“A gente veio de uma geração que teve de aprender com livros musicais, que foram as letras de rap. Muitos dos nossos que a gente encontra por aí sobreviveram pelas letras de Racionais, de MV Bill e de tantos outros escritores. Fico feliz de ser um sobrevivente que bebeu na fonte dos raps do MV Bill, do Mano Brown, do GOG, da Nega Gizza e de tantos outros”.

A fala é do presidente do Conselho da CUFA Brasil, Francisco José Pereira Lima, mais conhecido como Preto Zezé, durante a conferência que fechou os dois dias da Expofavela 2023 em Goiânia. Ademais, o evento tem realização da Central Única das Favelas em Goiás (CUFA Goiás). O tema do painel: “Educação de resistência”. O rap e o hip-hop, segundo o conferencista, são exatamente essa educação.

Preto Zezé nasceu em 1976. Filho do pintor Chico Macumbeiro e da doméstica dona Fátima, Preto Zezé cresceu na comunidade das Quadras, um enclave pobre no coração de um dos bairros mais ricos de Fortaleza, a Aldeota.

Assim como 2 milhões milhões de jovens pelo país que não frequentam a escola, segundo o Unicef, Preto Zezé conheceu a desigualdade das periferias muito cedo. Uma de suas influências no rap, MV Bill também compôs o painel. “Ouvir as músicas de MV Bill é uma educação de resistência”, disse Márcio Lima, vice-presidente nacional da CUFA, também presente na conferência.

Foto: Comunicação/CUFA Goiás

Segundo MV Bill, a educação deficiente não é um acaso, mas um plano. “De fazer com que a gente menos educação, menos conhecimento e, automaticamente, menos oportunidades”, afirma.

Embora simbolize a resistência, o rap não pode ser a única opção de futuro do jovem da periferias, segundo MV Bill. “Eu tenho dito para a rapaziada mais jovem. Tenha seu sonho de música, artístico, mas não perca seu foco escolar, estudantil. Porque a playboyzada que está fazendo rap hoje, se babar, se não der certo no rap, eles têm um segundo plano. Ou seja, herdar a herança do pai, herdar as casas alugadas da mãe, a frota de táxi do tio, e a gente da perfiferia acaba não tendo esse plano B. O plano B é a educação que, na verdade, é o plano A”, pondera.

Recursos

MV Bill fez críticas a governo que negam que o país não tenha recursos suficientes para educação. “É mentira quando dizem que o Brasil não tem dinheiro para cuidar da educação. O fundo educacional é um dos maiores que tem. Por isso que ele é motivo de muitas brigas entre partidos. E quando esse dinheiro é desviado para uma outra finalidade deixar de dar escola com qualidade para as pessoas que vivem na periferia”, afirmou

De acordo com o rapper, não há o interesse suficiente do poder público em transformar o ser da perfiferia em um ser pensante. “Mas a gente vem fazendo isso por conta própria, do nosso jeito. A gente chegou em um caminho que já é considerado sem volta. Muitos trabalhos bons que eu participei relacionados á educação foram pela resistência de profissionais da educação. De professores, diretoras de colégio que às vezes tiravam do próprio bolso para fazer uma atividade. Só que o Brasil tem dinheiro duficiente para criar uma política pública de verdade, nacional e dar educação de qualidade para todos”, afirmou o MV Bill.

Pandemia e poder público

A presidente nacional da CUFA, Kalyne Lima, que mediou a conferência, disse, no entanto, que a pandemia de Covid-19 foi um dos fatores que mais prejudicou a educação, principalmente nas periferias e comunidades mais vulneráveis. “A gente viu um retrocesso monstruoso nos últimos quatro anos. A pandemia abriu ainda mais esse abismo que separa o filho de um vereador do filho do porteiro do vereador em relação a oportunidades”, afirmou.

Contudo, para o rapper MV Bill, nascido e criado na Cidade de Deus, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, onde reside até hoje, quem detém o poder no Brasil deveria sentir na pele o que é não ter acesso ou vivenciar um cenário educacional deficitário. “A primeira coisa que eu faria, como medida para poder nivelar a educação do nosso país é pegar todos os secretários de Educação, o ministro da Educação e todo mundo botar seus filhos para estudar em escola pública. Imagina seu filho estudando na mesma escola que o do secretário de Educação? Seria a melhor escola do mundo”, concluiu.

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