Após três anos da aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, o nível de investimento no Brasil nessa área ainda está muito aquém do necessário para atingir a meta de universalização estabelecida pela lei. O investimento anual em obras, serviços, investimentos e ampliação dos serviços de água e esgoto precisa dobrar até 2033, segundo estudo divulgado nesta quarta-feira, 12, pelo Instituto Trata Brasil e GO Associados.
O estudo avaliou o setor três anos após a aprovação do novo quadro legal do saneamento essencial em 15 de julho de 2020. Uma das metas do novo marco é alcançar o acesso universal até 2033, garantindo que 99% da população do país tenha acesso à água potável e 90% do esgoto seja tratado e coletado.
No entanto, a realidade do país está longe disso. De acordo com os últimos dados de 2021 do Sistema Nacional de Informações em Saúde (SNIS), 84% dos brasileiros têm cobertura de água, mas apenas 56% estão ligados à rede de esgoto. Na prática, isso significa que 33 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e 93 milhões não têm acesso à coleta de esgoto – levando a centenas de internações por doenças, além de impactos econômicos, educacionais e sociais.
A pesquisa indica que, nos últimos cinco anos, o investimento médio anual no setor básico de saúde foi de R$ 20 bilhões. Por exemplo, em 2021 (os últimos dados disponíveis), o Brasil investiu R$ 17,3 bilhões no setor. Para poder universalizar o acesso aos serviços de água e saneamento para todos os brasileiros, esse valor exigiria R$ 44,8 bilhões por ano. Dito isso, o país precisará mais do que dobrar seu investimento para atingir sua meta universal até 2033.
Um novo marco legal para o saneamento básico foi proposto e aprovado justamente para incentivar os investimentos no setor, alcançando assim a universalização do acesso à água e esgoto no país. Para isso, além de melhorar as condições de mercado e a regulamentação do setor, ele também estabeleceu metas de indicadores de atendimento.
“Investimentos se traduzem em obras, e obras se traduzem em mais pessoas tendo acesso aos serviços. Não existe outra lógica para universalizar o saneamento básico”, afirma Luana Pretto, diretora executiva do Instituto Trata Brasil.
Pouco avanço
No entanto, como já indicado acima, o progresso está se arrastando – e não apenas em meio ao otimismo do investimento direto. A parte “burocrática” também anda lenta: 30 milhões de brasileiros ainda vivem em cidades com contratos de saneamento pendentes — e 70% dessas cidades não têm rede de esgoto. Essas cidades são consideradas “pendentes” porque não apresentaram documentos que comprovem que possuem condições financeiras para cumprir e avançar as metas traçadas pelo novo marco legal.
“A comparação entras as cidades que já entregaram essas comprovações e as que seguem pendentes diz tudo. Os municípios pendentes investem muito menos, uma média de R$ 55 reais por habitante, enquanto que as regulares investem bem mais, R$ 113. Como estas cidades pendentes vão mudar a realidade investindo muito menos que as cidades que já estão melhores? É aquela história: o de cima, sobe, e o de baixo, desce.”, diz Luana Pretto.
Iniciativas feitas
Nesse sentido, o estudo também destaca as iniciativas ocorridas nos três anos desde a aprovação do novo marco legal – principalmente projetos relacionados à regionalização e concessões de serviços. Para aumentar os investimentos, o novo marco legal incentiva a regionalização da prestação de serviços, principalmente em áreas metropolitanas e aglomerações urbanas.
Dos 26 estados que precisam passar por esse processo, três têm legislação pendente sobre a formação de blocos regionais: Acre, Pará e Minas Gerais. Por outro lado, três estados, Amapá, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, concluíram o processo licitatório, que inclui a construção de quadras regionalizadas de prestação de serviços. Em outros casos, outros estados ainda não colocaram em prática esses processos, embora tenham aprovado leis que regulamentam a formação desses blocos.
Outro objetivo do novo marco legal é atrair investimentos no setor por meio de concessões ou parcerias público-privadas com fornecedores regionais. O estudo constatou que, nos últimos três anos, o país realizou importantes licitações voltadas para projetos de concessão de serviços de saúde nos seguintes estados: Amapá, Rio de Janeiro, Ceará e Alagoas.
Ao todo, os empreendimentos já em construção têm investimento estimado em quase R$ 68 bilhões e abrangem uma população de mais de 31 milhões de pessoas. O estudo também destaca 29 projetos do setor que devem ser concluídos nos próximos três anos e impactam diretamente a vida de mais de 46 milhões de pessoas. Entre elas estão a privatização da Sabesp no estado de São Paulo, cuja licitação está prevista para 2025, e as concessões nos estados do Pará, Sergipe, Paraíba, Rondônia, entre outros.
Futuro
Diante desses desenvolvimentos, ainda é possível que pelo menos algumas partes do país cumpram as metas do novo marco legal até 2033, disse Pretto. “O país tem realidades diferentes. Estamos no caminho de atingir as metas em grande parte dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Mas a situação é diferente no Norte e no Nordeste. Alguns estados vão precisar fazer mudanças radicais para colocar o saneamento como prioridade. Se não fizerem isso, não vão cumprir [as metas].”
O marco legal promulgado pelo então presidente Jair Bolsonaro em 2020 estabelece que novas contratações para prestação de serviços só podem ser obtidas por meio de concurso público e igualdade de condições entre os setores público e privado. Em abril, o presidente Lula editou as novas regras, como permitir que empresas estatais prestem serviços de saneamento sem licitação com municípios de áreas metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões.
As mudanças preocupam o setor privado. Os legisladores afirmam que o estatuto vai além da legislação aprovada pelo Congresso há três anos. Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou a derrubada do dispositivo modificado de Lula. O Senado está analisando o assunto. Para evitar a derrota na Câmara dos Deputados, o governo federal prepara uma nova versão do estatuto para alterar o novo marco legal.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 06 – Água Potável e Saneamento
Leia mais: