Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

Etarismo: as mulheres são as principais vítimas

A cada ano, no mês de março, retomamos as memórias sobre as origens do Dia Internacional das Mulheres. As possíveis explicações para o estabelecimento do marco que representa o dia 08 de março, que vão desde o incêndio em uma fábrica, no qual várias mulheres operárias morreram, até a greve de trabalhadoras russas, em 1917.

O fato é que, em 1975, a ONU oficializou essa data. Desde então, alguns avanços têm sido observados, mas não há dúvida de que ainda há um longo caminho a percorrer na busca pela consolidação de igualdade de direitos e de oportunidades.

No início do mês de março desse ano, o chefe das Nações Unidas, António Guterres, discursou na Comissão sobre a Condição Feminina e destacou que as altas taxas de mortalidade materna, casamentos forçados e precoces e meninas sendo sequestradas e agredidas por frequentar a escola, evidenciam que ainda estamos muito longe de alcançar a igualdade de gênero.

Na sexta-feira 17/03, a ONU encerrou a 67ª sessão da Comissão sobre a Situação das Mulheres. Os temas centrais foram Maior inclusão digital das mulheres e a redução das disparidades de gênero nas áreas de ciência e tecnologia.

É importante destacar, que no mundo as mulheres e meninas correspondem a somente um terço dos estudantes de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Daqueles que trabalham no campo da Inteligência Artificial o quadro é ainda mais desproporcional, pois as mulheres constituem apenas 1 em cada 5 trabalhadores.

Poderia discorrer mais sobre os dados terríveis que revelam a desigualdade de gênero, mas, interessa-me dirigir nossa abordagem a partir de um ponto da fala de Guterres, amparado nas informações da ONU Mulheres, na qual afirma que a igualdade de gênero está “a 300 anos de distância”.

A questão é que também em outros momentos se fez uma espécie de estimativa temporal para que que o avanço de diretos garantissem tal igualdade. Porém, o tempo é muito relativo, a história não é linear e a dinâmica histórico-social é marcada por continuidades e rupturas. Dessa forma, a conquista de direitos hoje não é garantia de mais direitos no futuro.

Apesar das pessoas conceberem o tempo como algo da natureza ou meramente cronológico, na verdade o tempo com o qual lidamos é muito mais uma construção social e, portanto, sua percepção é bastante variável, não só nas diferentes sociedades, mas até mesmo dentro de uma mesma sociedade.

Perceba que muitas vezes falamos de um evento cronologicamente definido, como as vinte quatro horas do dia ou os sete dias da semana, como algo que passou rapidamente ou que está demorando a passar.

Ainda podemos nos referir a um passado remoto como algo que parece ter “acontecido ontem”. Assim sendo, a relação dos indivíduos com o tempo está relacionada à realidade que estes vivenciam, inclusive variando de acordo com a camada social à qual pertencem ou à faixa etária.

Segundo o sociólogo polonês Norbert Elias, em sua obra: “Sobre o Tempo”, o tempo não existe em si mesmo, pois seria antes de tudo um símbolo social, resultado de um longo processo de aprendizagem.

Já o historiador francês François Hartog, em sua obra: “Regimes de historicidade – Presentismo e experiências do tempo”, desenvolveu o conceito dos “regimes de historicidade”, que seriam uma espécie de ordem dominante em relação ao tempo percebido de acordo com cada época, ou seja, a partir das perspectivas de uma determinada época histórica existiriam parâmetros para as perspectivas das pessoas sobre o tempo.

A partir do conceito dos regimes de historicidade Hartog desenvolveu o termo “presentismo” para referir-se à relação das novas gerações com o tempo. Segundo ele, as novas gerações não buscam no passado suas referências, pois estas já não serviriam para orientar o presente.

Atribuo essa perspectiva em relação ao tempo e à condição etária à chamada Geração “Z” ou Zoomers, pessoas nascidas entre a segunda a metade da década de 1990 e o início de 2010, também referidos nativos digitais.

Essa geração tem sua vida marcada por estreita relação com a internet e as redes sociais, veem nesses recursos tecnológicos suas referências sociais e temporais. Há aqueles que avaliam que a variedade de informações e de conteúdos aos quais esses jovens tem acesso seria um dos fatores que contribuiria para que a geração Z fosse mais tolerante e flexível com diferenças culturais. Porém, não é exatamente assim que acontece.

O contato, desde muito cedo, com os aparelhos de alta tecnologia tem distanciado essa geração das experiências ou vivências das gerações anteriores e levado a uma certa desvalorização do passado e da experiência dos mais velhos, podendo ser considerado como um dos fatores que vem contribuindo para uma cultura do etarismo.

Atribui-se ao gerontologista Robert N. Butler, ter sido o primeiro a utilizar o termo etarismo com o objetivo de definir a discriminação contra adultos considerados idosos. Mas, esse conceito foi ampliado no sentido de indicar qualquer tipo de discriminação com base na idade. Assim, pode caracterizar o preconceito contra crianças, adolescentes, adultos ou idosos.

O fato de estarem imersos no universo digital, muitos tiveram acesso a um smartphone aos dois ou três anos de idade, parece estabelecer uma realidade, tanto concreta quanto virtual, de juventude indefinidamente presente, criando uma espécie de bolha na qual o passado relaciona-se ao que é obsoleto e o futuro como uma desconfortável incerteza para a qual não se deve olhar.

Bem, esse quadro parece favorecer, em alguns casos, uma espécie de insensibilidade geracional. Observe-se o caso nesse mês de março, mês da mulher, no qual estudantes de uma faculdade fizeram um vídeo debochando de uma colega de 45 anos, devido à sua idade. Nesse caso, além de etarismo houve a ausência da sororidade.

A questão é que na dinâmica demográfica desse nosso século, o aumento da proporção de idosos no mundo é certa e na configuração que se apresenta para essa futura pirâmide etária as mulheres representam o maior número.

A questão é séria e precisa ser compreendida por todos. É necessário realizar campanhas que combatam a discriminação etária e conscientizem as novas gerações sobre a nossa trajetória nas várias fases da vida, compreendendo os processos e as consequências vivenciadas em cada uma dessas etapas.

Leia mais:

Mais Lidas:

Sagres Online
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.