Falar de arte é falar da Iara. A produtora cultural, artista, DJ e empreendedora se destaca no espaço cultural goiano e escreve o seu nome num cenário que ela própria não vislumbrava ser parte de uma transformação. Iara Kevene teve o primeiro contato com um espaço cultural ao assistir a peça Romeu e Julieta no Centro Cultural Martim Cererê, começou na carreira como DJ em 2017 e hoje é uma das promotoras do Baile Black Goiânia, movimento cultural negro que exalta a cultura afro-brasileira.
No início, ela se esbarrou num mercado cultural fechado à participação de mulheres e superou a baixa cultural durante a pandemia para se tornar inspiração nesse espaço. Um dos seus principais projetos é, portanto, o Baile Black, um baile voltado ao público preto idealizado e produzido por mulheres.
“Ter mulheres à frente desses projetos é um tanto quanto complicado pela parte de que as pessoas na grande maioria tiram da gente tudo aquilo que a gente tá construindo, porque se a gente chegou onde a gente chegou é por conta de um tutor, de um homem que estava ali atrás e não, a minha história foi totalmente diferente”, destacou.
O início de Iara na arte
A DJ Iara Kevene compartilhou sua história de vida com os jovens aprendizes da Renapsi durante o programa Arena Repense, que destacou o poder feminino na arte e na sociedade ao exaltar o protagonismo das mulheres no cenário cultural em Goiás. Formada em matemática, quando era adolescente ela já se via em várias áreas como o esporte e a arte, e foi nessa que floresceu suas aptidões e onde ela empreende.
“Um dia na escola eu falei em fazer teatro e fui fazer teatro. A primeira oportunidade que tive foi no Centro Cultural Martim Cererê, eu entrei no teatro, sentei e tava tendo uma peça de Romeu e Julieta feita pelos alunos, foi o primeiro contato que eu tive com um espaço cultural”, disse. Hoje ela observa que foi exatamente nesse dia que seu caminho começou na produção cultural.
“Quando eu entrei nesse teatro eu não conseguia prestar atenção nas falas dos atores, eu conseguia prestar atenção em tudo ao meu redor, tipo, como que tava acontecendo aquela ação, como fechava as cortinas, agora mesmo estou sentada [num auditório] e tenho a dimensão de como isso chegou a acontecer e talvez ali eu já tinha esse dom para produzir, estar atrás nos bastidores do que ser aquela figura que está apresentando”, contou.
Mulher que inspira na música
A carreira de DJ começou em 2017, mas ela já fazia a arte despretensiosamente ao gravar CDs para a família. Frequentadora de Lan House, aos dez anos ela gravava as músicas que gostava para escutar em casa e fazia o serviço também para os familiares e amigos. “Chegava em casa a família estava escutando as músicas que eu gravei no CD, alí começava a DJ sem eu saber que um dia eu ia me tornar DJ”, disse.
Ao contar sua história, Iara incentivou os jovens da Renapsi a não terem pressa para decidir o que querem para a vida e o que vão ser da vida. “Porque às vezes vocês já estão sendo agora nesse momento em algumas coisas, em alguns detalhes que passam despercebidos. Às vezes você pensa que é só uma coisa que gosta de fazer, mas ali já está te entregando”, destacou.
Na faculdade, Iara cursou matemática, mas disse que hoje trabalha com o que gosta. Ela empreende na música e no mercado cultural e deixou uma mensagem para as meninas da Renapsi que serve para todas as mulheres.
“A gente vai ter um problema em todas as áreas, não só na produção cultural, como artistas. Aquele problema de que além de nos ofuscar eles quererem colocar em nós o reflexo do outro e não é isso, sejamos nós mulheres que impõem, que falam e que mostrem nossas forças. Temos problemas muito complexos dentro de uma sociedade extremamente machista e misógina que coloca as mulheres em posições extremamente vulneráveis”, lembrou.
Inspirações na cultura

