Em 27 de maio de 1560, o padre José de Anchieta, missionário da Companhia de Jesus, assinou o documento Carta de São Vicente, com a primeira descrição da riqueza da biodiversidade da Mata Atlântica. É com base na descrição maravilhada do sacerdote sobre a grandiosidade da floresta e das diversas formas de vida que ele encontrou naquele ambiente, que se celebra no mesmo 27 maio, o Dia Nacional da Mata Atlântica.

Augusto Lima da Silveira, doutor em Ecologia e Conservação, afirmou que a ocupação que se seguiu na região da Mata Atlântica aconteceu de forma desordenada. E é por causa dessa falta de ordem que houve na ocupação do território e no uso dos recursos ali existentes, que existe uma data anual para reflexão a respeito do futuro da Mata Atlântica.

“A reflexão começa a partir do conhecimento”, argumentou Silveira. Para o professor, é necessário que a sociedade tenha consciência dos dados de como está a questão da Mata Atlântica. Pois, segundo enfatizou Silveira, sem informações reais as pessoas acham que está tudo bem com a floresta e, então, nada é feito por ela. “A partir do momento que a sociedade tem acesso a essas informações e a educação de qualidade, as pessoas vão ver o cenário preocupante que nós estamos e aí sim vamos ter políticas mais efetivas”, disse. 

Augusto, que é professor do Centro Universitário Internacional (UNINTER), exemplificou a importância das pessoas terem conhecimento da necessidade da conservação da floresta. “Na área ambiental, grande parte das políticas que são mais efetivas são aquelas tomadas de forma coletiva. Mas só existe a coletividade quando todas as pessoas estão imbuídas em relação a um sentido ou objetivo e quando todas elas sabem um pouco dos desafios que temos pela frente.     

Mata Atlântica 

Augusto Lima da Silveira, doutor em Ecologia e Conservação e professor do Centro Universitário Internacional
Augusto Lima da Silveira, doutor em Ecologia e Conservação e professor do Centro Universitário Internacional (Foto: Rodrigo Leal)

A Mata Atlântica é um dos seis biomas brasileiros e se estende ao longo de 17 estados. Junto a ela, a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado, o Pampa e o Pantanal distinguem as regiões do nosso país “continental” por características distintas dentro do território. Essas características possuem relação com os tipos de vegetação e a fauna, por exemplo.

Em seu artigoA importância da conservação da Mata Atlântica”, o professor afirma que “biodiversidade” é a palavra que melhor representa a grandiosidade da Mata Atlântica. Ela é considerada a segunda maior floresta tropical do Brasil, só perde para a Amazônia. Assim, a região da Mata Atlântica abriga atualmente cerca de 72% da população brasileira. Sua área foi uma das primeiras ocupadas no país, no entanto, Silveira ressaltou que essa ocupação na época ocorreu de forma bastante desordenada. 

“Não existia até então um plano de urbanização. Por exemplo, no Plano Diretor municipal a gente determina onde tem que ter áreas de preservação. E onde as indústrias vão se instalar, onde vai ser área residencial e isso não aconteceu. Então, a gente foi ocupando essas áreas de uma forma bastante irregular. E a questão da Mata Atlântica também é muito ameaçada pela expansão do agronegócio predatório”, disse.

Nos resta 10% 

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Foto: Nossos Biomas/TV Brasil

Por causa de sua enorme riqueza, desde o período da colonização existem diversos interesses nas áreas de Mata Atlântica. O professor Augusto Lima da Silveira afirmou que estimativas apontam que 80% do PIB nacional é produzido em áreas que originalmente estavam ocupadas pela floresta. 

Este aspecto faz com que a conservação do bioma esteja em contraponto com os interesses econômicos. Já existe um agronegócio que considera a sustentabilidade e que alia produção e ganhos aos aspectos ambientais, econômicos e humanos. No entanto, Silveira destacou que ainda existe também um tipo de agricultura que é bastante predatória. 

“É aquela[agricultura] que vai se expandir e cultivar  sementes que são de interesse para exportação, basicamente. E é uma rentabilidade que fica nas mãos de poucas pessoas que dominam esses meios de produção, exportam essas sementes e tem essa lucratividade. Então, o que sobra para os brasileiros é a devastação da floresta, a diminuição da biodiversidade, todas as doenças que podem surgir a partir desse processo de degradação da floresta e o desmatamento”, afirmou.

Como resultado de todo o processo irregular de ocupação ao longo da história do país, o bioma Mata Atlântica está atualmente ameaçado. Silveira afirmou que a floresta está bastante fragmentada, houve perda de biodiversidade e temos atualmente apenas 10% da área que era originalmente ocupada pela Mata Atlântica.

“Na avaliação feita por entidades como a SOS Mata Atlântica, por exemplo, esses 10% são áreas de preservação normalmente protegidas por lei. Então esses 10% ainda permanecem graças ao esforço de muitas entidades e de institutos de pesquisas que mantêm a biodiversidade neste local. Por isso é importante pensar sobre a questão da fragmentação da floresta, porque a gente precisa de um ecossistema que seja integrado, que consiga ter biodiversidade e que as espécies se movimentem”, destacou Silveira.

Serviços ecossistêmicos

Água
Com risco de escassez de água, parlamentares propõem combate ao desperdício (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

A natureza fornece os serviços ecossistêmicos essenciais para a sobrevivência humana. E tudo isso gratuitamente. O especialista em Ecologia e Conservação, Augusto Lima da Silveira, destacou entre esses serviços um ar limpo para respirarmos, a disponibilidade de chuvas, ou seja, nossa fonte de recursos hídricos, e a regulação climática.

