A roupa já foi escolhida. Na mochila, alguns pertences e muita ansiedade. Deivide da Silva, natural de Salvador, na Bahia, tem 16 anos e inicia a vida no mercado de trabalho no dia 23 deste mês, na Caixa Econômica Federal. Deivide tem grandes sonhos, quer crescer, estudar, conquistar e ajudar a mãe. É que a pandemia tirou o trabalho do padrasto e a ela passou a sustentar a casa. O primeiro emprego veio em boa hora. 

Leia também: Tecnologia mantém jovens conectados à aprendizagem e ao mercado de trabalho na pandemia

“É uma sensação boa. Estou feliz. Agora vou parar de incomodar minha mãe, porque eu preciso pedir dinheiro quando quero algo. Agora, quem vai ajudar ela sou eu. O que ela pedir eu vou dar”, afirmou o jovem que foi logo reforçando que o primeiro salário já tem destino certo. “A primeira coisa que eu vou fazer é um plano dentário Preciso usar aparelho”.

Deivide da Silva. Foto: Arquivo Pessoal

Deivide quer seguir carreira militar no exército. Mesmo que se esforce para manter os estudos, se esforça porque sonhos grandes exigem lutas grandes. O estudante do ensino médio faz parte das mais de 94 mil contratações de janeiro e fevereiro deste ano em todo o país de jovens entre 14 e 24 anos, que integram o programa jovem aprendiz. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). O setor que mais promoveu o primeiro emprego foi a indústria.

Em Goiás, nos dois primeiros meses deste ano, foram 2.456 novas oportunidades para a primeira experiência. Foi o setor do comércio que mais precisou dessa mão de obra no estado. A pandemia não alterou o cenário das admissões em Goiás. O índice de janeiro e fevereiro de 2020, quando a Covid-19 ainda não havia disseminado pelo Brasil, foi um pouco menor. Goiás registrou 2.355 empregos para o jovem aprendiz naquele período. 

MAurício Vono. Foto: Arquivo Pessoal

Em todo o país, o serviço administrativo dominou a demanda por esses trabalhadores. Segundo o economista e planejador financeiro, Maurício Vono, parte desses serviços envolve tecnologia, área que não parou de crescer. “Esse setor tem contratado muita gente. Estamos vendo empresas de fora contratando jovens aqui, mesmo que ainda no período de estágio, mas que têm condições de trabalhar em projetos de programação. São grandes empresas buscando jovens talentos”, pontuou.

Rafaela Brandão, de 17 anos, moradora de Brasília, teve a carteira assinada pela primeira vez em junho do ano passado. Naquele mês, o país teve um de seus piores cenários para os jovens que buscavam o primeiro trabalho. Houve 6 mil contratações contra 25 mil demissões. O saldo positivo entre novos postos de trabalho e desligamentos só foi ocorrer em novembro de 2020. Para Rafaela foi uma grande conquista.

“Foi muito importante a minha contratação, tanto para mim quanto pra minha família. Vejo como um momento de experiência profissional. Eu aprendi a ter outras responsabilidades além da escola”, pontuou.

Rafaela Brandão. Foto: Arquivo PEssoal

A estudante trabalha em regime de home office. Foi poucas vezes à empresa. Se tem alguma dificuldade com o sistema, logo a equipe dá o suporte. Mas, para ela, que faz parte de uma geração viciada no contato virtual, o que falta mesmo é a troca presencial. “Quando eu tinha qualquer problema, sempre tinham técnicos para área que eu precisava. Mas, o trabalho remoto te faz perder todo o contato com as pessoas. Eu, por exemplo, não conheço várias pessoas que falam comigo todos os dias. Essa é a parte ruim, não poder ter essa troca olho no olho”, lamentou a jovem que guarda 10% do salário na poupança para faculdade ou intercambio ou para comprar o primeiro carro. “Ainda não decidir. Mas está lá. Guardado”.

