FELIPE BÄCHTOLD
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os discursos e justificativas do ex-presidente Lula (PT) acerca dos dois principais escândalos dos governos petistas, o mensalão e o petrolão, se ajustaram ao longo dos anos e tiveram tons diversos de acordo com o momento político vivido.
Houve uma oscilação do petista entre uma negativa mais explícita de que tenha havido desvios em seus governos até um tom moderado de admitir problemas, sempre com a ressalva de que não sabia dos ilícitos que ocorriam.
No caso do mensalão, chegou a haver um pedido público de desculpas no auge da crise, em agosto de 2005.
No último dia 25, em entrevista ao Jornal Nacional marcada por acenos ao eleitorado de centro, o ex-presidente foi questionado sobre os dois temas. Sobre o mais recente, disse que não há como negar que tenha havido corrupção se os envolvidos no esquema confessaram.
Em relação ao caso nos anos 2000, desconversou e rebateu com uma comparação dos valores envolvidos com as emendas de relator do Orçamento pagas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).
São novas abordagens para duas vidraças que afetam as candidaturas petistas há várias eleições presidenciais.
O mensalão foi um esquema ilegal de financiamento político voltado a corromper parlamentares e garantir apoio ao PT no primeiro mandato do então presidente (2003-2006). Foi revelado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) em entrevista à Folha.
Naquela época, Lula, primeiramente, insinuou em uma entrevista em Paris que o caixa dois eleitoral era disseminado entre partidos no país. “O que o PT fez, do ponto de vista eleitoral, é o que é feito no Brasil sistematicamente.”
Semanas depois, pressionado, fez um pronunciamento ao lado de ministros dizendo que estava indignado com as “revelações que chocam o país”. A declaração foi dada após seu à época marqueteiro, Duda Mendonça, afirmar em CPI que havia recebido pagamento do PT via caixa dois no exterior.
“Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento”, disse Lula na ocasião.
Com sua reeleição ameaçada pelo caso, adotou um discurso de que o PT havia errado, mas sem apontar um culpado específico.
Com o passar dos anos, mudou o tom. Em 2010, ainda como presidente, classificou a crise política vivida como uma “tentativa de golpe”.
O Supremo concluiu o julgamento do mensalão em 2013, condenando 25 pessoas, incluindo o ex-ministro José Dirceu, coordenador da vitoriosa campanha de 2002. Entre os condenados, também estavam dois líderes de partidos hoje ligados ao bolsonarismo: Jefferson, do PTB, e Valdemar Costa Neto (PL).
Após deixar o cargo, com as condenações de correligionários confirmadas no STF, Lula passou a dizer que foi julgado nas urnas, com a vitória de Dilma Rousseff na eleição de 2010.
Em 2018, em entrevista publicada no livro “A Verdade Vencerá”, foi além: “Na verdade, nunca acreditei na história do mensalão. Essa foi a grande descoberta do século 21: de como a mídia poderia ser utilizada para criminalizar as pessoas antes da Justiça. A mídia tomou a decisão de, ao invés de esperar a Justiça criminalizar, transformar alguns líderes do PT em bandidos”.
No caso das descobertas da Lava Jato, Lula e seus apoiadores ganharam mais fôlego para contestar a operação em 2021, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou sentenças e declarou que o ex-juiz Sergio Moro agiu de modo parcial contra o ex-presidente.
Para além das acusações contra ele, de que empreiteiras reformaram um sítio e um tríplex, a tese de autoridades da Operação Lava Jato, repetida em documentos judiciais até hoje, inclusive do Supremo, é a de que existia um cartel de construtoras na Petrobras no qual havia o pagamento de propina, sendo parte destinada aos partidos aos quais os então diretores da estatal eram ligados -PT, PP e MDB.
No fim de 2021, a companhia afirmou que o total recuperado em virtude de acordos de colaboração, leniência e repatriações da Lava Jato era de R$ 6,17 bilhões.
Em depoimentos prestados na operação, Lula afirmava que o presidente da República não tinha contato direto com os executivos de segundo escalão. Sobre as indicações dos diretores, dizia que os nomes eram definidos em acordos políticos que envolviam bancadas parlamentares, ministros e análises de órgãos internos.
