Os acadêmicos João Gabriel di Marco Silva e Letícia Chini de Castro, do curso de Ciências Biológicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, elaboraram projeto com o uso das personagens indígenas Curupira e Caipora como recursos na educação ambiental. “Queremos tornar a conservação ambiental mais atrativa para a sociedade e já que as narrativas indígenas fazem parte da cultura brasileira e a ideia de conservação do meio ambiente é intrínseca a elas, esses personagens podem trazer grande contribuição para o ensino”, revelam.

Eles realizaram o estudo intitulado “Curupira e Caipora: uma análise do potencial de narrativas indígenas brasileiras para o ensino de ciências”, sob a orientação do professor Marcelo Tadeu Motokane, da FFCLRP. O trabalho foi inspirado no tema do ano da Conferência da Associação Europeia de Pesquisa em Educação Científica (ESERA), que aborda a herança cultural no ensino de ciências. O objetivo do trabalho é explorar como as personagens da cultura indígena podem contribuir para o ensino de ciências e propor sua aplicação para jovens alunos. O trabalho foi aceito para apresentação na ESERA, que acontecerá na Turquia, a partir do dia 28 de agosto.

Os autores enfatizam a importância dessa nova abordagem pedagógica como forma de abordar a educação ambiental presente nos currículos escolares de uma maneira diferenciada e mais prazerosa para os alunos. “As personagens Curupira e Caipora são consideradas guardiãs das florestas e como são narrativas comuns ao Brasil, todo professor pode adaptar a aula para o que fizer mais sentido para a realidade daquela turma”, afirma Letícia, em entrevista ao Jornal da USP.

Curupira e Caipora

Conforme apontado pelos autores, o aspecto fascinante das narrativas do Curupira e da Caipora é que essas figuras mitológicas são guardiãs da floresta, porém não têm a intenção de agir punitivamente. Em muitos livros, a Caipora é retratada como uma vigilante das regras para uma caça sustentável, preservando o equilíbrio natural nas florestas.

“Ao analisar essas histórias dentro de um contexto, temos que considerar que esses seres surgiram em uma sociedade que era estruturada em cima da caça para sobreviver. Entretanto, a partir do momento em que esses povos dependem da natureza para prover os insumos necessários, é importante extraí-los de forma consciente”, explica Letícia.

De acordo com Silva, um exemplo ilustrativo é a questão da caça de fêmeas grávidas, um elemento comum na maioria das versões da história da Caipora. Nessa narrativa, ela não proíbe a caça de animais em si, mas expressamente desencoraja a caça de fêmeas grávidas. “Dessa maneira é possível preservar as futuras gerações e essa espécie mantém sua existência.”

Cultura brasileira

Outra justificativa dos autores para a utilização das narrativas indígenas é a recuperação da cultura brasileira que “foi apagada durante o período de colonização europeia”, dizem. Silva e Letícia ressaltam que, ao mencionar as personagens Curupira e Caipora, é comum associá-las erroneamente ao folclore, o que representa um termo inadequado. Utilizar essa designação para se referir a essas entidades indígenas pode levar a uma apropriação cultural ou, ainda pior, deturpar a rica diversidade cultural e a espiritualidade inerente às tradições indígenas.

“Sabemos que, historicamente, a cultura dos povos originários foi apagada intencionalmente e modificada ao longo do tempo. O que conhecemos hoje por folclore nada mais é do que a cosmovisão desses povos. Então, associar esses personagens da forma que a gente está propondo, valorizando seus reais significados para os povos indígenas, aliado ao ensino sobre o meio ambiente, não é só uma forma alternativa mais interessante de falar sobre a conservação, mas também uma maneira de fazer o resgate dessa cultura essencialmente brasileira”, explica Letícia.

Silva explica que a escolha de utilizar tanto o Curupira quanto a Caipora também se baseia no fato de que, em muitas regiões, esses personagens são vistos como intercambiáveis, chegando até mesmo a serem considerados sinônimos, apesar de possuírem características distintas em suas origens. Essa decisão visa estabelecer um ponto de partida para o projeto, já que os alunos geralmente associam naturalmente essas figuras à proteção da floresta. Entretanto, a intenção é expandir para outras narrativas, ampliando o repertório cultural e espiritual que as tradições indígenas oferecem.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade; ODS 10 – Redução das Desigualdades; ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis

Leia mais: