Inclusão é uma palavra que Débora Seabra sempre escreve com a inicial maiúscula. A professora tornou-se uma referência no assunto enquanto escrevia as linhas da própria vida. Débora Araújo Seabra de Moura é atriz, escritora, palestrante e é a primeira professora com Síndrome de Down no Brasil.

Personalidade da educação do país e mulher inspiradora, Débora defende o direito da pessoa com Síndrome de Down e outros tipos de deficiência acessar a rede regular de ensino. “Eu nunca estudei em escolas especiais. Nunca. Estudei sempre em escolas regulares, onde a vida é normal. Escola é pra ser assim: tudo junto e misturado”, disse em entrevista ao jornal Tribuna do Norte em outubro de 2020.

A escola inclusiva para Débora Seabra é o futuro, representa superação de desafios que não se apresentam na educação especial, desenvolve as capacidades para o mercado de trabalho e auxilia diretamente no pleno exercício da própria autonomia.

“Eu já trabalhei com alunas com deficiência auditiva, com uma criança que tem Síndrome de Down também, mas também com outras crianças que não tinham deficiência mas possuíam suas diferenças. A paciência para conviver com o outro só se aprende quando se convive com a diferença”, disse. “As pessoas, quando separadas, não convivem entre si, e elas param. As crianças ficam sem desafios, e não queremos isso”, acrescentou.

Foto: Arquivo pessoal/Débora Seabra

Construção da autonomia

Débora ressalta sempre que é uma prova viva de que a inclusão favorece a autonomia e o desenvolvimento integral da pessoa portadora de Síndrome de Down. Natural de Natal, capital do  Rio Grande do Norte, sua caminhada tem importantes passos por São Paulo. 

Logo que nasceu, em 15 de julho de 1981, recebeu o nome de sua bisavó, Débora, uma pessoa que sua mãe, Margarida Seabra, muito amava. Sem informações positivas sobre o diagnóstico da filha, Margarida sentiu-se “posta pelo avesso” e descreve momentos semelhantes a sentir-se entrando em um redemoinho: “eu me desesperei”, contou à TV Brasil.

“Não sabia que existia a estimulação precoce, que ainda era uma coisa recente no Brasil. Nós fomos a São Paulo procurando orientação para educar essa criança”, disse. De acordo com Margarida, a família era próxima ao cartunista Henfil, falecido em 1988.

Anos antes, ela, o marido e os dois filhos, Frederico e Débora, se hospedaram na casa dele em São Paulo.  “Henfil tinha hemofilia, tinha artrose, nós ficávamos hóspedes dele no começo. Ele tinha uma fisioterapeuta que se chamava Sônia Campos. Ela veio conversar comigo e disse que o problema da minha filha não era um problema de médico essencialmente, mas deveria ser atendido por uma equipe multidisciplinar de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia”, descobriu Margarida.

Descoberta de Débora

Através de Sônia, a família de Débora conheceu a equipe de uma Clínica de Reabilitação Especializada: “ foi o nosso porto seguro”, disse. Daí em diante, a professora visitava a clínica quatro vezes no ano e teve o seu desenvolvimento estimulado em casa pelos pais.

Débora sempre estudou em escolas regulares, tinha o acompanhamento multidisciplinar na clínica e era  acompanhada de perto pela família. Além disso, foi preparada para o mercado de trabalho no programa Ação Dignidade, da Associação de Síndrome de Down do Rio Grande do Norte.

“É um programa que prepara as pessoas para inserção no mercado de trabalho. Mas a gente faz um longo percurso com eles, fazendo estágios para que eles possam fazer as suas próprias escolhas. Então, Débora trabalhou como recepcionista de eventos através desse programa por muito tempo, ela desfilou em boutique chique da cidade, e apareceu um estágio para ela numa pré-escola, e foi aí que ela descobriu que queria ser professora”, contou Margarida.

