
Embora com ressalvas e descrita de forma aquém do esperado por cientistas e ativistas em todo o mundo, a menção sobre a necessidade de caminhar para o fim do uso dos combustíveis fósseis foi considerado um dos avanços da COP-28, que se encerrou no último dia 13 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Este e outros temas foram debatidos durante o webinário “Caminhos para o Brasil Pós-COP”, promovido pelo Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), que aconteceu em dezembro e reuniu especialistas sobre clima.
“O documento final trouxe uma série de questões importantes para o planeta como um todo. Pela primeira vez, foram mencionados os combustíveis fósseis e que eles devem ser eliminados da matriz energética global. Muitos comemoram a frase, apesar de a ciência preconizar isso há pelo menos 30 anos”, afirmou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e coordenador do PFPMCG.
A menção à eliminação dos combustíveis fósseis da matriz energética global aconteceu dias após o Brasil anunciar o ingresso na OPEP+, uma espécie de “versão estendida” da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Sede da COP 30 que será realizada em 2025 em Belém, o Brasil ainda promoveu, no último dia da COP-28, um leilão de 600 blocos de exploração de petróleo, sendo alguns deles na Foz do Amazonas.
Segundo o coordenador do MapBiomas e do Observatório do Clima, Tasso Azevedo, a menção aos combustíveis fósseis é uma sinalização política muito importante para as próximas COPs, mesmo que tenha demorado tanto para entrar nos acordos.
“É um sinal de mudança de expectativa. Nesse tema, as sinalizações de para onde se está caminhando são muito importantes para formar uma tendência. Dizer que começa a transição energética ainda nesta década vai fazer com que haja uma ruptura rápida. É como pôr o pé na porta. Se pôs o tema na discussão e agora ela só vai se aprofundar. Não mais vai se lutar para o tema entrar na pauta, como foi até aqui”, analisa.
Fundo de perdas e danos
Anunciado no primeiro dia da COP28, a criação do Fundo de Perdas e Danos para recuperar os estragos causados pela crise climática é um mecanismo cuja criação foi determinada na COP-27, em 2022, no Egito. Durante o webinário a importância da constituição desse fundo foi destacada pelos participantes.
“O texto coloca que há um acordo para operacionalizá-lo e compromissos para esse fundo que já totalizam US$ 700 milhões. Obviamente, as necessidades são muito maiores do que US$ 100 bilhões por ano e a iniciativa é limitada, administrada pelo Banco Mundial, em que os Estados Unidos têm um controle muito rígido, o que desagradou alguns países”, destacou Artaxo.
O Fundo será administrado por um conselho formado por 26 membros, sendo 12 de países desenvolvidos e 14 de países pobres ou emergentes.
O texto, que cita a possibilidade de financiar o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, afirma ainda que “o Fundo fornecerá financiamento para enfrentar uma variedade de desafios associados aos efeitos adversos das alterações climáticas, tais como emergências relacionadas com o clima, subida do nível do mar, deslocamento, relocação, migração, informações e dados climáticos insuficientes e a necessidade para a reconstrução e recuperação resilientes às alterações climáticas”.
“Tivemos uma COP muito diferente em 2023, com cerca de 100 mil participantes, um recorde. E a participação muito expressiva do Brasil, que foi a maior em tamanho de delegação, desde a participação do presidente e ministros até muitos grupos de empresários, ambientalistas e cientistas”, lembrou Patrícia Morellato, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro, e membro da coordenação do PFPMCG, que mediou o debate.
Metas para a COP 30
A meta global de adaptação, que deverá ser debatida buscando um acordo dentro de um período de dois anos também foi destacada pelos participantes do webinário como outro avanço importante da COP28. O ativista afirma que, sem uma métrica como essa, é difícil fazer a pressão necessária e quantificar os esforços e investimentos que serão requeridos.
“A ideia é ter algo parecido com a meta de não ultrapassar o 1,5o C, uma métrica para mitigação das mudanças climáticas, para a adaptação. A ideia é que se chegue em 2030 com indicadores qualitativos e quantitativos para que se possa medir o avanço na adaptação e então ter uma meta”, explicou Azevedo.
O debate contou ainda com a participação de Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos, que afirmou que a “A adaptação foi uma das questões principais dessa COP”, afirmou Christofoletti.
Na ocasião, o pesquisador ressaltou que as cidades costeiras, em que vive cerca de metade da população mundial hoje, são as que sofrem alguns dos maiores impactos e precisam se adaptar com urgência. No Brasil, cerca de 25% da população vive nessas regiões, impactadas diretamente pelo aumento do nível do mar e pelas tempestades mais frequentes.
Os especialistas indicaram ainda que o Brasil tem algumas metas domésticas a serem cumpridas até a realização da COP-30 em Belém: redirecionar a geração elétrica para fontes renováveis, zerar o desmatamento e iniciar o grande projeto que está sendo chamado de Arco do Reflorestamento, medida anunciada na COP que prevê recursos para reflorestar a região conhecida como Arco do Desmatamento, que vai do sudeste do Pará até o Acre.
“São tarefas dificílimas, mas que a sociedade brasileira, com os poderes Legislativo, Judiciário e governos estaduais e municipais, têm de se empenhar, sob a liderança do governo federal”, destacou Paulo Artaxo.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global contra a Mudança do Clima.
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