Com o hino nacional sendo cantado em Nheengatu, uma das quatro línguas indígenas co-oficiais de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, foi inaugurado o lançamento da primeira Constituição Federal traduzida para uma língua indígena. A Maloca (Casa do Saber) da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) foi escolhida como o local para essa cerimônia, realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Esse é um momento histórico de restauração e de diálogo intercultural que se dá nesse município esplendoroso e mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira. Levamos 523 anos para chegar até aqui. É um passo importante de reconhecimento dos direitos indígenas neste país que possui 274 línguas indígenas vivas”, argumentou a ministra Rosa Weber, presidente do STF.

A ocasião também ficou marcada pelo lançamento do Protocolo de Consulta dos povos e comunidades indígenas do Rio Negro, “uma ferramenta que explica para as pessoas de fora como é a regra para um processo de consulta prévia, livre, informada, de boa fé e que seja culturalmente adequada”, segundo o documento.

Rio Negro

Qualquer projeto que possa afetar a vida e os territórios dos indígenas do Rio Negro deverá obrigatoriamente passar por um processo de consulta das comunidades, conforme as diretrizes estabelecidas neste Protocolo. “Precisamos que o Judiciário conheça nosso Protocolo de Consulta e nos ajude a fazer cumprir os nossos direitos. Sempre repetimos isso aqui no Rio Negro: desenvolvimento sim, mas de qualquer jeito não”, afirmou o presidente da Foirn, do povo Baré, Marivelton Barroso.

A Foirn aproveitou o momento para entregar diretamente a Rosa Weber uma lista de requisitos para o Fórum Nacional do Poder Judiciário com foco no monitoramento e na concretização das demandas associadas aos povos indígenas (Fonepi), do CNJ.

Isso inclui, por exemplo, a garantia dos direitos eleitorais aos povos indígenas. Frequentemente, eles enfrentam obstáculos geográficos e linguísticos que dificultam o acesso ao direito de voto na Amazônia.

Gestão

A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, fazendo referência à máxima do povo Xukuru, de Pernambuco, que proclama “acima do medo, a coragem”, se comprometeu a impulsionar a tradução da Constituição Federal para mais idiomas indígenas.

“Queremos reflorestar as mentes dos tomadores de decisões e aldear os corações para esse novo projeto de sociedade com mais respeito às diferenças e com promoção da igualdade. É um gesto de respeito do Judiciário e uma forma de combater a desigualdade social”, destacou.

Dadá Baniwa, liderança indígena e coordenadora da Funai em São Gabriel, expressou que ter a Constituição Federal traduzida para o Nheengatu após 35 anos de sua promulgação representa um notável sinal de “avanço, resistência e existência” para os mais de 300 povos indígenas no Brasil. “Uma iniciativa pioneira que mostra a valorização e revitalização das nossas línguas”, analisou.

O evento

O evento contou com a participação da presidente da Funai, Joênia Wapichana, do vice-governador do Amazonas, Tadeu de Souza, do presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, e da desembargadora presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, Nélia Caminha Jorge, além de outras autoridades dos Poderes Executivo e Judiciário.

Após a cerimônia, a delegação dirigiu-se à sede do Instituto Socioambiental (ISA), localizada no Centro de São Gabriel da Cachoeira. Lá, encontraram-se com lideranças indígenas, comunicadores, advogados, representantes de instituições locais e membros da equipe do Programa Rio Negro, do ISA. O objetivo do encontro foi conhecer e discutir os desafios enfrentados pela região e os projetos desenvolvidos pela sociedade civil em conjunto com o movimento indígena.

Em seguida, no último dia 20 de julho, a delegação da ministra Rosa Weber seguiu para uma visita à comunidade de Maturacá, localizada na Terra Indígena Yanomami, no Amazonas. Nessa região, encontra-se o ponto mais alto do Brasil, conhecido como Pico da Neblina ou Yaripo, conforme é chamado pelos Yanomami.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 10 – Redução das Desigualdades

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