Em uma parceria envolvendo a Fundação Pró-Cerrado e a Demà Jovem Global, foi possível termos a presença de uma das importantes lideranças do movimento independentista da Catalunha, o senhor Jordi Turull.
A história de Jordi Turull está visceralmente ligada à luta pela plena autonomia da Catalunha, inclusive tendo sido preso em virtude de sua atuação no plebiscito de 2017, que levou vários membros do movimento para a prisão ou para o exílio.
A visita de Turull a Goiânia teve como objetivo a promoção do intercâmbio de ideias e ações que possam colaborar com a inclusão social juvenil e o desenvolvimento sustentável.
O curioso é que essa visita coincidiu com um dos momentos mais decisivos da política espanhola nos últimos anos, pois os representantes da Catalunha terão papel decisivo para a possível formação de um novo governo espanhol. Dessa forma, diante de uma oportunidade tão rara, é que eu e o jornalista Rubens Salomão tivemos a honra de entrevistá-lo para os programas Conexão Sagres e Sagres Internacional.
Leia mais
- Conexão Sagres #21 | A trajetória e futuro do movimento independentista da Catalunha
- Sagres Internacional #228 | Cataluña: a histórica luta pela independência
Mas, para entendermos as posições políticas expressadas tanto por sua intensa atuação, quanto por sua retórica, é interessante conhecer um pouco sobre a histórica luta catalã.
Segundo as tradições políticas e históricas catalãs, eles já tinham se organizado como um Estado independente desde a Idade Média, por volta do século 12. Mas, no século 18, com o resultado da Guerra de Sucessão Espanhola e as derrotas de Valência em 1707 e da Catalunha em 1714, esses territórios foram incorporados definitivamente à Espanha. O reino espanhol passaria a ser governado pelo neto de Luís XIV, o duque de Anjou, Filipe, que iniciaria o domínio da dinastia de Bourbon na Espanha.
No século 19 a indústria têxtil da Catalunha constituía a base fundamental da industrial espanhola. Mas, a monarquia espanhola era bastante conservadora e não conseguiu se adaptar, com eficiência, ao capitalismo industrial em andamento. Assim, além do governo espanhol não apoiar o desenvolvimento econômico da Catalunha, ainda reprimia a região culturalmente impondo os seus valores castelhanos.
Entre 1936 e 1975 a Espanha viveu a ditadura fascista de Francisco Franco, aliado de Hitler e Mussolini. Dessa forma, o movimento autonomista catalão viu a repressão do Estado espanhol se intensificar. Mesmo assim a Catalunha buscou resistir, mas foram massacrados, pois os franquistas, após matarem mais de 3 mil pessoas durante os confrontos, estabeleceram o controle total sobre a região.
A morte de Franco, em 1975, permitiu o processo de abertura política. O rei Juan Carlos assumiu oficialmente a monarquia espanhola e conduziu a retomada de uma liberalização democrática no país, anistiando presos políticos e convocando eleições. Em 1977, ocorreram as primeiras eleições livres na Espanha após a Era franquista.
Com a promulgação de uma nova Constituição, em 1978, a monarquia parlamentarista espanhola se estabeleceu como um Estado social e democrático. Essa constituição buscou mitigar as tensões autonomistas garantindo o direito de autogoverno às nacionalidades e regiões que compõem o Estado Espanhol, ou seja, constitucionalmente a Espanha finalmente se reconhecia como um Estado plurinacional.
A Constituição ainda estabeleceu que o castelhano seria o idioma oficial do Estado, mas que as demais línguas espanholas também seriam consideradas oficiais nas respectivas Comunidades Autônomas de acordo com seus Estatutos.
Porém, o governo central espanhol tem adotado interpretações jurídicas que restringem a ação das Comunidades Autônomas. Apesar da aprovação, em 2006, do estatuto de autonomia da Catalunha, que permitiria ao governo regional decidir sobre cobranças de tributos, questões judiciais e imigração, em 2010 parte disso caiu por terra, pois uma interpretação do Tribunal Constitucional Nacional suspendeu, na prática, a eficácia desse estatuto.