Iara Kevene ocupa atualmente um espaço de representação, pois ela é inspiração para outras mulheres. O assunto foi tema da mensagem que ela deixou aos jovens aprendizes meninos da Renapsi. “Eu quero que vocês reflitam sobre quem vocês têm como pessoas para se inspirarem, são só homens ou são só mulheres?”, perguntou.
A artista comentou que uma trend na internet traz visibilidade para o quanto as mulheres não são colocadas no lugar de inspiração. Por exemplo, ao serem perguntados sobre homens que os inspiram, os rapazes normalmente respondem com nomes de jogadores de futebol, artistas e cantores. Mas quando perguntados sobre mulheres que os inspiram, as respostas são a mãe, a esposa e a filha.
“E tudo bem, essas são as mulheres que a gente tem como inspiração desde os primeiros dias das nossas vidas. Mas e fora disso?”, provocou Iara. A questão para Iara é que os homens, na trend, não souberam responder quais mulheres os inspiram fora do seio familiar e eles não precisam ir longe para terem essas inspirações.
“Vamos supor que eu gosto de vôlei, de videogame. Cadê? Você sabe de alguma das mulheres que estiveram ali pioneiras ou que fizeram essa modificação dentro dessa cena que você gosta? Então, é a gente pensar sobre isso, começar a entender que tudo que a gente vive e em tudo ao nosso redor tem mulheres influenciando e a gente tem que ter essas mulheres em mente”, disse.
Iara e Jéssika já são duas
Além de Iara, os jovens aprendizes da Renapsi também tiveram a oportunidade de conhecer a história de Jéssika Hannder, multiartista, pesquisadora da arte e performances culturais. Ela atua no teatro, na TV e no Cinema. A arte transformou a vida da artista que foi a primeira pessoa da família a ir para a faculdade e que hoje está fazendo o doutorado.
“A universidade tem um papel fundamental no meu fazer artístico porque foi dentro da universidade que eu me descobri. Eu terminei o ensino médio com 18 anos e nunca foi uma possibilidade concreta e real eu ingressar numa universidade”, contou. Apesar das dificuldades, ao terminar o ensino médio ela conseguiu através do próprio trabalho pagar o vestibular e, assim, entrar numa universidade pública de artes.
“As artes sempre estiveram presentes na minha vida desde a infância, eu sempre gostei de desenhar, fazer atividades manuais, eu sempre inventava coisas, estava encenando, mas eu era ao mesmo tempo uma criança muito tímida”, compartilhou. “O teatro desde o primeiro momento que eu comecei a fazer aula me desafiou muito e ele me mostrou também uma outra Jéssika que eu não sabia que existia, uma Jéssika de possibilidades, eu posso ter tudo e ser tudo que eu quiser”, disse.

A cultura é uma oportunidade
O teatro é esse espaço na vida da artista que produz e que pesquisa a arte. Professora desde o segundo período da graduação, ela diz que há uma Jéssika antes da sala de aula e que se transformou em outra depois da sala de aula. Para além de si mesma, ela vê as possibilidades para a vida de outras pessoas.
“Eu percebi que o teatro poderia mudar não só a minha vida, mas também a vida de outras pessoas, inclusive dar outras perspectivas de futuro para elas, até porque eu lembro que um bate-papo que a gente sempre tinha era sobre profissões. A maioria dos meus alunos olhavam para mim e falavam que queriam ser caixa de supermercado e eu perguntava “por quê”?”.

As respostas revelavam para Jéssika a falta de referências. Pois eram simplesmente as mesmas profissões dos pais e ouvir isso de adolescentes que tinham um mundo de possibilidades era uma preocupação para ela.
“Eu percebi que essa falta de referências que às vezes a gente tem é uma coisa com raízes profundas na nossa vida e como era importante a minha presença naquele espaço para que eles pudessem começar a construir uma outra narrativa sobre eles mesmos”, disse.
A arte de um que muda a vida de vários
O gosto de Jéssika pela arte mudou quando ela se descobriu uma mulher negra no aspecto político. Portanto, ela viu como era importante ocupar essa posição para puxar outras pessoas negras, sobretudo mulheres, para o cenário cultural e para quebrar as barreiras de outros espaços.
“Antes eu não tinha essa visão política de ocupação e isso fez total diferença na arte que eu produzo em todas as áreas, do figurino, maquiagem, cenografia, direção de arte, porque a minha arte começou a ser política. Então, eu não estava ocupando mais somente pelo belo, pelo resultado final, mas eu estava ocupando pela mensagem que eu poderia passar e pelo que eu poderia receber”. A artista terminou sua palestra com uma reflexão de um trecho música “A vida é desafio”, do Afro-X com Racionais MC’s.
“É necessário sempre acreditar que o sonho é possível
Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível
Que o tempo ruim vai passar, é só uma fase
Que o sofrimento alimenta mais a sua coragem”.
“Para mim, ser artista no Cerrado, no Centro é isso, é acreditar no sonho, no potencial, é lutar todos os dias porque há muitas dificuldades, sobretudo aquela de entender que arte é trabalho, pode ser uma profissão, mas que no fim é lindo. A arte me transformou e eu espero que ela também transforme outras vidas”, finalizou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 05- Igualdade de Gênero.
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