Em tempos de hegemonias de Juventus (Itália), Bayern (Alemanha) e Paris Saint-Germain (França), além das dualidades Real Madrid x Barcelona (Espanha), Liverpool x Manchester City (Inglaterra) e Porto x Benfica (Portugal), um clube novato na Liga dos Campeões e que nunca conquistou a primeira divisão nacional tem dado o que falar no futebol europeu. De Bérgamo para Lisboa, a Atalanta vive o grande momento da sua história.

Uma história já muito rica, mas que agora tem a oportunidade de algo inédito. Nesta temporada, poucos times fizeram tantos gols quando a equipe de Gian Piero Gasperini, que já marcou 98 gols no Campeonato Italiano, um na Copa da Itália e 16 na Liga dos Campeões. Ao todo, foram 115 em 46 partidas. Na Europa, apenas Bayern (143 gols em 48 jogos), Manchester City (142 em 57), Liverpool (117 em 57) fizeram melhor. Além do mais, são 19 jogos de invencibilidade – a última derrota aconteceu em 20 de janeiro.

A Atalanta, por outro lado, tem essa média com a 12º maior folha salarial da Serie A, com um gasto bruto e anual de cerca de 36 milhões de euros. Em campo, contudo, o clube terminou na quarta colocação na temporada 2016-17 e na terceira em 2018-19, posição que repete em 2019-20, ainda com uma rodada para jogar. Vice-campeão da Copa da Itália em 2019, na sua primeira participação na Liga dos Campeões já está nas quartas de final, depois de deixar para trás o Valencia com uma vitória no agregado de 8 a 4.

O auge do clube também é compartilhado por seus jogadores, como Rafael Tolói. Em entrevista exclusiva ao repórter André Rodrigues, da Sagres 730, o zagueiro de 29, revelado pelo Goiás, falou sobre como acredita estar no melhor momento da sua carreira. Vice-capitão da Atalanta e há cinco temporadas em Bérgamo, já com 165 partidas disputadas, o brasileiro é uma das referências do time que mais surpreende a Europa.

“Estamos em um momento fantástico por tudo que estamos vivendo, mas isso não é de agora. A Atalanta ganhou um conhecimento internacional maior agora, obviamente porque está participando da Champions League, mas aqui na Itália o time já vem há quatro anos conquistando resultados positivos. É um clube muito bem organizado, com uma estrutura muito boa e que merece ter esses resultados que vem tendo nos últimos anos. Com esse pensamento e essa mentalidade, as coisas podem melhorar ainda mais”, destacou.

Comandante e companheiros

Questionado sobre o trabalho do seu treinador, Gian Piero Gasperini, desde 2016 no clube, período que corresponde com o crescimento da equipe, Rafael Tolói afirmou que “é um grandíssimo treinador e tem uma forma de jogar muito bacana que tive a sorte de trabalhar, porque a característica como ele exige que os defensores joguem e como a equipe jogue ressaltou ainda mais as minhas qualidades”.

Gian Piero Gasperini e Rafael Tolói, da Atalanta (Foto: Divulgação/Uefa)

Tradicionalmente postado como zagueiro lateral pela direita em sistemas com três jogadores na primeira linha, entre 3-4-1-2 e 3-4-3, “sempre tenho a liberdade de sair para o jogo e participar das jogadas, e nisso sempre me senti muito à vontade”. Nesta temporada, inclusive, o jogador ex-Goiás é um dos defensores com maior número de participações diretas em gols na Serie A: já foram dois gols e seis assistências em 32 partidas na liga.

Além do mais, “o Gasperini exige muito dos atletas e o treino é muito pesado, só que depois no campo vemos a diferença. Além de toda a qualidade que a nossa equipe tem, a parte física é um grande ponto positivo. Aqui, por exemplo, tem o Papu Gómez, que realmente é diferenciado, um jogador tecnicamente de alto nível e que tem uma grande força física também – ele é ‘baixinho’, mas tem uma força na perna que faz a diferença”.

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Se o argentino Papu Gómez é o líder de assistências da Serie A, com 16 passes decisivos, o esloveno Josip Iličić é o artilheiro do time na temporada, com 21 gols. Para Tolói, é ele o “fora do normal”, com “uma qualidade incrível com a bola, dificilmente você toma dele. Se ver ele no dia a dia, não fala que é um jogador de futebol, porque tem 1,92 metro e é ‘magrelo’, mas é fantástico e um grande jogador. Espero que se recupere (de problema no tornozelo) e possa voltar o quanto antes para nos ajudar”.

Liga dos Campeões

Entre os recordes no Campeonato Italiano, também já com a maior pontuação da história do clube (78 em 37 jogos) e a classificação garantida na Liga dos Campeões com cinco rodadas de antecedência, a Atalanta se prepara para o seu maior desafio: o jogo contra o Paris Saint-Germain pelas quartas de final da Liga dos Campeões no dia 12 de agosto, em Lisboa. Com as partidas em campo neutro e em jogo único, os bergamascos têm uma rara chance de seguir quebrando barreiras.

Para Rafael Tolói, “é realmente fantástico chegar às quartas de finais da Champions League e enfrentar o Paris Saint-Germain, que é uma equipe muito forte e formada para vencer a competição. Com certeza, eles são os favoritos, mas chegamos para fazer o nosso melhor e um grande jogo. Uma das características da nossa equipe é que, independentemente do adversário, não mudamos a nossa forma de jogar”.

