O resultado do Sistema de Seleção Unificada (SISU) está entre a lista de preocupações de grande parte dos estudantes matriculados no ensino médio, e que sonham com a entrada em universidades públicas para cursarem o ensino superior.

A espera não foi diferente para João Pedro Azevedo, que com 18 anos se viu diante de um resultado esperado por muitos alunos: a aprovação para a graduação em Medicina.

Após concluir o ensino médio em um Centro de Ensino em Período Integral (Cepi), escola da rede estadual localizada em Caldas Novas (GO), ele foi aprovado em primeiro lugar para Medicina na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Primeira reação

“Foram nove dias de ansiedade. Na hora que abriu o SISU, fiquei todos os dias conferindo a nota para ver se estava passando ou não”, relembra João Pedro.

Depois do fechamento do sistema para novas inscrições, o aluno ainda enfrentou mais três dias de espera. Até o relógio apontar 00:00 e por fim, o resultado final se tornar disponível.

“Eu já fui no quarto, chamei minha mãe e meu pai já falei ‘passei em primeiro!’ Foi uma felicidade imensa para toda família”, diz animado.

Depois de dois anos de preparação intensa, o futuro acadêmico coleciona alguns conselhos importantes para aqueles que estão comprometidos com o mesmo objetivo.

Preparação

Ao se lembrar da sensação que sentiu após concluir o segundo dia de provas para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), João Pedro diz ter se sentido confiante com seu desempenho.

“Saí lá fora já confiante. Meu pai foi me buscar no dia e falei ‘acho que deu’. Principalmente na prova do segundo dia, eu saí com uma sensação de que tinha dado”, afirma o recém-formado.

O segundo dia de provas contou com questões relacionadas à Matemática e suas tecnologias e Ciências da Natureza e suas tecnologias, distribuídas em 90 questões, que deveriam ser respondidas em até cinco horas.

Sobre a preparação para o exame, João Pedro diz que o “despertar” aconteceu após realizá-lo pela primeira vez, em 2020, quando cursava o primeiro ano do ensino médio.

“Antes eu não estudava muito, eu era muito viciado em jogos on-line. Depois do 1º ano eu acordei e comecei a estudar. Desde o começo eu sempre tive muito apoio e incentivo pela minha família”, afirma.

Formação em escola pública

Segundo dados divulgados por pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2021 apenas 26% dos alunos que concluíram o ensino médio em escolas estaduais realizaram o exame responsável pelo ingresso em universidades públicas.

O abismo existente entre alunos da rede pública e a entrada no ensino superior é ainda mais ampliado em relação aos cursos de altas taxas de competitividade, como é o caso do curso escolhido por João Pedro, que desde sempre, optou pela Medicina.

João Pedro estudou em escolas públicas entre os anos de Ensino Fundamental e Ensino Médio (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu nunca tive essa ideia de que se eu estivesse em uma escola pública, eu não teria capacidade. Eu via as aulas na escola mas chegava em casa e complementava”, afirma o aluno. Segundo ele, durante o começo do processo ele entendia que era preciso desenvolver um estudo autodidata e constante para somar ao que via na sala de aula.

Aluno da escola pública durante todos os anos do ensino fundamental e médio, João Pedro diz ainda ter contado com apoio dos professores da escola, principalmente para resoluções de exercícios das disciplinas de química e matemática.

Rotina de estudos

Rotina é exatamente a palavra-chave que aparece na retrospectiva que o aprovado faz em relação a sua jornada de estudos.

Ele conta que houve duas fases distintas ao longo de seus estudos. A primeira, no período em que as aulas ainda aconteciam de forma remota devido a pandemia de covid-19, as aulas aconteciam de manhã e após terminarem, apenas o período de almoço separava João Pedro do próximo bloco de estudos.

“Umas 13h era quando eu começava a estudar. Eu tinha um cronograma em uma agenda. Por exemplo, na segunda vou estudar física, biologia e química. Aí na parte da tarde, eu estudava essas matérias no Youtube, porque nunca paguei por um cursinho. Se eu tivesse alguma dúvida, eu mandava para algum professor da escola”, explica.

