 

Queimadas. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Queimadas. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

A influência das ações antrópicas

O Sul do país tem chuvas em excesso, o Norte tem falta de precipitações e a região central passa por ondas de calor extremas desde a última semana do inverno, em setembro. O especialista em gestão ambiental, André Pelanda, afirma que a extensão continental do Brasil favorece a ocorrência das situações muito diferentes. Mas ele aponta que atividades humanas exercidas ilegalmente ou sem fiscalização contribuem para o aumento dos efeitos dos fenômenos que estão em curso. 

“Os aquecimentos das águas dos oceanos de uma maneira global faz com que a intensidade dos efeitos fiquem mais fortes, consequentemente. Mas algumas ações locais, naquelas regiões em que temos aquelas situações de seca, acabam favorecendo ainda mais, como por exemplo as queimadas”, diz.

A poluição do ar, o desmatamento desordenado e as queimadas afetam as formações das chuvas. Nesse sentido, as ações antrópicas influenciam nas médias históricas de temperaturas e índice de precipitações. Pelanda afirma que houve situações semelhantes a deste ano nas décadas de 1910 e 1980 na região amazônica.

Clima do ano novo

Rio de Janeiro (RJ), 14/11/2023 – População enfrenta forte onda de calor no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil - Tomaz Silva/Agência Brasil
População enfrenta forte onda de calor no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil – Tomaz Silva/Agência Brasil

André Pelanda destacou a capacidade do El Niño de atrasar o início do período chuvoso, situação que está ocorrendo atualmente da faixa central para o Norte do país. Em Goiás, por exemplo, a expectativa do início das chuvas era a segunda quinzena de outubro. Mas as precipitações começaram na metade do mês de novembro.

“Isso é bastante preocupante visto que os níveis dos rios provavelmente não vão chegar a níveis normais na estação chuvosa e isso traz uma preocupação especialmente para o ano que vem. Se o El Niño tiver uma situação prolongada, poderemos ter uma situação bem complicada em 2024, também por conta desta situação que está se originando agora neste ano”, explica.      

Velhos problemas climáticos

A agência do clima dos Estados Unidos prevê que o El Niño só perca intensidade entre dezembro e janeiro. Mas as primeiras projeções também indicam que o fenômeno só deixe de prevalecer a partir de junho de 2024. Sendo assim, os problemas climáticos de 2023 devem permanecer ao longo do novo ano.

“A partir do próximo ano ele ainda é uma incógnita. O El Niño pode permanecer intenso, no entanto, ele pode diminuir. Então a gente tem, digamos assim, que esperar para analisar a situação mais para frente mesmo. Mas existe a possibilidade desse fenômeno trazer muitos prejuízos e muitos problemas para o próximo ano”, pontua o professor.

Evolução do El Niño 

Calor Goiânia
Calor em Goiânia (Foto: Kamylla Rodrigues)

Em maio deste ano a temperatura do Pacífico estava em 0,4ºC, que indica El Niño fraco. Quando a agência anunciou a prevalência do fenômeno em junho ele estava em 0,9ºC, ou seja, ele já estava mais do que meio grau acima da média. A última divulgação da agência em 11 de outubro mostrou que a anomalia é de 1,5ºC, com forte intensidade.

“A expectativa nesse momento é que o fenômeno atinja o seu nível máximo de intensidade no final do ano, comece a diminuir a intensidade, para que lá em março a gente possa ter uma noção mais clara da situação que teremos no decorrer de 2024. No entanto, ainda existe a possibilidade de que nós tenhamos um fenômeno prolongado. E se essa situação ocorrer vai ser bastante difícil no ano que vem, visto que já estamos vivenciando uma situação difícil agora e isso pode piorar cada vez mais”, diz André.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima.

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