No último domingo (13), o Atlético Clube Goianiense conquistou a sua segunda vitória consecutiva no Campeonato Brasileiro. Por 1 a 0, bateu o Bahia na 10ª rodada da Série A. Protagonista em Pituaçu, além de ter fechado a sua baliza, o goleiro Jean se aventurou no ataque e marcou o gol da vitória atleticana, o primeiro da sua carreira. Para o clube de Campinas, não foi exatamente uma novidade.

Afinal de contas, um dos jogadores que mais vestiram a camisa rubro-negra, e o mais vitorioso deles, Márcio fez 38 dos 43 gols da sua carreira pelo Atlético. Atrás apenas de Rogério Ceni entre os goleiros artilheiros do futebol brasileiro, o ex-camisa 1 atleticano marcou época e agora vê um “pupilo” assumir a responsabilidade. Jean, assim como seu antecessor, foi revelado no Bahia e, inclusive, é filho do ídolo de infância de Márcio.

Em entrevista ao comentarista Charlie Pereira para a Sagres, Márcio comemorou o feito do seu sucessor, destacou o ‘golaço’ e que “ele fez um gol que eu só consegui uma vez, pelo Goiânia, em bola rolando. Fiz um batendo pênalti e pegando rebote, e ele conseguiu fazer um golaço no rebote da barreira, e pegou muito bem na bola. Na verdade, o Jean bate muito bem na bola, então foi meio que fácil para ele aquele rebote”.

Apesar de estar aposentado dos gramados, o ex-atleticano ainda se mantém bastante ligado ao futebol e ressaltou que “tenho acompanhado bem e ido em alguns jogos. O Jean está muito bem, transmite segurança e é um goleiro de muita personalidade. Ainda precisa melhorar um pouquinho algumas situações de deixar de correr risco em algumas situações. Ele tem muita confiança e habilidade com os pés, mas isso é com o tempo”.

“Hoje em dia, a maioria dos times tentam essa saída com a bola dominada, então, se tem essa qualidade, ele tem que arriscar realmente. O Jean está muito bem e o Atlético vem bem. Na verdade, o Atlético, mesmo quando estava perdendo, estava jogando relativamente bem. É um time muito compacto, bem fisicamente e que consegue um trabalho em campo que está sendo bem organizado pelo seu treinador”, completou.

Concorrência com Kozlinski

Contratado no primeiro semestre do ano, Jean foi reserva na primeira parte da temporada. Contudo, assumiu a condição de titular quando Vagner Mancini chegou. Apesar de um breve atrito de quando trabalharam juntos no São Paulo, resolveram suas diferenças e o goleiro logo de início ganhou a confiança do novo treinador, que explicou a preferência por Jean, em detrimento do então titular Kozlinski, pela habilidade com os pés do primeiro.

Sobre a situação, Márcio comentou que “ele aguardou durante um bom tempo no banco e, claro, o Kozlinski não teve uma saída plausível. É a opção do treinador, e o jogador tem que acatar. Quando entrou, conseguiu dar conta do recado, fazer bons jogos e ajudar a equipe. A forma talvez não foi a mais coerente, mas é uma opção do treinador e está dando certo, então temos que dar parabéns para o treinador, que teve essa percepção”.

Avaliação sobre Mancini

Depois de um início promissor com a vitória por 3 a 0 sobre o Flamengo, Vagner Mancini chegou a ter seu trabalho questionado diante da falta de resultados. O presidente executivo atleticano Adson Batista, contudo, confiou no trabalho do treinador e protegeu o comandante técnico. Agora, o time rubro-negro está invicto há quatro rodadas no Brasileirão e vem de duas vitórias consecutivas.

Márcio frisou que “todo treinador, não só o Mancini, precisa de tempo. É claro que a impressão que deixou contra o Flamengo foi realmente uma expectativa muito grande de que os outros jogos seriam iguais, mas é muito difícil manter um nível de atuação daquela. Depois, os resultados não vieram, mas a forma do time jogar não mudou muito. Um time compacto, veloz e com força, então era dar tempo para as coisas aconteceram”.

“Claro que falta muita coisa ainda, mas que bom que o Adson mudou um pouco o conceito dele, de três derrotas mandar o treinador embora, e quem está lá no dia a dia é que sabe bem como são as coisas. Às vezes vou lá e vejo que tem qualidade de treinamento, então agora é dar sequência nesse ritmo, porque acho que esse ano o Atlético, claro, briga para não cair, mas não vai passar muito aperto”, finalizou.

Saída de Jorginho

Nas últimas semanas, o assunto que movimentou os bastidores do Atlético foi o atrito do meia-atacante Jorginho com a comissão técnica atleticana. Na última sexta-feira (11), o jogador foi anunciado no Athletico Paranaense. Para Márcio, a saída do ex-camisa 10 rubro-negro é uma perda significativa. Tecnicamente falando, era a referência do time. O Jorginho tinha oito anos de clube e o histórico dele é muito positivo. Perde muito tecnicamente, mas é claro que um time não depende de um jogador só”.

“Na saída do Jorginho, por exemplo, entrou o Chico, que é um jogador que já conhecemos do futebol nacional e vem desempenhando bem o papel. Isso às vezes fortalece o grupo também, porque todos vão saber que ninguém é insubstituível e vão jogar como um grupo, e quando um time joga como um grupo a tendência é que as coisas deem certo. Perde-se muito tecnicamente com a saída do Jorginho, mas de repente ganha em outros fatores, como a união do elenco”, completou.

