Aproximar a matemática da realidade de vida dos estudantes tem se mostrado um método eficaz para o ensino e aprendizagem da disciplina nas escolas, desafio histórico do País e que se agravou com a pandemia de Covid-19. Professores da rede estadual de educação de Goiás inovam ao usar elementos do cotidiano para explicar conteúdos considerados abstratos. A tendência é que o método melhore o desempenho e aumente o interesse dos estudantes pela matemática.

Claiton Cabral Soares, professor de Matemática no Colégio Estadual em Período Integral (CEPI) Maria Joana de Jesus, em Aparecida de Goiânia, explica que a capacidade de compreensão melhora quando o assunto tem significado para os alunos. Ele utiliza aplicativos para construir gráficos e figuras geométricas, como forma de aliar o uso do celular com a melhor visualização e estudo da matemática. O professor também tem o hábito de levar objetos considerados inusitados para uma sala de aula.

Bicicleta se tornou aliada do professor Claiton Cabral para produzir sentido para a matemática e despertar interesse nos estudantes. (Foto: Arquivo pessoal/Claiton Cabral)

Nas aulas de geometria, o professor pergunta se algum aluno vai de bicicleta para a escola e, em seguida, pede para levá-la para dentro da sala. Ele utiliza a roda da bicicleta e um barbante para fazer as medidas. “Foi um dos grandes resultados que tivemos nas atividades de cálculo de área de circunferência, para eles entenderem o significado do raio, do diâmetro, da corda da circunferência. Eu levei a bicicleta para a sala de aula porque eles estavam vendo as coisas da maneira mais abstrata possível”, conta.

Criatividade e inovação

Até para explicar o número PI (π), para muitos um dos grandes vilões da matemática, o uso da bicicleta e de uma tampa de garrafa podem garantir a compreensão. Claiton utilizou circunferências de tamanhos diferentes, como a roda e a tampa, para comprovar que o número é sempre constante. “Hoje eles brigam pra eu dar aula de circunferência, eles viram o divertido da coisa. Transformar esse abstrato em algo concreto, lúdico e que eles possam enxergar no cotidiano deles, faz a matemática ter sentido e tem reflexo nas avaliações.”

Para representar a importância da matemática na construção civil, o professor utiliza palitos de picolé para simular a construção de uma ponte. O objetivo é explicar aos estudantes a resistência do triângulo, um dos assuntos da geometria. O CEPI Maria Joana de Jesus é o primeiro colocado em matemática no município de Aparecida e o terceiro lugar no estado, de acordo com o Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás (Saego).

Estudantes constroem formas geométricas e transformam a teoria do papel em realidade concreta (Foto: arquivo pessoal/Claiton Cabral)

Tecnologia que aproxima

O celular, que por muito tempo foi um objeto proibido em sala de aula, hoje se apresenta como uma necessidade. Péricles dos Anjos Cardoso, professor de Matemática no Colégio Estadual em Período Integral (CEPI) Frota, em Goiânia, aposta nos recursos tecnológicos para gerar interesse e produzir significado para os estudantes.

“Se você consegue trazer o aluno para o que ele gosta, usar o que ele gosta pra ensinar matemática, você encurta essa distância e ele vai aprender. Eu uso muito a tecnologia porque eu sei que ele gosta, ele está vidrado no celular o tempo todo, essa proximidade faz uma diferença muito grande no aprendizado, se você ficar distante do aluno, a dificuldade vai ser imensa de você conseguir ensiná-lo”, explica.

Péricles dos Anjos considera que aproximar a matemática  da vida do aluno e gerar interesse é a maior barreira para a evolução da aprendizagem. “O maior desafio é o aluno ter o gosto pela matemática. O aluno querer aprender matemática e ver o tanto que ela é importante do cotidiano dele. Se apropriar disso para que ele queira estudar. O objetivo maior nosso de professor de matemática é mostrar para o aluno a necessidade que tem a nossa disciplina na vida dele. Se a gente conseguir mostrar que ele vai usar a matemática, ele vai aprender.”

Claiton Cabral Soares e Péricles dos Anjos participam de ações de formação continuada realizada pela Secretaria de Estado da Educação desde 2019.

A inovação de professores no ensino da Matemática, com o objetivo de melhorar a aprendizagem e o desempenho escolar, está alinhada ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, Educação de Qualidade, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Tempo integral

Uma pesquisa de 2019 do Laboratório de Pesquisa e Avaliação em Aprendizagem da Fundação Getulio Vargas (Learn/FGV) mostra que formados em escolas de tempo integral têm 63% de chance de entrar no ensino superior, enquanto os demais têm 46%. Passar mais tempo na escola e participar de atividades como teatro, dança e reforço melhora o desempenho escolar. O estudo analisou a trajetória dos egressos da rede estadual de Pernambuco, feita pelo Instituto Sonho Grande em parceria com a Secretaria de Educação de Pernambuco.