Disse que, se tivesse conhecimento de pagamento de propina, os agentes da Petrobras e do PT teriam sido presos bem antes. Frisava que nem a polícia, nem o Ministério Público, nem a imprensa haviam divulgado suspeitas de irregularidades na companhia anteriormente e que não tinham como saber.
“Nenhum presidente da República se mete com obras específicas da Petrobras”, disse ele, em depoimento em 2018, quando estava preso.
Lula ficou preso por 580 dias, entre 2018 e 2019, em decorrência de condenação expedida pelo ex-juiz Moro no caso tríplex. Foi solto quando o Supremo passou a barrar a prisão de réus condenados em segunda instância e pôde aguardar a análise de recursos em liberdade.
Em março de 2021, teve sentenças anuladas. Antes disso, a revelação de diálogos de autoridades da operação no aplicativo Telegram, pelo site The Intercept Brasil e outros veículos, como a Folha, acirrou mais o discurso de Lula e de petistas contra a Lava Jato. As conversas mostraram, entre pontos, colaboração entre o então juiz Moro e os procuradores responsáveis pelas acusações.
Lula e seus advogados passaram a questionar com frequência a relação entre os investigadores da Lava Jato com o Departamento de Justiça do governo dos Estados Unidos.
“Cada dia surgem mais provas da interferência americana por interesses no petróleo brasileiro”, dizia vídeo divulgado em 2020 pelo ex-presidente em redes sociais.
Em viagem ao México neste ano e em outras situações, Lula afirmou que a descoberta do pré-sal, em seu governo, esteve por trás do impeachment de Dilma, em 2016, e da cassação de sua candidatura à Presidência em 2018.
Em 2021, o PT lançou um livro chamado “Memorial da Verdade”, acerca da Lava Jato, composto por uma espécie de manual de campanha para a militância.
A peça afirmava que não houve corrupção sistêmica na Petrobras, nem superfaturamento em contratos, contrariando o que afirmam o TCU (Tribunal de Contas da União) e a própria estatal.
Em coletiva em Brasília, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que “não houve desvio da Petrobras”.
Sobre os ex-diretores que tiveram bloqueadas contas no exterior usadas para receber propina, afirmou: “Quem praticou ilícitos e se autoincriminou que responda seus processos”.
“É muito engraçado dizer que na nossa época a Petrobras era um antro de corrupção. Mas, na nossa época, a gasolina era barata”, afirmou a deputada federal na ocasião.
Era um tom distinto também do adotado pelo então presidenciável petista de 2018, Fernando Haddad, que havia assumido a candidatura com a cassação do registro de Lula na Justiça Eleitoral.
Com o PT sob pressão nas pesquisas na campanha, Haddad chegou a ensaiar um discurso reconhecendo problemas.
Disse que faltou controle na Petrobras e que Moro tinha feito “um bom trabalho”, ainda que tivesse errado na condenação de Lula.
Aliados de Lula afirmam que hoje, após vitórias na Justiça, ele se sente mais confortável para falar sobre o caso.
Durante a tramitação dos processos, o petista se esquivava por orientação de seus advogados. Qualquer reconhecimento de desvios na Petrobras, argumentam, poderia ser erroneamente interpretado como uma confissão –o que contrariaria a estratégia de defesa.
Sobre a entrevista ao Jornal Nacional, afirmam que o fato de o apresentador William Bonner ter dito que Lula nada deve à Justiça favoreceu o diálogo.
Colaboradores do ex-presidente tentam minimizar, porém, a ideia de que Lula tenha mudado o discurso por conveniência eleitoral, argumentando que o reconhecimento de desvios de diretores da Petrobras já constava no livro “Memorial da Verdade”.
O comando da campanha de Lula não pretende levar a corrupção ao programa eleitoral. Como uma espécie de vacina, o tema será abordado em inserções exibidas ao longo da programação de rádio e TV. “A verdade apareceu: Lula venceu todos os processos e foi reconhecido no mundo inteiro, até pela ONU”, diz a peça.
O PT decidiu levar ao ar, também em inserções, imagens de reportagens sobre a evolução patrimonial da família de Bolsonaro, em especial a do UOL sobre a compra de imóveis em dinheiro vivo.
Colaborou Catia Seabra, de São Paulo
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