A arquitetura bioclimática surgiu na década de 1970 com o objetivo de poupar energia na construção e na manutenção de edifícios por meio das condições climáticas de cada região. Mas além de voltar-se para a sustentabilidade, o conceito abrange também a valorização da cultura local.

O escritório Lins Arquitetos Associados destaca-se em Cariri, sul do estado do Ceará, na cidade de Juazeiro do Norte com a aplicação da bioclimatologia em seus projetos. Um dos responsáveis pelo escritório, o arquiteto e urbanista George de Menezes Lins contou que a arquitetura bioclimática é uma forma de valorizar os biomas.

“A arquitetura bioclimática é fazer a arquitetura de um projeto ou uma obra de acordo com o clima, com o bioma daquela região. Por exemplo, a gente tem diversos tipos de clima ao redor do nosso planeta, locais mais frios, mais quentes, mais úmidos, mais secos, então a arquitetura tem que se adaptar a esse tipo de realidade”, explicou.

Clima local

Quando pensamos em nossa casa, geralmente queremos conforto. No entanto, associamos a esse mesmo ambiente uma estética, que inclui formas, cores e texturas. Além disso, é comum nos dias atuais pensarmos no quão sustentável é o lugar onde vivemos. A arquitetura sustentável já trabalha com projetos de menor impacto ambiental, captação e reutilização de água da chuva, teto solar e materiais recicláveis na construção.

Porém, o foco da arquitetura bioclimática é aproveitar desde o princípio do projeto as condições climáticas e a cultura local de cada região. Lins exemplificou que há diferenças climáticas para realizar uma obra no Ceará ou em Goiânia.

“Eu sou de uma região que é do Sul do Ceará, do Cariri, e lá o nosso bioma é a Caatinga, e aqui em Goiânia o bioma é o Cerrado. Então tem uma série de espécies vegetais que são diferentes nesses biomas. A arquitetura bioclimática serve então para projetar uma obra específica para cada local”, disse. A nível mundial essas diferenças climáticas são ainda mais densas, contou o arquiteto.

“A arquitetura não é reproduzível, a gente não pode pegar um prédio lá do Canadá que tem um frio absurdo e jogar no Sertão do Ceará, não se faz isso. Existem condicionantes diferentes de clima, de situações topográficas e de bioma que a gente tem que considerar. Então, a arquitetura bioclimática considera essas características para que essa construção se adapte bem às especificidades de cada região”, afirmou.

Cidades sustentáveis

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 – Cidades e comunidades sustentáveis tem a missão de tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Assim, a arquitetura está diretamente ligada ao cumprimento dessa meta.

“A arquitetura é uma ciência que se faz para as pessoas. O nosso objetivo é dar abrigo às pessoas, aos seres humanos, então o objeto principal da arquitetura são as pessoas e a gente trabalha em função delas. E é muito importante que a gente reconheça quem são essas pessoas, porque elas são diferentes de uma região para outra”, destacou.

O conceito de arquitetura bioclimática envolve projetos desde a planta até cidades com muitos prédios já construídos nas grandes cidades. George de Menezes Lins afirmou que é possível adaptar os edifícios existentes que foram construídos há anos sem qualquer tipo de solução sustentável.

“Por mais que um edifício tenha sido projetado de uma maneira que não poupasse energia, sem determinados requisitos de economizar energia, isso pode ser feito posteriormente. Existe um termo que a gente usa que é o retrofit. O retrofit é essa readaptação a uma situação nova, seja ela um programa novo ou uma situação nova”, contou.

Cultura e economia

A cultura de uma região baseia-se em costumes, clima, adaptações ao espaço e ao que ele oferta, entre outros aspectos. Essas diferenças aparecem tanto regionalmente como entre Goiânia e Ceará, quanto a nível global, como América do Sul, Europa e Ásia. Lins apontou que considerar os aspectos culturais é “importantíssimo” na hora de desenvolver um projeto arquitetônico.

“Eu vivo numa região que não pode em hipótese alguma deixar de considerar uma rede na varanda ou quarto para o descanso e todo o desenho tem que considerar esse tipo de característica. Então considera-se como as pessoas se comportam, o que gostam de fazer e como elas levam o seu dia a dia”, apontou.

Para o arquiteto, a arquitetura não deve impor desenho contrário aos aspectos culturais de uma região. Além da cultura local, Lins também pontuou a valorização da economia local por meio de tecnologia, estrutura, materiais e mão de obra local.

“A utilização de mão de obra e os materiais do local desencadeia a cadeia produtiva da região e movimenta a economia local. O dinheiro fica na própria região e a gente consegue ter soluções bastante criativas e bem adaptadas ao clima e a estrutura. E não precisa trazer uma pedra lá da Ásia para revestir os nossos edifícios, aqui a gente tem uma pedra tão bonita quanto e talvez até mais bonita. E é muito mais barato você pegar aqui do lado do que pegar lá longe”, afirmou. 

Crescimento

Rede Sarah Kubitschek Salvador (Foto: sarah.br/Divulgação)

Desenvolver projetos de arquitetura com tecnologia e mão de obra local gera benefícios econômicos e a valorização dos profissionais. O arquiteto e urbanista George de Menezes Lins é otimista com a arquitetura bioclimática e acredita que o movimento vai crescer.

O profissional se inspira no arquiteto João da Gama Filgueiras Lima, conhecido como Lelé, falecido em 2014. Lins afirmou que Lelé é “um dos melhores arquitetos do mundo” e um “grande expoente” da arquitetura bioclimática no Brasil. Apesar de trabalhar diversos estilos, a arquitetura bioclimática era o principal tema das obras de Lelé.

“Ele desenvolveu vários projetos dentre os quais os hospitais da Rede Sarah Kubitschek, onde através da arquitetura bioclimática ele conseguiu fazer com que o edifício economize muita energia durante o funcionamento, durante a obra, com um sistema de industrialização muito bem pensado e bem feito. Então ele é um grande ícone para a gente nessa questão da arquitetura bioclimática”, disse.

Expoente para o futuro

Os hospitais projetados por Lelé destacam-se pela ventilação e iluminação natural. George Lins e os demais associados ao escritório acreditam no movimento e desejam que o conceito possa ser absorvido e aplicado por outros profissionais da arquitetura.

“Eu não vejo a arquitetura como algo reproduzível em que possa replicar a mesma solução arquitetônica para diferentes locais ao longo do mundo. Essa arquitetura tem que ser específica do local, tem que considerar toda a questão de clima, de bioma e de aspectos culturais daquela região. É nisso que a gente acredita e eu espero que isso cresça e se desenvolva porque é um conceito que só traz coisas boas pra gente e para o nosso planeta também”, pontuou.

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