A história do primeiro professor indígena da Universidade Federal de Goiás (UFG) começa com o desafio de deixar a aldeia do povo Apyãwa, conhecido pela sociedade não-indígena como Tapirapé, para poder estudar. Depois de concluir o ensino fundamental na Escola Indígena Estadual Tapirapé, e o ensino médio na Escola Indígena Estadual Tapi’tãwa, ambas em Confresa, no Mato Grosso do Sul, Gilson Ipaxi’awyga Tapirapé mudou-se para Goiânia em busca do ensino superior.

Ouça a entrevista na íntegra a seguir

“Em 2007 ingressei no curso de licenciatura intercultural aqui na UFG. Lá, graduei na área de Ciências da Linguagem. Optei por essa área do conhecimento pelo seguinte motivo: há diversidades linguísticas, só que poucas são conhecidas nacionalmente, tanto pela academia quanto pela sociedade brasileira”, afirma. 

Começava aí a busca de Gilson pela interculturalidade. Entre 2014 e 2015, ele fez especialização em Educação Intercultural e Transdisciplinar: Gestão Pedagógica, e em 2017 iniciou o mestrado em Letras e Linguística, concluído em 2020, ambos pela UFG. Agora, ele passa a integrar quadro de docentes do Núcleo Takinahakỹ de Formação Superior Indígena. A posse aconteceu na última segunda-feira (13). 

Em entrevista à Sagres, Gilson Tapirapé conta por que a educação intercultural é diferente dos demais cursos, pois acontece por etapas: nas aldeias e na universidade.

“No mestrado, o desafio e a dificuldade são maiores porque são turmas formadas por alunos aqui da cidade [Goiânia] e de diferentes estados brasileiros, e a leitura acadêmica é uma dificuldade maior para nós indígenas, de modo geral, porque as escolas indígenas não trabalham com língua estrangeira como espanhol, inglês, e na academia os textos são mais voltados à formação dos não-indígenas”, argumenta. “Isso me colocava em uma situação muito difícil porque não sabia leitura em inglês e espanhol, mas aos poucos fui criando estratégias para acompanhar o estudo”, complementa. 

Interculturalidade

Gilson Tapirapé, o único de cinco irmãos que conseguiu formação acadêmica, relata que morar na cidade e ficar longe da esposa e dos filhos também foi desafiador. “Nós que estamos acostumados a viver livremente na aldeia, conexão com a natureza, vivendo em sociedade e em família, tudo isso era um desafio para me acostumar fora da aldeia”, relembra. 

“A interculturalidade começa por aí, com a inclusão de um professor dentro da universidade. Isso representa o início, de fato, com a interculturalidade, porque não adianta discutir interculturalidade sem a presença de uma cultura diferente dentro da academia. Ela representa, de fato, a inclusão de um mundo diferente dentro da universidade, são percepções diferentes sobre o mundo”, afirma. 

Promover políticas e práticas que estimulam a interação, compreensão e o respeito entre as diferentes culturas e grupos étnicos está entre os propósitos da interculturalidade, exatamente um dos objetivos que Gilson Tapirapé, aos 39 anos, busca alcançar com seu pioneirismo no meio acadêmico.  

“A universidade trata a ciência como se ela fosse a única, desconsiderando as diversidades e questões sobre o mundo. O povo Tapirapé tem seus conhecimentos sobre as mudanças climáticas, por exemplo. Meu propósito é fazer essa troca de conhecimentos com percepções indígenas com a ciência da universidade. Acho que essa é uma maneira de formar uma sociedade mais justa, porque são alimentados muitos preconceitos, ignorância sobre os indígenas por falta de conhecimento. Tendo um indígena dentro da universidade, representa o que o Brasil tem de diversidade”, afirma. 

Próximos passos

A conquista mais recente de Gilson Tapirapé foi o ingresso no doutorado, também pela UFG. Agora, ele sonha em transformar professores indígenas em formadores de opinião em suas comunidades, e conhecer as aldeias existentes em Goiás. “Sempre busco diferentes culturas, realidades, formas de ser. Isso ajuda o professor a fazer o seu trabalho”, conclui. 

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