O governador de Goiás José Eliton e o prefeito de Goiânia Iris Rezende (Foto: Divulgação)

A exploração da saúde pública sempre rendeu votos – agora rende até audiência para programas jornalísticos de TV, mas isso é outra história. Explica-se: exploração da tragédia da população mal assistida na via-sacra pelas unidades básicas de saúde e não necessariamente da busca pela eficiência da gestão por fazer um enfrentamento produtivo dos inúmeros problemas do Sistema Único de Saúde (SUS). É fácil e rende popularidade expor a tragédia de Josés e Marias. Difícil é encontrar saídas duradouras, de implantação de longo prazo, mas que não rendem audiência nem popularidade.

A saúde pública, como sempre, virou a bola da vez do debate político-eleitoral em Goiás. Exatamente porque o problema não é novo e porque raramente foi enfrentado sem o viés político, eleitoral, ideológico e populista. A pesquisa Serpes/O Popular divulgada em 10 de abril apenas oficializou o que já era de todos sabido: 53% dos goianos consideram a saúde o maior problema do Estado, à frente inclusive do tema que dominou o debate eleitoral de 2016, a segurança pública.

A manifestação do eleitor foi cristalina, tal qual a precariedade das unidades de saúde: de total insatisfação com a baixa qualidade do serviço prestado. Já a interpretação dessa insatisfação varia de acordo com o agente político. A oposição ao governo do Estado, representada pelos pré-candidatos Ronaldo Caiado (DEM) e Daniel Vilela (PMDB), correu para responsabilizar o Estado, afinal a pesquisa Serpes retrata a opinião dos goianos em geral e não apenas a dos goianienses.

O ex-governador Marconi Perillo (PSDB) foi à Câmara de Goiânia em 20 de abril para responsabilizar a prefeitura de Goiânia e a secretária Municipal de Saúde Fátima Mrué, alvo predileto dos vereadores da Comissão Especial de Investigação (CEI) da Saúde, e para salvar o discurso de seu governo, difundido inclusive com auxílio de vasta propaganda oficial, segundo o qual resolveu os problemas da rede estadual de saúde com terceirização dos hospitais para organizações sociais.

Nesta sexta-feira (27) foi a vez do prefeito Iris Rezende (MDB) utilizar-se do mesmo recurso, o palanque da CEI na Câmara, para defender sua secretária e suas ações de reorganização da rede e para reclamar da falta de atuação do governo na regulação do sistema no interior, entre outras cobranças. Isso, enquanto uma propaganda da prefeitura na TV fala maravilhas da saúde municipal, como se duvidasse da inteligência do público.

Em meio à polêmica, o governador José Éliton lançou com estardalhaço midiático um terceiro turno para exames e cirurgias eletivas nos hospitais públicos com o nome de Mais Saúde, como se fosse apenas um complemento em um serviço que vai bem, obrigado. Tudo isso entremeado com críticas do secretário Estadual, Leonardo Vilela, que reclama também da regulação feita pela prefeitura. O governo agora ameaça encaminhar projeto de lei à Assembleia Legislativa para tomar do município a regulação de seus hospitais. Na quinta-feira (26) o governador visitou o prefeito Iris no Paço Municipal e propôs um armistício. Só não se sabe ainda como isso vai ser na prática.

Há que se acrescentar a esse cenário explosivo os vereadores da CEI da Saúde, que há muito transformaram uma relevante investigação sobre as causas de inúmeros problemas do setor em um palanque político em que já teve até mesmo pedido de prisão da secretária de Saúde. Em um momento que a sanha de punição grassa país afora, até vereador se acha com poder de mandar prender e soltar.

Quem tem razão nessa história toda? Todos e ninguém. Explica-se.

O SUS comemora 30 anos em 2018 como o maior sistema de saúde do mundo. Ele universalizou o atendimento de saúde e, certamente, é um dos legados mais positivos da Constituição de 1988. Faz parte de sua gênese ser um serviço tripartite. A saúde pública no Brasil é uma atribuição da União, dos Estados e dos municípios, seja na sua organização, na gestão e no financiamento.

A prestação de serviço nas unidades básicas de Goiânia é competência da prefeitura de Goiânia. Se algo vai muito mal na ponta a responsabilidade é do prefeito e, claro, da sua equipe de saúde. Sua má gestão pode e deve ser cobrada do prefeito. O mesmo pode se dizer de todos os municípios e de seus respectivos prefeitos. Por ser capital e concentrar uma rede grande de profissionais e de centros de atendimento de ponta, Goiânia também é polo de atração de pacientes de várias localidades, daí não consegue, sozinho, resolver toda a demanda que bate a sua porta.

Precisa de apoio de complexos regionais reguladores, ou seja, de uma estrutura que receba o paciente, faça a triagem e o encaminhe para unidades apropriadas de atendimento. Atualmente, os doentes vêm de ambulância direto para os Cais de Goiânia. Depois que o Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo) passou a receber apenas pacientes com traumas a cidade ficou sem um hospital público para emergências clínicas, como enfartos, AVCs, doenças respiratórias graves etc. Todos esses casos vão para os Cais que não têm resolutividade para atendê-los. Se de um lado o Hugo terceirizado oferece serviço mais eficiente ao paciente de trauma, de outro ele deixou uma gama deles sem atendimento.

Como se vê por esse breve relato, os problemas da saúde são muito mais complexos do que o discurso político-eleitoral, tanto de membros da oposição ou de governistas. Na saúde não cabem improvisações. Nem o populismo do prefeito Iris Rezende, que voltou a repetir na CEI que a saúde de Goiânia será “modelo para o Brasil em 60 dias”, nem autoritarismo do governo de querer passar por cima da lei federal que regulamenta o SUS e legislar por conta própria como será a regulação dos hospitais regionais.

O que precisa é a de interlocução entre União, Estado e municípios e, para isso, os políticos precisam de desprendimento e compromisso histórico com a população e não com suas próprias carreiras eleitorais. Estado e prefeitura de Goiânia, com participação de vereadores que se dizem tão interessados na solução da crise, precisam se reunir em uma comissão tripartite para enfrentar o problema. C

Claro, isso não dará resultado de curto prazo para a próxima eleição, mas efetivamente ajudará a salvar vidas e a melhorar a qualidade da saúde para o eleitor, esse João Bobo que os políticos jogam de um lado para outro sem complacência ou nenhum resquício de humanidade. O pior para a saúde são soluções isoladas e salvacionistas.