A Atalanta se notabilizou com um sistema de marcação individual muito forte e por pressão, que busca retomar a bola o mais breve e próximo do gol possível. Com a posse, o time de Gasperini tem bastante liberdade para circular e buscar triangulações através de jogadas laterais, com os avanços dos zagueiros com a bola, os alas com um posicionamento bastante avançado e protagonismo para Gómez e Iličić na criação de oportunidades.

“Será um jogo difícil, mas estamos muito felizes de poder jogar partidas desse nível, assim como foram as outras anteriores. Sabemos da dificuldades, mas estamos preparados para fazer um bom jogo e, quem sabe, até avançar para a próxima fase”, frisou Tolói, que enfrentará um adversário que “em todas as posições tem jogadores de altíssimo nível”. Se não terá Kylian Mbappé, por causa de uma lesão no tornozelo, ainda conta com gente do calibre de Neymar, Ángel di María e Mauro Icardi.

O defensor brasileiro reforçou que “é difícil ter uma forma de pará-los: é jogando junto e unido, defendendo todo mundo e, quando tiver a bola, não deixar de jogar, porque contra jogadores desse nível temos que evitar ao máximo que eles fiquem com a bola no pé. Estamos nos preparando bem, primeiro focados em terminar o Campeonato Italiano e depois teremos oito dias para trabalhar focado no PSG” – na verdade, serão 11 dias após o jogo contra a Inter, pela 38ª e última rodada da Serie A, no dia 1º de agosto.

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Questionado sobre sonhar com uma final, Tolói ressaltou que “chegamos até aqui com muita luta, dedicação e jogando um bom futebol. Nesse momento, só tem time grande e praticamente montados para vencer a Champions, mas seguiremos com os pés no chão e o importante é não deixar de ser e fazer o que o nosso time vem fazendo. Se chegamos até aqui, significa que podemos ir mais avante. Obviamente não é fácil, mas vamos trabalhar focados e determinados para fazer um grande jogo”.

Futuro

Em meio ao objetivo de um dia retornar ao Goiás, e hoje na sua sexta temporada na Itália, a quinta pelo atual clube, o defensor de 29 anos destacou que “tenho mais três anos de contrato com a Atalanta. Na verdade, são dois anos e eles têm a opção de renovar mais um automaticamente. Como já conquistamos a vaga para a próxima Champions League, não tenho o pensamento de sair. Obviamente surgem algumas especulações, mas nesse momento não penso nisso.

“Estou feliz aqui e, o mais importante, tenho um carinho e respeito muito grande das pessoas, dos torcedores e no clube também, e eu por eles também. Vivo muito feliz aqui com a minha família, mas sabemos que no futebol as coisas acontecem muito rápido. Tenho muita vontade de continuar jogando essa competição (Liga dos Campeões), que exige um alto nível de concentração e de preparação, mas é fantástico e a realização de um sonho para mim”, revelou.

Efeitos da pandemia

Não só de alegrias viveu Bérgamo nos últimos meses. Epicentro do novo coronavírus na Itália em março, as imagens de caminhões militares transportando corpos para crematórios de outras cidades, porque o sistema funerário da cidade, assim como o sistema sanitário, entrou em colapso, chocaram o mundo e alertaram para o real perigo da covid-19. Por isso, a Atalanta surge como motivo de superação para os bergamascos.

“Foi um momento muito difícil. Quando tudo começou aqui na Itália, a região de Bérgamo foi uma das mais afetadas com a pandemia e sofremos muito – a minha família, com os meus pais no Brasil, e não sabíamos muito a gravidade no início. Vimos alguns casos, mas não imaginávamos que se tornaria o que se se tornou tão rápido aqui em Bérgamo. A cidade sofreu muito e perdemos muitas pessoas, e tenho amigos que perderam familiares aqui, infelizmente é muito triste”, relatou Rafael Tolói.

Dessa forma, “o clube e nós mesmos atletas tomamos isso até para ter como objetivo de voltar bem e poder dar um pouco de alegria para todos os bergamascos, que perderam tantas pessoas. A torcida aqui é muito fanática, então foi uma forma de dar um pouco mais de felicidade para eles nesse momento difícil. Ficamos muito felizes de ter retornado depois da pandemia muito bem, então esperamos continuar assim por nós e também por eles”.

Por outro lado, a torcida precisa manter distância do Gewiss Stadium, que, inclusive, passa por um amplo trabalho de reestruturação – em virtude disso, o time anteriormente na Liga dos Campeões em Milão, a 40 quilômetros de Bérgamo, no estádio de San Siro. Segundo Tolói, “é muito difícil e diferente. Você tem que ter um nível de concentração ainda maior, porque não tem a tensão de jogar com o estádio lotado – quando você entra em um estádio lotado, na hora já sente aquela pressão e isso te faz se concentrar ainda mais rápido”.

“Principalmente nos primeiros jogos, parecia que era um treinamento, então exige um nível de concentração maior ainda, porque a possibilidade de cometer erros acredito que seja maior. E futebol sem a torcida não é a mesma coisa: precisamos dos nossos torcedores no estádio e isso faz parte do espetáculo. Mas também acredito que foi uma medida justa a ser tomada. Se devemos fazer o isolamento social, então é correto fechar os estádios e esperar que as coisas melhores para que, devagar, tudo volte ao normal”, ponderou.