Meu amor pelo rádio começou em 1970, quando tive hepatite C e por ordem médica fui isolado no Hospital Brasil Central, na rua Quintino Bocaiúva, em Campinas. A unidade funcionou até o final dos anos de 1980, depois virou loja de móveis e eletrodomésticos.
O isolamento era rígido. Só adentrava o quarto as enfermeiras e o médico. Membros da minha família só podiam me ver pelo vidro do meio da porta, por onde eu os via também.

Meu irmão Zezé, o quarto a nascer, na ninhada dos 11 filhos que meus pais tiveram, dos quais sou o caçula, ganhou permissão do médico Joel Ivo Rosado, que me tratava, para me presentear com um rádinho a pilha. Era um Phillips, capinha marron, foninho de ouvido, anteninha dobrável e quatro pilhas pequenas. O Zezé sabia que o tempo passaria melhor com a companhia do radinho, ouvindo os programas de futebol e os jogos. Assim conheci o repórter Manoel de Oliveira.

Trabalhava na equipe de esporte da Rádio Difusora, Seleção do Povo, comandada por Draulas Vaz e Baltazar de Castro. Como era bom ouvir as reportagens do Mané! Não cobria clube: fazia uma reportagem com o principal tema do dia. Paixão à primeira ouvida.

Logo deixou a Difusora, foi para a Rádio Jornal e montou sua própria equipe, a Equipe Jovem do Mané de Oliveira. Eu também mudei de prefixo. Lá ele narrava, reportava, comentava, ancorava jornadas e lá lançou vários nomes novos na crônica. Menos de um ano depois voltava para a Difusora, agora na condição de chefe da equipe, que rivalizava com a Brasil Central, na disputa pela audiência. Seus antigos patrões, Draulas Vaz e Baltazar de Castro tornaram seus empregados e ele se especializou como comentarista – a equipe tinha quatro: Draulas Vaz, Amir Sabag, Baltazar de Castro e ele. Logo ficaram três, porque o Baltazar foi eleito presidente da Federação Goiana de Futebol e deixou o rádio.

Eram muitos os bons profissionais da Difusora. Repórteres Evandro Gomes, Levy de Assis, Ezer de Melo, Edson Costa, Caetano Beiguelli e Luiz Augusto da Paz. Narradores José Calazans e Habib Isa (O Ezer de Melo e Caetano Beiguelli também narravam). Plantão, Ride Duarte. Todos bons, mas o Mané era o grande destaque. A equipe foi mudando, alguns saindo, outros chegando e em 1972 ele trouxe de volta para o Rádio Goiano, o Édson Rodrigues, contratando também o Luiz Carlos Bordoni e o Luiz César do Amaral Muniz (Leleco). Na minha opinião a melhor equipe do rádio esportivo goiano de todos os tempos foi aquela. Eu era ouvinte fiel, com verdadeira idolatria pelo Mané.

A vida foi passando e em 1989 lá estava eu na Rádio Difusora de Goiânia, primeiro como repórter (um aprendiz de repórter na verdade), depois como coordenador da equipe. Lá não estava meu ídolo Mané de Oliveira, que na época estava afastado do Rádio. Me encontrei com ele no Serra Dourada, num domingo com um monte de meninos ao seu redor. Me apresentei e pedi pra o Ely (fotógrafo já falecido) para fazer uma foto minha ao lado do Mané – foto que nunca recebi. Neste dia contei da minha admiração por ele e fui muito bem tratado. Dispensou alguns elogios (imagino que mais por fidalguia do que por merecimento meu) e foi para a tribuna de imprensa com aquele monte de filhos.

Só em 1994 voltei conversar com ele. Era setorista no Atlético e coordenador da equipe Feras do Kajuru, da Difusora. Entrou na sala de imprensa falando em tom imperativo (só falava alto e em tom de ordem): “Cidadão, preciso falar com você” – bradou: “Pode falar Mané” – respondi prontamente: “Não aqui. Hoje às três da tarde passa lá no Mané Pescador (era uma loja de venda de material para pescaria – a maior paixão do Mané depois da família, o rádio e a noite, era a pescaria).