O pupilo Jean

Questionado sobre quem considera ser o principal destaque do Atlético no Brasileirão, Márcio afirmou que “gosto muito do Jean, acho que ele vai decidir muitos jogos para o Atlético defendendo. Agora com essa possibilidade de fazer gols, ele também vai definir, como já definiu um. Então hoje daria o meu destaque para o Jean, porque sei que é um garoto de muito potencial e sou até suspeito para falar dele”.

O ex-goleiro destacou que “adorava o pai dele, como goleiro e pessoa. Eu vi esse garoto na barriga da mãe, para se ter ideia. Literalmente, eu peguei o Jean no colo. Então dou o meu destaque para o Jean, mas não dá para destacar um jogador em um grupo tão homogêneo como o do Atlético. É claro que nem em todos jogos todos jogam bem, às vezes um joga mal e outro não, mas no contexto geral se completam”.

Apesar de este ter sido somente seu primeiro gol, apenas na sua terceira finalização como goleiro do Atlético, o jovem Jean tem apenas 24 anos e, portanto, ainda tem muito tempo de carreira. Sobre a nova ameaça à sua marca, de 43 tentos, Márcio brincou que “quando ele fizer 42, vou pedir para parar (risos). Ou melhor, até empatar. Ele faz 43, para por aí e ficamos nós dois no topo”.

Jean Paulo Fernandes Filho carrega o nome em homenagem ao pai, ídolo do Bahia nos anos 1990 e do próprio Márcio, que cresceu no clube tricolor. Assim como o filho, foi goleiro e “fazia defesas muitos difíceis e plásticas, e vejo isso no Jean. Mas o que mais me impressiona é a semelhança física. Eu olho hoje o Jean e vejo muito o pai na época. O Jean foi um excelente goleiro, um dos meus primeiros ídolos, acompanhei de perto, ganhei luvas dele e tenho contato até hoje”.

Evolução no trabalho dos goleiros

Exemplo raro na sua função no futebol brasileiro, além dos gols, Márcio também se sobressaía tecnicamente no jogo com os pés e na saída do gol. “Na minha época, quando comecei a jogar com os pés, era meio que um tabu. O goleiro não tinha que saber jogar com os pés, era o contrário. Os treinadores diziam para evitar a recuar para o goleiro e, quando recuasse, o goleiro tinha que dar um ‘chutão’. Eu já entendia diferente, achava que tinha que dar um passe ao invés de um ‘chutão’, então já começava o ataque ali”, frisou.

De acordo com o ex-goleiro, “me aprimorei não em sair jogando com os pés conduzindo a bola, me aprimorei justamente com a batida na bola, para tentar colocar ela no lugar onde queria. Hoje em dia, existem treinamentos mais específicos para isso. Os treinadores de goleiro evoluíram e sabem que têm que treinar com os pés também, então o treinamento é mais diferenciado, com condução de bola, passes curtos e longos para poder estar sempre em contato com a bola”.

Para Márcio, o alemão Marc-André ter Stegen, do Barcelona, da Espanha, é um grande exemplo na função na saída do gol e o seu favorito. “Lembro que há alguns anos, e não tantos anos, talvez cinco, no máximo dez, todos os goleiros saíam deitados e o atacante já sabia que era só dar uma ‘cavadinha’, tendo em vista que o Romário fez mais de mil gols desse jeito, porque todos os goleiros já saíam deitados”, relembrou.

“Hoje não, o goleiro sai, como se diz na linguagem atual, fazendo um ‘X’ e isso dificulta para o atacante. O Ter Stegen faz isso com muita precisão. O goleiro de handebol faz muito isso, só que na hora que vai fazer esse movimento, até para se proteger, ele vira o rosto. O Ter Stegen tem um diferencial, porque ele faz isso olhando para a bola, então ele reage na hora que a bola, por isso que acho ele mais completo até que o próprio Neuer”, acrescentou.

Futuro no futebol

Aposentado desde 2019, Márcio chegou a flertar com um cargo na direção do Goiânia e participou das negociações por um torneio preparatório dos times goianos visando o Campeonato Brasileiro. Sobre seus próximos objetivos, o ex-goleiro contou que “esse ano, em função da pandemia, muitas coisas foram muito diferentes, até do que eu esperava. Continuo no meio do futebol e, por exemplo, continuo frequentando o Goiânia. Mesmo que não oficialmente, mas ainda continuo ajudando eles no dia a dia ou de repente em algumas situações que têm que ser feitas”.

“Nesse meio tempo, também já fiz algumas indicações de jogadores, que me procuraram, pediram um auxílio e consegui ajudá-los. Mas o que mais estou fazendo é estudar, estudando a parte técnica, como treinador, e a parte de gestão, como um gestor de futebol, porque é o que me cabe nesse momento. Quero me reintroduzir no futebol, mas quero já estar bem pronto. Na hora que entrar em uma área, quero poder dar a minha contribuição de ter vivenciado e também o aprendizado, com a parte acadêmica, que acho muito importante”, completou.

Confira a entrevista de Márcio à Sagres na íntegra