A defasagem de professores formados na área em que atuam, principalmente nas Ciências Exatas, é uma dos maiores barreiras para o desenvolvimento da educação básica no Brasil. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que 27,9% dos professores de Goiás não possuem formação adequada à área em que lecionam. O percentual engloba os professores das redes municipal, estadual e federal.

Os indicadores educacionais foram divididos em cinco grupos de docentes: os que são formados em licenciatura, mas dão aula de matérias de outras áreas (19,5%); formados em licenciatura que dão aula na área que se formaram (70,4%); profissionais formados em bacharelado que dão aula na área que se formaram (1,8%); professores que possuem formação superior, mas que não é considerada para o cargo (1,7%); e, por último, os que não possuem nenhum curso superior (6,6%).

Fora da meta

O Plano Nacional de Educação (PNE), estabelecido pela lei nº 13.005, define 20 metas para a política educacional no Brasil, a serem alcançadas no período de 2014 a 2024. A décima quinta diretriz do PNE determina a colaboração entre a União, os estados, Distrito Federal e os municípios para que, no prazo de 1 ano a partir da vigência do Plano, todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.

Os dados do Inep, no entanto, comprovam que esse objetivo do PNE não foi alcançado. A diretriz 17 estabelece a obrigatoriedade de valorização do professor das redes públicas da educação básica, igualando o salário médio aos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final de 2019. A educação básica engloba a educação infantil (creche e pré-escola), ensino fundamental, ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA).

O professor e especialista em Educação Matemática, Marcelo Rodrigues de Paula, avalia que a desvalorização da carreira de professor é um dos principais fatores que afastam os profissionais da formação. “Os planos de carreira das licenciaturas são pouco atrativos para se pensar em uma carreira profissional”, afirma.

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Evasão

Os cursos superiores na área das Ciências Exatas, de modo geral, são campeões de desistência. Um levantamento do Inep aponta que 7 a cada 10 estudantes das licenciaturas em cursos de matemática, física e ciências não terminam a graduação. Os dados foram divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo.

O estudo foi realizado em 2021 e usou como base os estudantes que ingressaram nessas graduações a partir de 2012. A pesquisa constatou que apenas 30% concluíram os cursos de licenciatura em Matemática ou Ciências. Entre os que ingressaram em Física, 24% terminaram a graduação.

O professor de Matemática da rede pública estadual de Goiás e da rede privada de Goiânia, Pedro Itallo Vaz, é formado na área e atua como docente há 12 anos. Ele avalia que o problema de profissionais lecionarem matemática sem formação adequada começa pelos anos iniciais do ensino fundamental, nos quais um pedagogo introduz os conceitos iniciais da matemática.

“O pedagogo só ensina o básico, não porque ele quer ensinar daquele jeito, mas porque ele não tem a formação. Os alunos aprendem que matemática é só decoreba. Se a gente tem uma base que não é sólida, o aluno não consegue avançar”, avalia.

Os profissionais da Pedagogia têm habilitação para dar aula em todos os anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, do primeiro ao quinto. Segundo Marcelo Rodrigues, que atua na formação de professores, os pedagogos demonstram dificuldades em abordar os conhecimentos dessa área. Ele também avalia que a dificuldade de formar professores começa na aprendizagem baixa nos anos iniciais da educação básica.

“Nós estudamos com um currículo de matemática muito voltado para os números, para os cálculos e acabamos tendo dificuldade com raciocínio lógico, solução de problemas, argumentação, comunicação. Com isso, toda a área de exatas, que envolve esses conhecimentos essenciais de matemática, acaba ficando prejudicada. Hoje eu tenho a compreensão de que os estudantes também precisam ser alfabetizados em matemática. A gente busca o letramento matemático, como na língua portuguesa.”, explica.

Docência

Os cursos superiores que formam professores são chamados de licenciatura. Já a formação em bacharelado habilita o profissional para atuar em outras áreas da profissão. Para o professor Pedro Itallo, que está em fase de conclusão do Mestrado Profissional em Educação Matemática voltada para didática e metodologia, as graduações de licenciatura em Matemática não conseguem capacitar o professor para dar aula. Segundo ele, a maior parte da carga horária do curso é dedicada a conhecimentos do ensino superior, que não são utilizados na educação básica.

“Eu aprendi o mínimo de ensino médio e fundamental na faculdade. No primeiro semestre eu vi duas disciplinas que me auxiliaram a dar aula. Nos semestre seguintes eu comecei a ver cálculo 1, cálculo 2 e cálculo 3. Não tem uma realidade palpável, a verdade é que o curso de licenciatura em Matemática não ensina o professor a ser professor. O que vai ajudar o professor é a experiência dele em sala de aula”, avalia.

Na turma de graduação em Matemática do professor Pedro Itallo, dos 37 alunos que ingressaram, apenas 11 concluíram. (Foto: Arquivo pessoal/Pedro Itallo)

Problemas estruturais

A dificuldade de aprendizagem em Matemática na educação básica está diretamente ligada com a falta de professores com formação adequada, o que também afeta a formação de novos docentes para suprir a defasagem. Isso porque os alunos ingressam no curso superior com uma formação básica em exatas abaixo do ideal, o que aumenta o nível de dificuldade do curso superior e favorece a evasão.

O estado de Goiás figura em segundo lugar no ranking nacional do Índice de Desenvolvimento da educação básica (Ideb) de 2021, entre alunos do Ensino Médio. No entanto, a avaliação também aponta que a aprendizagem adequada em matemática ainda está muito distante do ideal, no Brasil todo. Em Goiás, por exemplo, um estado que se destaca no cenário nacional, o índice de aprendizagem em matemática para estudantes do Ensino Médio é de apenas 5% e está no nível de alerta máximo.

O ideal é que a aprendizagem supere os 70%. Nos anos finais do ensino fundamental (do sexto ao nono ano), Goiás é o primeiro do Brasil no ranking geral, seguido por São Paulo e Ceará. O índice de aprendizagem adequada em matemática nessa etapa é de 20%, maior que no ensino médio, mas ainda no nível de alerta máximo, que vai até 25%.

O enfrentamento aos problemas de ensino e aprendizagem em Matemática está de acordo com a Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, Educação de Qualidade, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).