Três da tarde lá estava eu no Mané Pescador. Não esperei nenhum minuto. Já estava me esperando: “Sabe que o Kajuru vai levar a equipe dele para a Rádio Brasil Central?” – indagou e respondi afirmativamente com o sacudir da cabeça: “Vou assumir a equipe de esporte da Difusora e três profissionais que estão com o Kajuru me interessam, você, o José Carlos Lopes e o Evandro Gomes. Você para ser setorista do Atlético e coordenar a equipe, o Lopes para cobrir o Goiás e o Evandro para comentar ao meu lado”. Completou. Antes de eu dar a resposta ele já me falou o salário e minhas obrigações e foi assim que fui trabalhar com o Mané de Oliveira. A vida estava me dando a oportunidade de trabalhar ao lado do meu ídolo e foi maravilhoso.

O José Carlos Lopes, agradeceu, mas não quis ficar. O Evandro Gomes ficou também.
A partir daquela convivência diária conheci o homem dono do coração mais humano, o pai mais apaixonado pelos filhos, o patrão mais permissivo com seus funcionários que eu já vi. Como disse, só falava em tom imperativo. Quem não convivia com ele achava que ele estava brigando. Ele definia a forma de falar como estilo. Mas era brigão. Brigava por tudo e dava bronca em cima de bronca, sem o menor rancor, sem guardar mágoa por um segundo que fosse.

A esposa de um colega que o havia levado na justiça do trabalho por duas vezes (sem razão, mas ganhou as duas causas), me procurou. O profissional havia perdido o emprego. Disse a ela da dificuldade para a contratação por causa das duas demandas, mas me comprometi a falar com o Mané. Tive todo o cuidado para tocar no assunto e antes que eu terminasse ele adiantou: “Contrata aquele cidadão. Ele não arruma emprego em lugar algum”. O Valério Luiz, seu filho mais velho, uns dos três filhos que ele sepultou, atalhou: “Mané ele já te levou na justiça duas vezes e tomou seu dinheiro, agora você contrata ele, para quando sair te acionar novamente?” O Mané se voltou para o Valério e soltou a bronca: “Vai deixar a família passar fome. Você que é meu filho, nunca passou necessidade de nada, não tem de dar opinião em uma coisa que você não conhece. Cléber contrata o cidadão.” Assim fiz e ele nunca retalhou o profissional.

O tom da voz, grave e alto, a forma imperativa de falar, tinha por trás um homem caridoso e carinhoso com os necessitados e com a família, um patrão humanitarista, uma pessoa terna. Aquele homem jamais conheceu o ócio, jamais conheceu o rancor, jamais foi atingido pelo ódio. Amou incondicionalmente a vida e foi amado incondicionalmente por todos os que conviveram com ele. Nunca quis ser mais do que o Mané de Oliveira, mas preferia mesmo ser o Mané e era assim que os funcionários, filhos, netos e todos os que o conheciam lhe tratavam. Não existia pompa na sua forma de viver. Foi deputado estadual por duas vezes e mesmo na assembleia legislativa exigia que fosse chamado de Mané.

Depois de vencer várias batalhas, de chorar muitas dores, de enfrentar muita ingratidão, aos 80 anos, apareceu um câncer no estômago. Gravou um vídeo para contar que estava com a doença e disse que aquela era só mais uma luta para ser vencida. A venceu neste sábado, dia 13 de fevereiro de 2021.

Num sábado, na época em que coordenava sua equipe na Difusora, me convidou para passar o dia no Clube do Mané. Entre uma conversa e outra perguntei para ele se preferia o rádio ou a televisão: “A televisão me assegura o lucro. É onde ganho dinheiro como cronista esportivo, mas o rádio é para mim o que o sol é para o dia”.

Mané venceu o câncer, completando sua missão na terra e deixando muitos legados, exemplos e saudades, no dia 13 de fevereiro, data consagrada como o Dia Mundial do Rádio.