A oitava edição do Programa Educação recebeu especialistas para um debate: como avaliar e garantir a qualidade do ensino no Brasil? O pesquisador em avaliação da Faculdade de Educação da Unicamp, Rodrigo Fonseca, questionou a forma de avaliação presente nas escolas brasileiras. O debate inclui se cabe ao país adotar novas formas de avaliar os alunos, indo além das tradicionais provas escritas.

Rodrigo Fonseca acredita que há uma “crença quase cega” nas estratégias avaliativas utilizadas no país. O profissional questiona se o instrumento realmente é capaz de fazer uma descrição fidedigna daquilo que se pretende avaliar.

“É importante que a gente entenda que independentemente do instrumento que se usa, seja uma prova ou outras estratégias alternativas, digamos assim, elas sempre oferecem para a gente uma visão, um recorte, uma leitura, uma perspectiva daquele objeto que se pretende qualificar, então essa clareza sobre os limites que as estratégias avaliativas tem ela é muito importante”, disse. Confira a entrevista completa realizada pelo jornalista Samuel Straioto.

Como se mede o conhecimento?

A prova escrita é amplamente utilizada no Brasil: em escolas, no Enem, processos seletivos e concursos. São diversas instituições que padronizam suas avaliações e seleções por meio do instrumento que tem por função atribuir uma nota. Mas como se mede o conhecimento? Fonseca afirmou que é “difícil tangenciar o conhecimento dos alunos”. Por isso, o pesquisador em avaliação sugere o exemplo de realizar uma medição de comprimento.

“Medir um comprimento é muito concreto para mim, se eu vou medir a altura da guarnição de uma porta, o pé-direito de uma casa, ou mesmo a massa de alguma coisa e temperatura. Agora quando a gente fala em medir por meio de uma prova, eu estou medindo o quê? Qual é o objeto?”. 

Rodrigo Fonseca desenhou duas perspectivas de avaliação e defende estratégias diferentes para cada uma delas. O foco do especialista é no motivo da existência da avaliação e na qualidade da avaliação proposta para cada instituição, setor, unidade, modalidade, como escolas, universidades e processos seletivos.

Por que se avalia?

“A gente começou a criar essa metodologia de uma avaliação dessa forma a medida que a gente começou a estruturar uma circunstância em que um ensina muitos”, explica Fonseca.

Um professor que precisa avaliar 30 alunos não consegue realizar o processo de forma individual. Ao longo do tempo, por isso, surgiram as organizações institucionais que realizam o processo avaliativo e, assim, surgiram também as provas escritas. Mas, ressalta o especialista, fora do ambiente escolar não se aplica uma prova avaliativa para quatro ou cinco pessoas numa relação semelhante de professor e aluno.

“Se você vai ensinar o seu filho alguma coisa em casa, por exemplo, instalar um dispositivo eletrônico ou afazeres domésticos mesmo, você não aplica uma prova escrita depois. Ele vai fazendo e você vai olhando e fala: isso aqui não tá legal, faz de novo, ou isso aqui não ficou bom ainda. Porque existe ali uma intimidade, uma proximidade que seria mais difícil do que se tivesse ensinando a mesma atividade doméstica para 30 ou 40 crianças da idade do seu filho, por exemplo”, conta. 

Perspectivas de avaliação de Fonseca

As duas perspectivas de avaliação defendidas por Rodrigo Fonseca compreendem o espaço em que são aplicadas e para que serve cada uma delas. Pois as avaliações permitem a criação de indicadores  e estratégias que garantem autonomia aos processos que conhecemos hoje e que possibilitam a certificação de “conhecimento” no final.

No caso de uma universidade, Rodrigo Fonseca pergunta se a estratégia avaliativa imposta é exigida por causa de uma nota, uma colocação ou uma nota média para cada um dos alunos da instituição. E questiona se a avaliação adotada registra a real qualidade do ensino da instituição e dá conta de analisar a competência técnica dos profissionais que ela está formando.

“A formação de um profissional para um mundo que se apresenta cada vez mais desafiador e complexo, com desafios inclusive de ordem ética, bastante constrangido nas relações humanas e sociais, e que agora tem a tecnologia trazendo bastante tensionamento para o mercado de trabalho, será que uma prova escrita é a garantia para avaliar a aptidão para o exercício de uma atividade?”, pergunta.

Ao mesmo tempo, o especialista se pergunta também se seria necessário abrir mão da prova escrita em meio a uma formação que ele define como multidimensional, complexa e pretensiosa. “Há de se ter indicadores numa linha bastante tradicional que seja ter indicadores que deem conta de tangenciar essa multidimensionalidade e essa complexidade. E reduzir isso para uma prova escrita me parece muito pouco, me parece insuficiente “, argumenta.

O caso das escolas

EEMTI Joaquim Bastos Gonçalves, no Ceará (Foto: Instagram/@eemti.jbg)
EEMTI Joaquim Bastos Gonçalves, no Ceará (Foto: Instagram/@eemti.jbg)

Todos os professores precisam atribuir uma nota aos seus alunos, pois esse é o sistema de avaliação semestral e anual nas escolas do país. Avaliar, segundo Fonseca, não é um problema. “Eu acho que todo mundo que trabalha com educação, e falo isso sem medo de errar, ninguém é contra avaliação, pelo contrário, a avaliação compõe o ato pedagógico”, diz.

“Tem uma alegoria que eu ouvi da professora Katia Smole que ela falou que o planejamento é como se fosse um mapa, então você está com um navio no meio do oceano e o seu planejamento é o mapa. A avaliação é a bússola. A avaliação é a qualidade com que você vai navegar por esse lugar, um lugar muito abstrato, muito vago e a bússola vai dizendo “puxa para cá” ou “puxa para lá”, acrescenta.

Essa bússola funciona para as escolas. O professor destaca a importância de entender o papel que os instrumentos avaliativos ocupam no processo educativo. Para ele, então, os alunos de uma escola e de universidade, que são sistemas formais de ensino, tem uma avaliação que é indutora. 

“O aluno estuda para tirar uma nota boa, então essa estratégia avaliativa tem uma forma indutora, o aluno busca um bom resultado.Numa condição de autoridade pedagógica dessa escola, qual é a ética fundamental para que eu possa organizar esse instrumento que eu sei que tem uma força indutora a ponto de fazer os meus alunos correrem atrás dele?”, insiste o especialista.

Monitoramento da aprendizagem

As provas escritas também são o modelo de avaliações como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Nesse caso, Rodrigo Fonseca diz que o olhar precisa ser diferente. “São duas coisas distintas, uma coisa é a avaliação enquanto uma força indutora de comportamento e de busca e outra coisa é uma estratégia avaliativa no sentido estrito de ver se as pessoas aprenderam para que eu possa ir fazendo as minhas intervenções”, argumenta.

O especialista reforça que ter clareza sobre o que se pretende avaliar é “fundamental” na hora de escolher as estratégias avaliativas. E, assim, discutir sobre a melhor qualidade ou sobre o melhor meio.

“O professor Cipriano Luckesi tem discutido a avaliação da aprendizagem e ele fala que para entender a avaliação educacional a gente tem algumas dimensões. A gente está discutindo aqui a avaliação do aluno na sala de aula. Nesse sentido, isso é falar de uma avaliação educacional ou de uma autoavaliação no sentido institucional? Enquanto instituição estamos funcionando bem? Estamos falando aqui de uma avaliação no sentido micro que é a sala de aula”concluiu.  

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.