“A formação humana é integral, portanto a educação também deve ser integral”, afirma constantemente Miguel Arroyo. Mas o que é educação? Essa pergunta permeia qualquer pessoa, seja ela da área ou não. A etimologia da palavra vem do latim. Educare significa “criar”, “nutrir”, “fazer crescer”. Para essa palavra é geralmente dado o sentido de “trazer à luz a ideia” ou de auxiliar a criança no processo de “passar da potência ao ato, da virtualidade à realidade”.

A questão central para Miguel González Arroyo é se o processo da educação é humanizado ou não. Natural da Espanha, o educador nasceu no povoado de Sotillo de la Ribera, na província de Burgos, em 1935. No seu país de origem foi perseguido pela ditadura de Francisco Franco, um período político espanhol que durou de 1939 a 1975. Miguel Arroyo chegou ao Brasil no fim da década de 1950.

Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Arroyo é mestre em Ciência Política pela mesma instituição. É doutor em educação pela Stanford University dos Estados Unidos e pós-doutor em Ciências Humanas pela Universidad Complutense de Madrid, na Espanha.

A experiência na educação inclui sistemas educacionais, cultura escolar, gestão escolar, educação básica e currículo. Além disso, o educador acompanha propostas educativas em várias redes estaduais e municipais do país. E atualmente é professor titular emérito da Faculdade de Educação da UFMG. 

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Ensino integral

“Estamos em um tempo de pensar a formação humana integral”, disse Arroyo durante sua participação no 1º Seminário Nacional de Educação Integral em Diadema (SP) no ano passado. Assim, na ocasião explicou que a formação integral não é a mesma coisa que escolarização. Não se trata de mais tempo na escola. E criticou:

“As nossas escolas não falam em formação humana. Não se fala em processo de educação. Se fala em escolarização, letramento e em conseguir isso na idade certa de sete ou oito anos”.

O problema das escolas para o educador é justamente a falta de formação humana dos estudantes. ‘Esse é o sentido que eu defendo: o sentido de que a escola tem que se preocupar com a formação plena dos educandos, sobretudo aquelas infâncias e adolescências que a sociedade trata de maneira tão injusta, tão dura, tão cruel”. Arroyo se pergunta: “é possível garantir uma humanidade plena nessas vidas tão precarizadas?”.

Os sujeitos na formação

Miguel Arroyo aponta algumas dimensões essenciais para uma formação humana na escola integral. Um sistema integral na educação consistiria então em “formar sujeitos humanos”, pois “a condição humana é o mais sério da nossa vida”.

A primeira formação seria de sujeitos sociais, com uma formação voltada para a relação com os outros. Nesse sentido, Arroyo teceu uma crítica ao sistema de educação atual do país: “para garantir o letramento matamos a socialização”, afirmou. “Os processos de socialização tão importantes para a formação humana não existem nas escolas”, acrescentou.

Os sujeitos também são políticos, logo teria que existir uma pedagogia significativa para formá-los desde a infância para o futuro da pólis. “Somos membros da pólis e é preciso formar cidadãos aptos a viver e agir em sociedade”, contou.

Cultura, ética e identidade

A terceira dimensão da formação integral está na cultura, pois somos sujeitos culturais: “a cultura é mais radical do que o conhecimento, o único que formamos são sujeitos capazes de terem o nosso conhecimento”, argumentou o educador.  Esse conhecimento é basicamente letramento e currículos.

Para Miguel Arroyo os currículos têm que ser pensados como síntese da cultura, já que ele acredita que o conhecimento faz parte da cultura, mas a cultura é mais do que conhecimento.

“É preciso formar sujeitos culturais, sujeitos com cultura. O governo tem mais medo da cultura do que da educação. Por que será? Porque a cultura é mais radical na formação integral do ser humano do que o conhecimento”, afirmou.

As duas últimas dimensões da formação integral humana são a ética e a identidade. Desta forma, então, Arroyo destacou a necessidade dos educadores serem capazes de formar sujeitos éticos, “uma das formações mais fundamentais da formação humana”.   

A condição humana da ética também se apresenta na identidade, na formação dos sujeitos identitários de acordo com as especificidades de raça e classe, por exemplo. “Mais de 80% das crianças, adolescentes, jovens e adultos das escolas são negros. Para resistir ao racismo estrutural, temos que formar os estudantes em suas identidades de raça”, disse.

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Formadores de humanos

Foto: Miguel Arroyo/Facebook

Quando esquecemos que trabalhamos com humanos, esquecemos da nossa humanidade”. O educador resumiu a atual educação brasileira nesta frase. O início para uma formação humana integral está na formação humana dos educadores. “Precisamos reinventar a humana docência ou não reinventaremos a formação humana integral”, apontou o caminho.

Miguel Arroyo também apontou a necessidade de conhecer o contexto histórico, social e político do país. Esse contexto aponta para os processos em que as crianças, adolescentes, jovens e adultos estão sendo ensinados. “Temos que recuperar a pluralidade das dimensões da formação humana, recuperar os nossos formadores de humanos, recuperar o humanismo pedagógico”.

A primeira entre todas as dimensões da formação integral é aquilo que de fato é educação: a formação humana. Assim, então, para atingir a educação integral, Miguel Arroyo clama pelo resgate da humana docência, dos processos plurais e do humanismo pedagógico.  “Não há humanismo escolar”, ressaltou sobre as escolas do país. “E isso é reduzir o processo de formação do ser humano a processos regulares de escolarização”, finalizou.

O legado – Escola Plural

Miguel González Arroyo é professor titular emérito da Faculdade de Educação da UFMG. Em 1990, foi secretário-adjunto de Educação da prefeitura de Belo Horizonte e implementou um modelo de escola inclusiva na rede municipal voltada para o  ritmo de aprendizagem dos alunos. O projeto foi considerado inovador e um modelo de educação democrática: a Escola Plural.

O programa é o seu principal legado para a educação. Pois a Escola Plural de Belo Horizonte engajou programas semelhantes em diversas redes de ensino municipais, estaduais e do Distrito Federal. Shirley Miranda, professora da faculdade de Educação da UFMG, contou que Miguel Arroyo é uma referência da educação como um direito.

“O legado de Miguel Arroyo é nos impulsionar sempre a repensar a educação, a entender a dinâmica das lutas sociais, entender aquilo que se coloca como hierarquias e opressões e caminhar no sentido de entender como a educação pode superar ou colaborar na superação dessas opressões”.

A docente é uma das organizadoras do livro “Miguel González Arroyo – Educador em diálogo com nosso tempo”, que reúne diversas pesquisas e textos do educador. 

Obras publicadas

O legado de Miguel Arroyo, uma personalidade da educação brasileira, também está presente em seus livros. 

Ele é autor de ‘Educador em diálogo com nosso tempo’ (2011), ‘Currículo, território em disputa’ (2014), ‘Vidas, outros sujeitos, outras pedagogias’ (2017), ‘Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres’ (2017) e ‘Ameaçadas exigências – respostas éticas da educação e da docência’ (2019).

Além disso, organizou as obras ‘Da escola carente à escola possível’ (Loyola) e ‘A reconfiguração da escola: entre a negação e a afirmação de direitos’ (2014).  E é coautor de ‘Currículo: Políticas e práticas’ (Papirus) e de ‘Para além do fracasso escolar’ (Papirus). 

*Este conteúdo está alinhado aos Obejtivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.

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