Andreza Silva de Andrade Baré nasceu em São Gabriel da Cachoeira e cresceu na aldeia Cucuri, no alto do Rio Negro, divisa do estado do Amazonas com a Colômbia e a Venezuela. Hoje jornalista, mestre e doutoranda em Comunicação, ela conta que sua trajetória não se trata de uma história individual, mas coletiva.

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“Minha história vem muito antes de mim, das mulheres e lideranças que vieram antes de mim. É tudo muito conectado com as histórias dessas pessoas que lutaram antes para ser possível estar hoje aqui, e futuramente para que próximas mulheres indígenas e outros sujeitos indígenas possam ter o seu lugar ao sol”, afirma.

Filha de professora que dava aulas de língua portuguesa na própria aldeia, Andreza conta que recebeu desde sempre o incentivo da mãe pela escrita, leitura e a busca pela educação mesmo longe de casa.

“Na minha aldeia, por exemplo, não tinha Ensino Médio. Tive que sair de lá para buscar a educação em outros lugares. Fiz o Ensino Médio em Pernambuco, que é a terra do meu pai”, relembra.

Preconceito

‘Você é índia, né?’, ‘andam pelados’, ‘criam onças em casa’. Estas são algumas das frases que a jovem Andreza passou a ouvir na escola fora da aldeia, um dos primeiros contatos com elementos não-indígenas ocorrido na adolescência.

“Desde pequena a gente lida com preconceito. Eu não tinha maturidade para perceber que aquilo era racismo, era preconceito. No entanto, eu me sentia muito mal, eu não me identificava com esse papel ou essa persona que eles criavam, esse imaginário que eles tinham a meu respeito”, conta.

Até hoje, segundo Andreza, um dos maiores desafios é justamente a quebra de estereótipos. “Hoje, no movimento indígena, a gente tenta quebrar essa palavra, porque índio foi uma designação do colonizador opressor. Nós nos identificamos como indígenas”, ressalta.

A faculdade

O amadurecimento veio na academia, com as dificuldades enfrentadas para ingressar no Ensino Superior, em uma faculdade na Paraíba.

“Não existiam cotas, não havia políticas de ações afirmativas como hoje, não existiam bolsas para políticas de ações afirmativas ou para estudantes de baixa renda, e a gente tinha que se virar, trabalhar”, relata. “Começou a nascer ali, na faculdade, e de entender que eu era “diferente” das pessoas que estavam ao redor. Tive oportunidade fazer alguns estágios em jornais, em TV, e comecei a me desiludir um pouco com a grande imprensa por conta dessas políticas editoriais que a gente não se posiciona, e então decidi trilhar a minha carreira em causas que eu acreditava”

Após concluir a faculdade de jornalismo, Andreza Baré voltou para São Gabriel da Cachoeira, onde atuou na Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e no Instituto Socioambiental (ISA). Era a oportunidade de transformar o conhecimento em ferramentas pedagógicas a favor dos povos indígenas da região.

“Desenvolvíamos oficinas de comunicação comunitária, de inclusão digital nas aldeias onde trabalhávamos, sempre trazendo essa importância de aproximar as novas mídias e apresentar essas novas ferramentas de formação e comunicação aos parentes indígenas, além de associar isso à escola, como as escolas indígenas podem tirar proveito dessas ferramentas”, afirma.

Mestrado e doutorado

A oportunidade de estudar no exterior veio ao passar em um processo seletivo da Fulbright Comission Brasil, um programa de bolsas estudantis ligado ao departamento de estado americano para profissionais em meio de carreira. Andreza Baré ficou quase dois anos estudando comunicação e jornalismo em uma universidade no Estados Unidos. Após esse período, mudou-se para Brasília.

“Foi quando decidi fazer mestrado na UnB [Universidade de Brasília]. Decidi estudar algo que eu adoro que é comida indígena, e então mergulhei de cabeça nos estudos e na carreira acadêmica. Me encantei muito com a academia, não esperava ter esse encantamento todo. Concluí meu mestrado e decidi fazer doutorado logo em seguida”, relata.

Andreza Andrade Baré (Foto: Audrey Luíza/Secom UnB)

Educação em casa

Mãe dois filhos, um de sete e um de três anos, a jornalista do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) acredita que a educação segue sendo um desafio, principalmente porque prefere não servir como um exemplo a ser seguido, principalmente porque o ensino se dá em um ambiente cercado de contextos não-indígenas.

“Como eu cultivo essa etnicidade neles? Isso também é um processo de educação. Eu tento seguir o ensino orgânico, uma forma orgânica de passar o conhecimento. Não é trazendo exemplo, para não cria ruma referência, mas de provocar o pensamento neles, provocar a reflexão, para que ele possa mesmo sentir a necessidade da leitura, da escrita, do conhecimento. Eu e meu companheiro adotamos muito esse caminho de provocar a reflexão nas crianças, o que é muito diferente de usar um modelo único como referência”, argumenta.

Mais do que uma referência em casa, Andreza Baré sonha em ser professora universitária na área de comunicação. Ela acredita que a universidade precisa continuar sendo espaço de luta contra o racismo e todo tipo de preconceito.

“Nós, enquanto indígenas, precisamos estar nesses espaços, principalmente na área da comunicação. Somos pouquíssimos indígenas formados em jornalismo, que têm essa formação técnica”, afirma. “Esse é um grande sonho para mim, me tornar uma professora universitária, dentro da área de comunicação, que é onde trilhei minha carreira, e trazer mais indígenas para as escolas de comunicação para que a gente ocupe as redações, formule novas políticas editoriais pautados na diversidade dos povos indígenas do Brasil, para que se tenha esse entendimento, a quebra de preconceitos e de racismo”, conclui.

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