O CEPI Maria Joana de Jesus tem ensino híbrido, com turmas de nono ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio em tempo integral. As turmas de sexto ao oitavo ano fazem parte do ensino regular. Claiton Soares afirma que percebe melhor desempenho escolar dos estudantes em período integral. 

“Os estudantes do ensino integral têm um excelente tempo para essa rotina de estudos fazendo com que isso faça parte da rotina diária deles. Eles se adaptam a essa rotina, se acostumam com isso e vão desenvolvendo o gosto por estudar. Já os estudantes do ensino regular, devido ao tempo ser pequeno, eles não criam aquela rotina de estudos, de separar um tempo para o estudo”, explica Claiton.

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Planejamento

Péricles dos Anjos Cardoso, professor de Matemática no Colégio Estadual em Período Integral (CEPI) Frota, em Goiânia, concorda que o tempo integral melhora o desempenho, mas pondera que isso só é possível com planejamento e organização. “No tempo integral, o aluno tem mais tempo. Se a escola está bem organizada pedagogicamente, o aprendizado é maior, mas se ela não estiver bem organizada, não é. O tempo regular também passa por esse caminho, se o aluno tem consciência que ele tem que chegar em casa e revisar o que foi visto, ele vai ter um aprendizado tão bom quanto uma escola em tempo integral”, avalia o professor.

Tecnologia e recomposição

A pandemia de Covid-19 agravou ainda mais os desafios da aprendizagem em matemática. Pensando em reverter essa defasagem, a Secretaria de Educação de Goiás desenvolveu duas plataformas digitais focadas na recomposição, o SER Goiás e o Revisa Goiás. Esses recursos disponibilizam todo o conteúdo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em que os alunos e professores podem acessar a qualquer momento, assistir a vídeoaulas especiais, fazer atividades etc.

A estudante Sophia Sampaio Santos, de 13 anos, tem superado as dificuldades com a matemática através dessas plataformas. Ela estuda na Escola Estadual Marieta Telles Machado, em Aparecida de Goiânia. “Eu acho bem difícil de compreender, mas agora está dando certo, não estou com tanta dificuldade por conta de começar a ter mais responsabilidade. Acho que o estudo não fica só dentro de sala de aula, a gente tem que ampliar”, afirma.

Sophia também sentiu os impactos de dois anos fora da sala de aula durante a pandemia. “A gente achava que tirava dúvidas nas aulas, mas na hora da prova não era aquilo, parecia que não entrava. Ficou mais difícil também para socializar na escola. É costume em aula online a gente não perguntar, achar que não vai ser necessário”, reflete.

Sophia Sampaio avança em barreiras na matemática através das plataformas digitais de recomposição e do acompanhamento de professores (Foto: Vinicius Tondolo/Sagres)

Capacitação

Aplicar novas metodologias para o ensino de matemática nas escolas requer investimento na formação e qualificação dos professores. Nesse sentido, a Secretaria de Educação de Goiás (Seduc) promove nesta semana o Fórum Crescer Matemática, um evento de formação dos professores de Aparecida, Goiânia e Anápolis, municípios que concentram 27% de todos os alunos do estado. Ao todo, 600 profissionais se inscreveram no Fórum.

A gerente de ensino fundamental da Seduc, Tamara Trentin, explica que ouvir os professores sobre a realidade de cada escola é fundamental para adequar os projetos. “Nós temos verificado através da avaliação de diagnóstico que a matemática tem sido um ponto de atenção. Alguns professores não estão compreendendo a proposta de trabalhar conteúdos que não são do ano que o aluno está cursando, mas eles são necessários para que o aluno consiga continuar nesse percurso, se ele não compreender algumas habilidades anteriores ele não consegue avançar na série que ele está cursando.”

O professor Claiton explica que, ao contrário de outras disciplinas, na matemática não é possível avançar no conteúdo de uma série sem a aprendizagem do ano anterior. “Em outras disciplinas, na área de linguagens e de humanas, ainda assim o professor consegue introduzir um conteúdo sem ter que voltar totalmente atrás. Nas disciplinas de exatas, principalmente na Matemática, não dá para quebrar pré-requisitos. Exemplo, o aluno não consegue resolver uma equação simples, do primeiro grau, se ele não compreender o conceito de números inteiros, que é conteúdo do sétimo ano”, exemplifica.

Professores de Aparecida de Goiânia passam por qualificação no primeiro dia do Crescer Matemática. Goiânia e Anápolis também participaram. (Foto: Lucas Xavier/Sagres)