A segunda fase da rotina de estudos começou durante o terceiro ano do ensino médio, quando as aulas voltaram ao regime presencial.

Resolução de simulados fazia parte de rotina dos finais de semana (Foto: Arquivo Pessoal)

“Nesse ano, comecei a estudar na escola durante o período noturno. Mas, mesmo em casa, eu acordava às 07h da manhã e começava a estudar. Eu só parava umas 11h30, quando eu precisava fazer almoço para o meu pai e irmão mais novo”, conta o aluno.

Depois do intervalo do almoço, João Pedro seguia estudando até por volta das 18:30, horário que marcava o início de um novo bloco: se arrumar e ir para a escola, onde tinha aulas que terminaram apenas no fim da noite.

Estratégias e autoconhecimento

A rotina seguia quase sem mudanças de segunda à sexta. No sábado, além de estudar durante a tarde, João Pedro também seguia imerso nos estudos no período da noite, ainda que longe da sala de aula.

“Domingo eu não estudava. Eu não colocava nem a mão!”, afirma bem humorado, e complementa dizendo que uma boa alimentação, momentos de descanso e de contato com família também fizeram parte de sua estratégia.

Como todo aluno, João Pedro também tinha áreas mais comprometidas, nesse caso, a organização estratégica representou uma de suas apostas.

“Eu estudava por pesos. Não adianta você querer ir melhor em linguagens e deixar matemática de lado, que tem um peso muito grande. Eu foquei nas matérias que iam subir mais a minha nota”, revela.

Para o estudo de Linguagens, códigos e suas tecnologias, o aluno pôde contar com um auxílio que fez toda a diferença.

“Eu complementei linguagens e a redação com aulas com minha mãe, que é professora de Português em Caldas Novas. Ela é uma excelente professora e me ajudou muito”, destaca João Pedro, que é filho de professora e pai odontologista.

Repertório

Para a redação, além da prática de elaborar uma por semana durante todo o ano de estudos para o vestibular, João Pedro apostou na construção de um repertório de conhecimentos sobre assuntos variados.

O tema da redação de 2022 foi os “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”, tema que, de acordo com João Pedro, não foi um exemplo dos mais difíceis propostos pelo exame.

“Eu estudava muito Filosofia então sempre conseguia encaixar alguns nos meus textos. Nesse ENEM, depois de ver o tema eu tinha confiança que eu conseguiria tirar uma nota boa. Eu sabia que para Medicina, eu precisava tirar mais de 900”, pontua.

Na hora de escolher quais citações e repertórios seriam citados no texto, a escolha foi pela historiadora e antropóloga brasileira, Lilia Schwarcz, além de citação do livro “O cidadão de papel”, obra escrita por Gilberto Dimenstein e que traz como focos assuntos como injustiças sociais, desigualdades e direitos das crianças.

Corações à vista

Por enquanto, a intenção profissional de João Pedro parece já ter destino certo: a cardiologia.

“Quero atuar com consultas, acredito que por conta do estilo de vida das pessoas no futuro vão ter muitos pacientes com problemas relacionados ao coração”, explica.

As aulas na universidade estão programadas para começar apenas no meio do ano, mas João Pedro diz já ter descansado o bastante.

“Estou estudando leve, sem pegar pesado, mas já tenho uns quatro livros de Medicina e estou estudando, para não entrar na faculdade sem saber totalmente nada”, diz o futuro acadêmico.

Preparado para as mudanças que estão por vir, João Pedro é claro quando precisa explicar o fator indispensável para a aprovação.

“O segredo é não desistir nunca. Por mais que tenha momentos que vai dar vontade, que você vai estar pra baixo, você tem que se manter para cima e motivado”, destaca.

A autoconfiança é outra habilidade que julga ser indispensável. Para ele, que também passou por momentos desafiadores, a mentalidade pode servir como aliada.

“Você tem que ir para a prova com uma mentalidade de aprovado. Pensar que nada vai dar certo faz com que se tenha mais ansiedade e acaba com o nosso psicológico na hora da prova. É um momento diferente demais, e precisamos estar preparados emocionalmente para isso”, completa o ex-aluno que agora, divide a sua rotina entre novos livros e sonhos além dos limites goianos.

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