Desde então os protestos e manifestações se intensificaram. Em 2012, milhares de pessoas foram às ruas pedindo a independência da Catalunha. Em 2014, por meio de um plebiscito simbólico, 80% aprovaram a proposta de independência da Catalunha. Em 2015, partidos a favor da independência da Catalunha conquistaram a maioria absoluta no Parlamento regional.
Essa vitória política fortaleceu o ideal independentista catalão, que passou a reivindicar, de maneira cada vez mais incisiva, o direito de convocar um referendo para votar sobre a independência.
Em 2017, apesar da oposição do Estado espanhol e da proibição da justiça, mais de 2 milhões votaram no referendo. 90% foram favoráveis à proposta independentista. Porém, segundo a justiça espanhola essas iniciativas ferem a Constituição e ameaçam a existência do Estado espanhol.
A justiça resolveu evocar o artigo 155 da Constituição espanhola, segundo o qual caso uma Comunidade Autônoma descumpra suas obrigações constitucionais ou outras leis, ou atue de forma que prejudique o interesse geral da Espanha, o Governo poderá adotar as medidas necessárias para obrigar a região a cumprir essas obrigações ou a proteger o interesse geral.
Porém, a adoção das medidas do artigo 155 tem sido alvo de debates entre os constitucionalistas espanhóis. Pois, a intervenção do governo espanhol em comunidades autônomas também é algo bastante polêmico. Além do mais esse artigo nunca tinha sido colocado em prática.
A verdade é que a repressão da justiça espanhola ao referendo de 2017 e à declaração de independência da Catalunha, foi implacável. O presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, foi deposto. Ele e sete de seus secretários fugiram para a Bélgica, acreditando que poderiam ter algum apoio da União Europeia para considerar ilegítima a reação espanhola e ser reconduzido ao seu cargo.
Foi em meio a todo esse contexto conturbado que em 2018 a justiça espanhola determinou a prisão de cinco independentistas e a captura de mais seis que estavam no exterior. Com a prisão do candidato separatista Jordi Turull, a posse de um novo presidente regional da Catalunha foi suspensa. Em outubro de 2019, Turull foi condenado a 12 anos de prisão e foi inabilitado politicamente acusado de sedição e desvio de fundos públicos. Somente em junho de 2021 é que recebeu o perdão governamental.
O resultado das eleições da Espanha, em 2023, trouxe uma situação inusitada. Apesar das pesquisas terem apontado para um avanço considerável da direita e, portanto, uma derrota acachapante do Governo Pedro Sánchez, do Partido Socialista (PSOE), o que ocorreu foi uma vitória apertada da direita, liderada pelo Partido Popular, de Alberto Núñez Feijóo. O problema é que nenhum dos lados reúne os 176 votos necessários para a composição de um novo governo.
Por enquanto a situação está indefinida, pois mesmo com seus respectivos aliados, o PSOE conseguiu, inicialmente, 172 votos e o PP obteve 171 votos. Contudo, a contagem de votos de espanhóis que estão no exterior fez a coalização do PSOE perder um assento. Agora a coalizão PSOE tem 171 votos e a coalizão do PP 172.
Assim, ironicamente, a chave para estruturar o novo governo está nas mãos de Carles Puigdemont, ex-presidente da Catalunha e autoexilado na Bélgica. O Juntos Pela Catalunha, partido de Puigdemont, ao qual Turull também pertence, e o outro partido separatista catalão, o Esquerda Republicana de Catalunya (ERC), somados, possuem sete assentos que serão decisivos neste momento.
Diante desse quadro, Jordi Turull, atual secretário-geral do Juntos Pela Catalunha, entende que que o momento político da Espanha é uma janela de oportunidade para o fortalecimento do movimento independentista catalão. Ele defende que é um momento em que os defensores da autonomia catalã devem se unir e pressionar para que o referendo seja reconhecido e que se anistie aqueles que foram presos e perseguidos pelo governo espanhol. Essa condição deve ser inarredável e colocada com firmeza na mesa de negociações.