(Foto: reprodução/internet)

 

Quinta passada (01/03), no programa Manhã Sagres, eu, Cileide Alves, Rubens Salomão e Cleber Ferreira discutimos sobre as expectativas para a premiação mais famosa do cinema: o “Academy Awards”, nome mais pomposo para Oscar. Acertamos algumas previsões, erramos feio em outras.

Todo ano é assim. Logo que saem os indicados, os meios de comunicação fazem aquele rebuliço para analisar e tentar prever o que a Academia Americana de Artes e Ciências Cinematográficas irá escolher como os melhores do ano. O que é interessante notar é que o movimento “anti-Oscar” tem estado cada vez mais forte, à medida em que “analisar filmes” se torna algo mais rotineiro entre cinéfilos e especialistas. Quanto mais pessoas prestam atenção ao que vêem na tela e tentam decodificar aquele punhado de imagens sistematicamente organizados, mais exigente o público se torna. E assim, paulatinamente, as escolhas quanto a indicados e premiados se tornam ainda mais questionáveis. Não poderia ser diferente.

Torcer o nariz para a existência do Oscar em si, entretanto, é bobagem. Existem festivais e premiações de diferentes tamanhos e nichos, e há espaço para todo mundo. Comparando a realidade cinematográfica com o mundo do tênis, por exemplo, pode-se dizer que há “ATPs 500”, “ATPs 250” e “ATPs Master Series” também no cinema. E o Oscar seria uma espécie de ovelha negra do “Grand Slam”, no qual eu também incluiria o Festival de Cannes (com a Palma de Ouro), Festival de Sundance (com o Prêmio do Grande Juri), Festival de Toronto, Festival de Veneza (com o Leão de Ouro) e o Festival de Berlim (com o Urso de Ouro). O filme que ganha qualquer desses prêmios já é digno de reverência. (Obviamente que também não podemos deixar de lado premiações mais restritas como o Globo de Ouro, Emmy Awards, o Goya, os prêmios do Screen Actors Guild – SAG e do Writers Guild of America, o Cesar, o BAFTA e até mesmo o Kikito, do Festival de Cinema de Gramado, no Brasil.)

Considerando que os festivais e premiações todos possuem seu perfil próprio, com intenções e políticas vinculadas, é simplesmente uma bobagem tremenda bradar contra os membros da Academia e seus asseclas.

A grande questão que envolve o Oscar é uma só: gestão de expectativas. Porque venderam (alguém, em alguma época, não importa) a imagem de que o Oscar é a maior premiação do cinema mundial. E não é, simplesmente porque não atende a todos os nichos e expectativas ao mesmo tempo. Pode ser a mais rica, a mais propagandeada, a mais assistida. Mas certamente não é a mais importante. Assim, cabe ao espectador gerir sua expectativa individual quando recebe a notícia de que um filme como “A forma da água” recebeu indicação em 13 categorias diferentes, equiparando-se a obras como “E o vento levou” (1939), “Mary Poppins” (1964) ou “Forrest Gump” (1994). A verdade tem que saltar à cara: o filme pode não ser tão bom assim. Vamos com calma. Expectativas incompatíveis com os fatos acabam interferindo na sensação de justiça (ou injustiça) das premiações. Dito isso, vamos ao que interessa. Quais os grandes injustiçados do Oscar desse ano?

De forma não tão aviltante, temos a primeira insatisfação na categoria de melhor ator. Veja bem, não é que Gary Oldman não esteja muito bem como Winston Churchill. Mas a atuação limpa de Timotheé Chalamet em “Me chame pelo seu nome” talvez tenha sido muito mais significativa. E a despedida em grande estilo de Daniel Day-Lewis em “Trama Fantasma” também merecia maior atenção pelo peso e pela originalidade. Chalamet e Day-Lewis criaram seus personagens. Oldman certamente trabalhou menos na criação e mais na reprodução. Mas, vá lá…

Da mesma forma para melhor diretor. Guillermo Del Toro é um grande diretor. E fez um belo trabalho em “A forma da água”. Mas que nota dar a ele depois de assistir o refinamento de Paul Thomas Anderson em “Trama Fantasma”, a simplicidade original de Jordan Peele em “Corra!” ou a grandiosidade propositalmente morna de Christopher Nolan em “Dunkirk”? Fica difícil defender.

Talvez a grande decepção já esperada da noite, entretanto, esteja mesmo na categoria principal: “A forma da água” como o melhor filme. Sejamos honestos, não é. Não que seja um filme ruim – também não é. Mas quando comparado com “Três anúncios para um crime” e com “Trama fantasma”, duas das obras mais interessantes e originais da temporada, fica patente a sensação de injustiça. Porque a certeza é a de que a imagem da obra de Del Toro será tragada pelo tempo. Vai sumir na memória. As de Paul Thomas Anderson e Martin McDonagh seguirão. Anotem.

Justiça seja feita, três outras categorias lavaram a alma de todo mundo. Sam Rockwell reinou absoluto dentre os atores coadjuvantes indicados. Sua interpretação em “Três anúncios para um crime”, que já havia faturado o Globo de Ouro, o prêmio do sindicato de atores e o Critics Choice, não deixou qualquer margem para dúvidas frente a seu colega de elenco, Woody Harrelson, a Christopher Plummer por “Todo o dinheiro do mundo”, a Willem Defoe por “Projeto Flórida” ou a Richard Jenkins por “A forma da água”.

De outro lado, Allison Janney também passou o carro por cima de Laurie Metcalf de “Ladybird – A hora de voar”, Lesley Manville de “Trama Fantasma”, Mary J. Blige de “Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi” e Octavia Spencer de “A forma da água”. A injustiça aqui está em cima do papel raso e caricato que deram à Spencer – desperdício.

Por fim, a grande estrela da noite: Frances McDormand. Atuação impecável. À altura da profundidade da personagem. Conseguiu arrancar empatia de todo mundo interpretando uma pessoa rancorosa, rabugenta, fria e vingativa. E olha que as concorrentes mais bem cotadas eram nada menos que Meryl Streep (em “The Post – a guerra secreta”), Saoirse Ronan (em “Lady Bird – a hora de voar”) e Margot Robbie (em “Eu, Tonya”), fora Sally Hawkings correndo por fora (em “A forma da água”). Briga de gente grande.

Justas ou injustas, ponto final na temporada 2017. Que comecem os jogos de 2018. Sem torcer o nariz, por favor.