Como parte do processo de urbanização na região da Mata Atlântica, outras necessidades básicas associadas à vida humana também surgiram com o tempo, como a produção de comida, acesso a água, vestuário, transporte, entre muitos outros. Para Silveira, faltou cautela na ocupação e desenvolvimento das atividades humanas no território, o que prejudicou a biodiversidade da Mata Atlântica. E agora, ressaltou ele, isso pode afetar o futuro da própria vida humana.

“A existência desse bioma é muito importante para a manutenção da nossa vida. Ele é importante na questão climática, no fornecimento de alimentos, na polinização, na questão da produção e também na disponibilização de uma água pura para a gente beber e de um ar limpo, então tudo isso afeta diretamente nossa vida”.

Além dos aspectos diretamente ligados à nossa existência, Silveira destacou ainda  “questões indiretas” da remoção da floresta. Uma das principais está relacionada com a saúde pública.

“Grande parte das doenças às quais estaríamos expostos ficam retidas dentro da biodiversidade da floresta, então muitas espécies elas servem como reservatórios de alguns vírus. Se nós removemos a floresta, estamos nos expondo ainda mais a vírus que a gente nunca teve contato antes. E se a gente não teve contato antes com esses vírus e bactérias, nós também não temos defesas necessárias o suficiente para conseguir ficar bem e ter saúde”, apontou.

Conservação

Mata atlântica (Tomaz Silva / Agência Brasil)
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O professor da UNINTER, Augusto Lima da Silveira, apontou em seu artigo que o cenário é “assustador”, mas que ele deve “nos impulsionar na busca por soluções para a conservação da floresta”. Assim, ele apontou a necessidade de construir estratégias para manter o bioma, com áreas de preservação, conservação e uso sustentável dos recursos. E ainda, restabelecer áreas cobertas pela floresta anteriormente.

“Hoje, a característica principal da Mata Atlântica é a fragmentação, mas temos remanescentes dessa Mata Atlântica em alguns estados brasileiros ainda, graças a áreas de preservação. Então, o grande desafio que temos é conseguir manter áreas disponíveis para atender às nossas necessidades básicas, mas também manter áreas de conservação para que essa biodiversidade seja o suficiente para manter aqueles serviços ecossistêmicos que a gente também precisa tanto”, contou.

Silveira destacou que muitas espécies habitam na Mata Atlântica  precisam de uma grande área para sua existência, como a caça. Assim, ele apontou que quanto mais fragmentada é a floresta, mas a sobrevivência dessas espécies fica diretamente afetada. Além disso, o professor frisou a importância da fauna que contribui diretamente para a alimentação humana.  

“Muitas espécies polinizadoras vêm da Mata Atlântica, então grande parte dos alimentos que temos hoje em nossa mesa estão associados diretamente ao processo de polinização por abelhas, beija-flor, outras aves, morcegos e diversos outros insetos polinizadores que tem origem e o seu habitat dentro da Mata Atlântica”, contou.

Desmatamento

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Desmatamento. (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

O professor Silveira avaliou que a fragmentação do bioma não é um problema apenas da Mata Atlântica, mas que se aplica também aos outros biomas brasileiros, como o caso do Cerrado. Assim, o principal dano da fragmentação dos biomas é a perda da biodiversidade, no entanto, o que leva a essa fragmentação é, principalmente, o desmatamento.  

Silveira ressaltou que o maior problema da fragmentação da Mata Atlântica, especificamente, tem o efeito da pecuária e da agropecuária predatória. Entretanto, o professor analisou que o grande desafio para a conservação da Mata Atlântica é o aumento populacional na região da floresta, onde já habitam 72% da população brasileira e a estimativa aponta para um aumento de 160% nesta população até 2030.

“Quando se fala em sustentabilidade é o equilíbrio de três fatores essenciais que é o ambiental, o social e o econômico”, pontuou. Por isso, Silveira afirmou que “é preciso pensar nos impactos, como o aumento na quantidade de esgoto e demanda por água tratada”. 

Mudanças climáticas

Mudanças climáticas
Mudanças climáticas (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Outro impacto importante da conservação da Mata Atlântica é a questão climática. Augusto explicou que áreas de floresta como a da Mata Atlântica servem como sumidouros de carbono, também conhecidos como depósitos naturais.

“A maior parte do CO2 produzido pela nossa respiração e nos processos de combustão são absorvidos pela floresta. Daí a floresta também tem esse papel de regulação climática e controle da umidade”, disse.

Por mais esse e demais motivos associados à permanência humana no território e desenvolvimento de suas atividades, Augusto Lima da Silveira destacou que não devemos pensar apenas nas questões econômicas, mas associá-las ao uso sustentável dos recursos do planeta.

“O grande desafio que a gente tem pelos próximos anos é conciliar todos os interesses que estão envolvidos, pois no final das contas acaba predominando sempre a questão econômica. Mas a gente precisa pensar até quando a questão econômica será suficiente, porque vai chegar o momento que se não tivermos floresta a gente não vai ter uma água limpa, não vai ter um ar puro para respirar. Então a gente vai afetar também a questão econômica”, finalizou. 

Esta reportagem contempla os Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU – ODS 11, por Cidades e Comunidades Sustentáveis; ODS 12, por Consumo e Produção Responsáveis e o ODS 13, por Ação Contra a Mudança Global do Clima.

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