Thiago da Silva Barros conheceu a confeitaria aos 16 anos. Hoje, aos 36, realiza a entrega de bolos gratuitos para crianças ribeirinhas que vivem longe do centro urbano de Anajás, na Ilha do Marajó, Pará. A história de Thiago com a confeitaria começou quando ele vivia na capital. O Anajaense se mudou para Belém aos sete anos.

“Conheci a confeitaria aos 16 anos por conta da minha tia que fazia as festas da família, para os filhos e os parentes. Ela fazia um bolinho, torta salgada, cachorro quente, e aí eu fui pegando gosto por essas coisas de festa. E quando me deparei, já tava fazendo bolo em casa, vendendo para amigos, vizinhos e vi que isso seria uma possibilidade de trabalho. E tudo que eu sei fui aprendendo por conta própria”.

O primeiro trabalho como confeiteiro foi para uma festa de aniversário infantil depois que sua tia Edna o apresentou para Wanda Torres, uma chefe confeiteira muito conhecida em Belém.

“A dona Wanda me convidou para fazer algumas coisas na festa de aniversário de 1 ano da sua netinha Pietra, então foi o meu primeiro trabalho contratado para ir até um local para ajudar a fazer as coisas”. 

Trabalhando com Wanda, Thiago aprendeu a fazer estrutura de bolo, bolos de pasta americana, doces finos, recheio salgado e muitas outras coisas. Viveu muitos anos na capital e retornou para Anajás há seis anos, aos 30 anos. 

Anajás

Foto: Prefeitura Municipal de Anajás

Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pouco mais de 30 mil pessoas vivem em Anajás. Thiago diz que a renda das famílias é baixa no município, que carece de muitos serviços considerados essenciais. A situação das famílias que vivem na zona rural, ele aponta, é ainda mais carente.

Confeiteiro desde a adolescência, Thiago trabalha com encomendas de bolos e salgados. No entanto, foi durante o mandato como conselheiro tutelar da cidade, função que exerce desde 2020 com fim previsto para 10 de janeiro de 2024, que acendeu nele o desejo em fazer “algo diferente” para as pessoas de Anajás. “O Conselho Tutelar me incentivou a fazer algo diferente na nossa comunidade, na nossa cidade”, disse.

O Conselho Tutelar é o órgão que zela pelos direitos das crianças e dos adolescentes. Thiago trabalha na entidade de segunda a sexta-feira, até às 13h. E depois cuida das suas encomendas. Porém, com o desejo de mudar a realidade das crianças e adolescentes da cidade, ele idealizou seu primeiro projeto social, o “Como se Faz”.

“Quando entrei no Conselho Tutelar, eu tinha um pensamento totalmente diferente do que tenho hoje. Antes de entrar eu pensava que a gente podia fazer e elaborar projetos para ajudar as crianças a saírem da rua, achava que os adolescentes eram ansiosos, enfim. Então veio a ideia de fazer o projeto “Como se Faz”, que era para ensinar adolescentes de 14 a 18 anos incompletos a complementar a renda familiar, já que a renda per capita do município das famílias é muito baixa”.

Como se Faz

Com a ideia em mente, o Anajaense foi atrás de parceria para executar o projeto. Foi então que conseguiu o apoio do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Anajás e colocou o Como se Faz em prática. 

“No Como se Faz tivemos uma turma de cerca de 80 alunos e conseguimos uma parceria com o CRAS da cidade. Eles cederam o espaço e eu bancava o material e ensinava adolescentes de 14 a 18 anos a fazer bolos, recheios e confeitar para ajudar no complemento da renda familiar”.

Em março de 2020 muitas coisas fecharam por causa da pandemia da covid-19 e as restrições para não aglomerar um grande número de pessoas no mesmo local. “E então tivemos que parar com o projeto”, disse. Desde então o Como se Faz não abriu novas turmas.

Crianças ribeirinhas

Foto: Brasil Turismo

Ao falar das crianças ribeirinhas, Thiago lembrou das dificuldades da própria infância. O confeiteiro trabalha desde os 10 anos de idade. Já vendeu chopp na feira e bombons nos ônibus. Mas tudo começou após a mãe ser diagnosticada com câncer no útero.

“No estágio mais avançado do câncer da minha mãe, eu e meu irmão passamos um tempo pedindo especificamente nos ônibus para trazer alimento e comprar remédio para ela. Foram dias bem difíceis para nós, mas depois de um tempo a minha mãe foi curada do câncer de útero. Através de oração a minha mãe foi curada, um milagre”.

As lembranças da própria infância é um dos motivos que fazem Thiago olhar com mais atenção para as crianças ribeirinhas de Anajás. “Quando meus irmãos e eu éramos crianças tínhamos muitas necessidades e passamos por muitas dificuldades, como a fome. Então, assim, eu compreendo e entendo o que as crianças passam na zona rural”.

A ideia de levar bolo confeitado para as crianças que vivem longe do centro urbano do município surgiu com pedidos de doação. Porém, como já doava os bolos na cidade, Thiago resolveu levar bolos também para as crianças que residem na zona rural. E foi assim que nasceu o Presentear. “O Presentear está nascendo agora e já está repercutindo. E está sendo muito bom”, celebrou.

