Trabalhar nas mesmas áreas, com o mesmo reconhecimento e visibilidade é uma luta que as mulheres travam há muitos anos. A igualdade de gênero é um tema que precisa ser falado e é uma das metas da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Incentivar, mostrar que é possível e ter representatividade feminina é extremamente importante, para que cada vez mais meninas vejam que é possível seguir uma carreira científica. É preciso que as mulheres percebam que esse é um lugar que pertence a elas também, e se apropriem disso.

Conheça história de cientistas

O interesse pela pesquisa pode surgir de formas diferentes, no caso da professora do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás (IQ/UFG), Anna Benites, surgiu através da observação.

Ela começou a perceber como a mãe lidava com as adversidades do dia-a-dia, ela nasceu na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, em Duque de Caxias.

“Sou filha de mãe solo e percebia como minha mãe transformava situações de extrema carência em possibilidades para a gente existir, e ela fazia isso todos os dias. Aquilo tudo me fez prestar muita atenção nos processos de transformação da matéria, com isso, eu fui para a universidade e fiz o curso de licenciatura em Química, que foi o que deu para fazer já que na minha época não tinha reserva de vagas. E Química é sobre isso, diz respeito aos processos de transformação da matéria”, conta a professora.

Já a pós-doutoranda pela Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (FH/UFG), Vanessa Clemente, conta que a curiosidade que ela tinha desde pequena, fez o interesse pela pesquisa aflorar.

“Eu sempre fui muito curiosa e apesar de ganhar bonecas e panelas, também ganhei livros na infância. Minha mãe assinava uma revista de ciência e eu achava aquilo o máximo. Meu pai me dava livros de História da Arte. Um dia, lendo livros e vendo imagens, decidi que queria ser cientista, de qualquer ciência, mas queria ser cientista”, relatou a pós-doutoranda.

Vanessa lembra também que ao longo da infância, a família sempre a incentivava, mesmo que indiretamente. “Meu pai me levava para a casa dos meus avós, que nasceram na década de 1920. Era em outra cidade, e no percurso que ele me contava o que lia nos livros de histórias. Quando chegávamos lá eu ouvia histórias de décadas passadas e aquilo me encantava”, diz.

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Incentivo da família

Os pais da Vanessa não tiveram a oportunidade de estudar, mas isso não impediu que eles incentivassem a menina desde a infância. Eles tinham a certeza de que a educação era a única saída.

“Meu pai e minha mãe estudaram pouco, suas companhias eram os cabos das enxadas. Vieram de famílias muito pobres e eu cresci com eles comentando sobre o sonho do estudo e das profissões que gostariam de ter seguido se tivessem a oportunidade. Minha mãe queria ser médica e meu pai engenheiro.”

A pesquisadora lembra também que a vida das avós (materna e paterna) era dedicada para cuidar da casa, família e filhos. Mas foi observando os integrantes da família que ela teve a certeza de qual carreira seguir.

“Minhas avós, Marias, nunca tiveram a carteira de trabalho assinada e sempre trabalharam em casa e na roça, trabalho doméstico não remunerado. Costumo dizer que das Marias herdei a pequenez e a grandeza. Sou uma exceção de uma quase regra de mulheres que, infelizmente, não puderam frequentar escolas. Foi ouvindo e presenciando essas histórias que defini o tipo de profissional que queria ser. Meus pais sempre diziam que estudar era a salvação da vida e não vejo melhor expressão para quem veio da roça para se referir a construção de um futuro melhor”, conta a cientista.

O despertar para fazer a diferença

Anna Benites lembra que ficava incomodada com a falta de mulheres e representatividade dentro da sala de aula.

“Eu olhava para os lados e via poucas meninas, pouquíssimas meninas negras e imaginava as garotas do meu bairro que queriam estar ali, mas não podiam, porque estavam trabalhando ou tomando conta dos irmãos mais novos. Isso foi aguçando a minha vontade de querer ver mais mulheres dentro dos ambientes acadêmicos”, lembra.

A pesquisadora ressalta a importância de ter modelos femininos em todas as áreas. Segundo ela é necessário incentivar a leitura de livros escritos por mulheres, e gerar possibilidades para que as meninas possam se inspirar em outras meninas.

“Quando você pergunta qual livro de mulher as pessoas leram, muitos não sabem dizer. Muita gente não consegue fazer uma referência positiva à mulher nesses lugares. É preciso fazer uma atuação conjunta das pessoas, universidades, da escola básica e das próprias famílias. É necessário projetar um futuro”.

Projetos que incentivam meninas

Outro ponto que devemos destacar, são os projetos e pessoas que trabalham incentivando meninas e mulheres a ocuparem seus espaços nas ciências. Como é o caso da Anna Benites, que tem o projeto Investiga Menina.

“Esse projeto incentiva, principalmente, as meninas negras, a optar pelas carreiras de exatas. A gente traz cientistas negras para cidade e movimentamos as escolas de periferia. As cientistas trazem um currículo negro referenciado, sobretudo por mulheres. A gente tem feito um trabalho bem legal há mais de 16 anos dentro da cidade, mas ainda ganhamos pouca visibilidade”, enfatizou.

A pós-doutoranda ressalta que na Faculdade de História da UFG também existe um projeto. É o GT Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais.

“O grupo é coordenado pela professora Ana Carolina Coelho, e pode ser visto como uma forma de luta e de incentivo à ciência para a produção de dados sobre mulheres mães cientistas no Brasil e sobre como podemos mudar essa realidade”, finaliza.

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