Primeira professora com Síndrome de Down

Débora cursou o magistério, estagiou com crianças numa creche na Unicamp e, ao terminar, retornou para Natal. Em 2005, começou a lecionar como professora auxiliar na Escola Doméstica. Débora Seabra tornou-se a primeira professora com síndrome de Down do Brasil e de toda a América Latina.

“Débora vem nos emocionando há anos, ela vem numa crescente de conquistas desde que terminou o magistério”, disse Frederico Seabra, seu irmão. “Acho que o exemplo de Débora serve como um recado para as famílias, para os pais, que invistam nos filhos”, acrescentou.

Margarida lembra constantemente da Associação de Síndrome de Down e divide com os outros portadores da síndrome as conquistas da sua filha. “As conquistas de Débora não são só dela, são conquistas do movimento. Ela é uma  das representantes desse movimento. E o que a gente consegue celebrar muito é que não é ela, são eles, são muitos já que estão sendo agentes da própria inclusão”, destacou.

Robério Seabra, pai de Débora, ressaltou que ela foi acolhida e que a família buscou todas as possibilidades para o seu desenvolvimento e autonomia.  “Se ela não tivesse sido aceita na família, sido incluída, e essa cadeia de inclusão que se estendeu ao longo da história da vida dela, desde a escola do ensino fundamental, e depois ser professora do magistério e a ser o que ela é hoje, uma escritora… Por mais que o outro possa parecer como uma pessoa que não é capaz de fazer alguma coisa, ele tem algo dentro dele que a gente é capaz de fazer crescer e florescer”, disse.

Débora conta histórias

A vida de Débora conta uma história de inclusão pelo acesso aos caminhos que possibilitaram o seu pleno desenvolvimento. Conta uma história de superação, pela compreensão que o preconceito existe e que pessoas sem preconceito se aproximam e se tornam amigas. Conta uma história de alguém que se dispõe a buscar para os outros aquilo que recebeu.

Mas Débora também conta histórias. A escritora lançou o livro “Débora conta histórias”, em 2013. A obra contém oito fábulas sobre inclusão, amizade, generosidade,  tolerância e construção de relações sociais. A história é para crianças, mas perfeitamente recomendável para um adulto. 

Pela história que conta com a própria vida, Débora é uma das 23 mulheres que Maurício de Sousa homenageia no projeto Donas da Rua. O quadrinista criador da famosa Turma da Mônica  transformou personalidades femininas em quadrinhos numa parceria com o projeto Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU Mulheres. A professora aparece nesta homenagem ao lado de nomes como Malala Yousafzai e Tarsila do Amaral.

Síndrome de Down

A Down Syndrome International celebra o Dia Internacional da Síndrome de Down no dia 21 de Março desde 2006. A data faz uma alusão direta à definição da síndrome: trissomia do cromossomo 21. As descobertas do  médico pediatra inglês John Langdon Down mostram que a Síndrome de Down é causada pela presença de três cromossomos 21 em grande parte das células de um indivíduo. Desta forma, desde a concepção, as pessoas com síndrome de Down têm 47 cromossomos nas células em vez de 46, número comum para a maioria das pessoas.

A síndrome é uma das ocorrências genéticas mais comuns que existem no mundo e que aponta algumas características de desenvolvimento. Mas uma pessoa portadora dela consegue ter autonomia e lugar próprio na sociedade, como Débora Seabra. O lugar que Débora Seabra alcançou na sociedade foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que a convidou para discursar no painel especial sobre o Dia Internacional da Síndrome de Down, em Nova York, em 2014.

“A inclusão começa na família e a minha família é o meu porto seguro. Eu nunca estudei em escola especial, eu só estudei em escola regular”, disse na ocasião. A fala resume dois pilares da vida de Débora Seabra, que se relacionam diretamente com a luta de sua vida atualmente. “A gente não pode desistir dos nossos próprios sonhos, porque não se pode excluir ninguém do mundo”, disse.

Confira a palestra de Débora Seabra na ONU, no Dia Internacional da Síndrome de Down, em 21 de março de 2014:

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