Escute essa reportagem:

APRENDIZAGEM E O MUNDO CORPORATIVO

Deivide e Rafaela fazem parte do programa Jovem Aprendiz, um modelo de contratação que alia a aprendizagem técnica a uma vaga formal com a permanência na educação, colaborando no combate à evasão escolar. Várias empresas fazem essa ponte entre os jovens estudantes e o mundo corporativo. Uma delas é a Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração, a Renapsi. Para o coordenador comercial da organização, Uilton Tiradentes, o programa de aprendizagem oferecido na rede é fundamental na contratação desses jovens, uma vez que o mercado tem exigido capacitação.

Uilton Tiradentes. Foto: Arquivo pessoal

“O setor de recursos humanos das empresas está cada vez mais exigente em relação à qualificação profissional. Existem vagas, mas quando o candidato busca, ele acaba não sendo chamado por falta de qualificação. Por isso, a Renapsi tem essa preocupação de inserir o jovem no mercado de trabalho, o mantendo na escola e promovendo a capacitação técnica. Ele consegue desenvolver suas habilidades de uma forma integrada, o que para as empresas é uma grande vantagem”, pontua.

A Aprendizagem Profissional por meio da contratação de um jovem aprendiz é determinada por meio da lei 10.092/2000. Ela estabelece que todas as empresas de médio e grande porte contratem um número de aprendizes equivalente a um mínimo de 5% e um máximo de 15% do seu quadro de funcionários cujas funções demandem formação profissional. A inserção desses jovens no mercado de trabalho tem mudado o cenário social de famílias inteiras.

“A partir do momento que você dá oportunidade para um jovem você dá oportunidade para toda família. Nós temos relatos de pais de família que perderam o emprego na pandemia e foram os jovens que conseguiram manter o mínimo para a manutenção da casa”, complementou Uilton.

EFETIVAÇÃO DO SONHO

Felipe Souza. Foto: Arquivo Pessoal

O Felipe Silva Souza, de Goiânia, sabe bem do significado da primeira porta aberta. Com apenas 20 anos de idade, ele completou quatro anos na primeira empresa e passou de auxiliar de almoxarife para gerente de estoque, efetivado com sucesso. “Tive aquele friozinho na barriga quando entrei, pensava em como fazer meu trabalho de forma correta para mostrar que eu estava ali para contribuir. Graças a Deus tive um ensinamento imenso e consegui crescer dentro da empresa, sem deixar de investir nos estudos”.

E a responsabilidade de um cargo de chefia veio junto com o casamento. E ele quer mais desafios. Vai destrancar a faculdade de enfermagem este ano e buscar um grande sonho.

“Eu gosto muito da área da saúde. Quero destrancar a faculdade nesse segundo semestre e me formar. O enfermeiro sempre foi muito importante e hoje, na pandemia, ele é visto também como herói. Quero contribuir com esses profissionais e mostrar o valor que eles têm ao seguirem na linha de frente mesmo com tanto sofrimento e arriscando as próprias vidas”, contou.

Bruno Buiatti Souza, de 19 anos, morador de Goiânia também tem uma história de orgulhar pai e mãe. Começou como aprendiz na Fundação Tiradentes e menos de seis meses depois, foi efetivado. “Eu entrei como auxiliar de escritório e quando fui efetivado, fui para o departamento de operações, onde assumi a função de assistente de escritório. Eles viram meu esforço e a minha responsabilidade em lidar com as tarefas do dia a dia”, explicou.

Bruno Buiatti. Foto: Arquivo pessoal

Bruno está no segundo período da faculdade de Ciências Contábeis e pretende continuar na empresa. “O programa de Jovem Aprendiz fez eu me sentir mais seguro e amparado, porque precisava manter meus estudos e ainda estava no mercado de trabalho. E com incentivo, quero crescer mais”, ressaltou.

Essa vontade de fazer diferente tem saltado aos olhos dos empregadores, segundo o economista Maurício. Jovens com projetos de vida, como esses que relatamos na reportagem, se destacam e voam alto. “Os jovens que tem uma visão empreendedora, que buscam trazer solução, inovar e, apesar de ser funcionário de uma empresa, ele quer empreender ali dentro, é a alternativa que os empresários buscam. Eles são soluções. Geralmente, quando eles têm espaço dentro da organização, eles vestem a camisa. Então, esse tipo de profissional é muito valorizado”, enfatizou o economista Maurício.