Presentear

Bolos confeitados (Foto: Instagram/@tbbolosdecorados)

Thiago cursa o quinto período de pedagogia no formato Educação a Distância (EAD) e está prestes a se formar. Mas ser pedagogo ainda não é o seu sonho, pois quer mesmo é ser gastrônomo. “Meu sonho é cursar uma faculdade de gastronomia e seguir aquilo que eu gosto de fazer desde os 16 anos”.

É no meio de uma vida pessoal agitada e com muitos objetivos que o confeiteiro desenvolve desde o início do ano o Presentear. Desde então, Thiago presenteia crianças ribeirinhas que vivem longe do centro urbano de Anajás com bolos confeitados.

“O Presentear é  totalmente gratuito, não cobramos absolutamente nada na entrega. A gente pede autorização para gravar e fala do projeto que é uma iniciativa própria, que é para tentar trazer alguma alegria para aquelas crianças que estão isoladas, que estão afastadas da cidade, do meio urbano”.

Repercussão

A novidade do projeto é justamente as gravações. Com o apoio da esposa, Isabel Santos, e do amigo Gabriel, Thiago começou a gravar vídeos das visitas às famílias ribeirinhas e posta o conteúdo em seus perfis nas redes sociais.

“A Isabel e o Gabriel gravam os conteúdos. Então eles me ajudam no projeto, a minha mulher dirige o motor [do barco] e, assim, a gente vai tocando para frente nosso projeto”.

Os vídeos já alcançaram muitas pessoas por meio das redes sociais do empreendedor. Em 19 de maio, os perfis de Thiago Barros contavam com mais de 700 mil seguidores no Tik Tok, 187 mil no instagram e 40 mil no facebook. 

Viagens

Thiago realiza o projeto de sexta a domingo. A produção começa na casa do confeiteiro na cidade. E, assim, ele se divide com a esposa entre preparar massas e a limpeza dos materiais utilizados. Segundo Thiago, muitas vezes ele e Isabel passam a madrugada fazendo coisas para “levar tudo certinho e bonitinho para nossas crianças”.

De Anajás até o local onde residem as crianças ribeirinhas a viagem é toda de canoa. Por isso, todo o material e as massas prontas precisam ser transportadas em caixas de isopor com gelo para chegar bem conservadas. Como o trajeto é realizado inteiramente de barco, muitas vezes Thiago começa o confeite dos bolos ainda na rabeta, nome de uma embarcação específica que ele aluga para se transportar no território.

Thiago confeita os bolos na canoa (Imagem: Instagram/@tbbolosdecorados)

“Eu confeito bolos na rabeta porque temos pouco tempo para confeitar antes das entregas. Então eu faço em casa ainda na cidade, armazeno o chantilly dentro de um isopor com gelo porque na maioria das vezes a gente não tem acesso a freezer ou geladeira no interior. Lá eles não têm energia 24 horas e são poucas pessoas que têm gerador de energia. Daí quando tem esse gerador a gente bate o chantilly e quando não tem a gente bate na mão mesmo até chegar ao ponto do chantilly”, destacou.

Visitas

No vídeo postado no dia 10 de abril, Thiago mostra a visita para entrega de ovos de Páscoa para as crianças. Nota-se que ele avista um menino na canoa, mas logo o garoto acelera as remadas para fugir dele. Após o confeiteiro perguntar o motivo da fuga, o menino diz que estava com medo do visitante ser um bandido.

Thiago relata que esse é o maior medo das famílias quando ele se aproxima. As duas crianças que receberam os ovos afirmaram nunca terem ganhado um ovo de Páscoa antes. Os ovos foram produzidos e distribuídos para diversas crianças ribeirinhas após Thiago pedir doações para essa ação social.

“O feedback das famílias das crianças é algo magnífico. A gente vai percebendo os olhares de carinho, vai sentindo sabe aquele calor de gratidão e de amor que eles vão transbordando a todo tempo. E a gratidão que a gente recebe do pai e da mãe falando que é muito bom, que muito obrigado, que Deus nos pague, isso não tem preço. Os sorrisos que a gente recebe das crianças é sem palavras”, descreveu.

Futuro do projeto

O Presentear só é realizado entre as crianças ribeirinhas de Anajás, mas Thiago já recebeu propostas para visitar também as crianças de Curuçá, outro município do Pará. O convite partiu de uma seguidora das redes sociais e a parceria possibilitou uma ação na cidade. “Agora em maio nós estaremos indo em Curuçá para levar um pouco do nosso projeto para as famílias ribeirinhas de lá”.

Nas suas redes sociais o conselheiro deixa um contato para parcerias em seus projetos. Thiago afirma que gostaria de fazer muito mais pelos ribeirinhos, por isso já pensa em mudar o projeto no meio do ano. Desta vez, quer juntar o Como se Faz ao Presentear e ensinar as famílias ribeirinhas a fazerem bolos para complementar suas rendas.

“Muitas famílias e muitas crianças e adolescentes passam por privações, porém elas estão isoladas. Então o que me motiva é tentar proporcionar algo, mesmo que simbólico, na vida delas. Seja com um bolo ou um momento de confraternização. Isso é muito bom viver”.

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