O futebol feminino pode ser uma importante ferramenta para espalmar o preconceito e diminuir a desigualdade de gênero entre homens e mulheres. Mas para isso é preciso igualar as oportunidades, as condições de treinos, principalmente a valorização e visibilidade do esporte.

A evolução histórica e o processo de legitimação das categorias feminina e masculina no futebol trilharam caminhos diferentes, resultando em grandes disparidades ​​nos dias atuais.

Um exemplo claro disso é Marta, aclamada como a melhor jogadora de futebol de todos os tempos, com seis troféus em seu nome. No entanto, é impactante constatar que sua remuneração anual representava menos de 1% do ganho do jogador Neymar.

Recentemente, um marco significativo foi feito quando os telespectadores brasileiros tiveram a oportunidade histórica de acompanhar a transmissão da Copa do Mundo Feminina por meio de canais abertos.

Um momento emblemático ocorreu no primeiro jogo da competição, quando Marta optou por calçar uma chuteira preta sem a marca de nenhum patrocinador. Nela, ficaram visíveis apenas duas faixas discretas, uma rosa e outra azul, simbolizando o compromisso com a equidade de gênero e o respeito mútuo.

Assista a reportagem

Futebol feminino

Emily Cristina Maciel e Milena Oliveira durante um alongamento pós-treino (Foto: Palloma Rabello)

Para entender e mostrar de perto essa relação entre futebol e igualdade de gênero, a nossa equipe de reportagem foi até o Campo da Universo acompanhar um treino da equipe feminina do Vila Nova. As atletas tem uma rotina intensa de preparação física e treinos em campo.

A Emily Cristina Maciel, de 21 anos, é uma das atletas do Vila Nova. A jovem escolheu o futebol desde a infância e já sabia que ia se dedicar para o esporte. Para ela não dá para comparar as modalidades feminina e masculina, pois as oportunidades, infraestrutura e patrocínio são muito diferentes.

“São dois extremos ao meu ver. Precisamos que mais pessoas acreditem no nosso trabalho, com a consciência que é um processo longo. Não adianta investir hoje e querer resultados amanhã. Estamos há anos nessa luta e esse é só o começo”, pontua a jogadora.

A atleta Eduarda Martins tem 20 anos e conta que a paixão pelo futebol foi passada pelo pai ainda na infância. Apesar do amor pela profissão, a jovem reconhece que há muitos desafios.

“Nós, assim como os homens, somos capazes de chegar longe e mostrar o nosso rendimento. A questão é que para isso, é preciso que haja mudanças, por exemplo, se pelo menos os jogos da elite do futebol feminino fossem transmitidos, já ajudaria bastante. Além disso, precisamos de mais patrocinadores e mais investimento, como o (futebol) masculino já tem. Assim seria bem melhor”, explica Eduarda.

Mulheres proibidas de jogar 

Witória Borges, atleta da equipe feminina de futebol no Vila Nova (Foto: Sagres Online)

O futebol feminino foi proibido por lei no Brasil por quase quatro décadas. Em 1941, um decreto assinado pelo presidente Getúlio Vargas proibiu as mulheres de praticarem a modalidade.

O Decreto-Lei 3.199 estabeleceu as bases de organização do esporte em todo o Brasil. A lei cerceou o direito das mulheres à prática de certas modalidades esportivas, como o futebol, consideradas “incompatíveis com as condições da natureza feminina”. 

Essa norma prejudicou o desenvolvimento das modalidades femininas e os reflexos dela seguem até os dias atuais. A proibição também deixou um legado de preconceito no imaginário social, com ideias equivocadas, como: “o futebol não é coisa para mulher”.

O contraste na trajetória das modalidades esportivas femininas e masculinas remonta a um passado marcado por desigualdades persistentes.

Contudo, é crucial que ações contínuas sejam tomadas para nivelar o campo, promovendo reconhecimento e recompensas justas para atletas, cujas habilidades transcendem gêneros. Só assim o futebol feminino poderá alcançar o merecido nível de destaque e respeito que tanto almeja.

Desigualdades

Jogadora do Vila Nova/Universo, Milena Oliveira (Foto: Palloma Rabêllo)

As desigualdades entre homens e mulheres estão em diversas áreas da sociedade. As questões salariais no futebol não são muito diferentes de outros espaços de trabalho. Ao mesmo tempo que o esporte com atletas masculinos movimenta milhões de reais, o feminino beira a precariedade.

A jogadora do Vila Nova/Universo, Milena Oliveira, sabe bem dessa discrepância entre o futebol masculino e feminino e vive na prática muitos desafios. De um lado, cifras que chegam a ser astronômicas, de outro, as dificuldades para continuar jogando, alimentando sonhos e ao mesmo tempo, suprindo carências.

“Acho que precisamos continuar com o trabalho duro que fazemos todos os dias, mas o futebol feminino precisa de mais atenção. Eu falo isso em relação a tudo mesmo, a estrutura e todos os outros pontos que têm atenção no masculino. Por mais que a nossa luta esteja melhorando e crescendo muito, o futebol feminino ainda é bastante carente”, ressalta Milena Oliveira.

Amor pelo esporte 

Equipe feminina do Vila Nova (Foto: Palloma Rabêllo)

Intensidade, força, equilíbrio, dedicação. O treino é pesado e sem moleza. O suor que escorre pelo rosto das meninas revela o empenho e a busca por ter sucesso e realizar um sonho de infância. O futebol significa uma chance de evolução e oportunidade na vida de muitas meninas.

“Futebol é tudo para mim. É uma tradição que eu carrego desde o berço, veio de família mesmo e eu não conseguiria viver sem o futebol hoje. É o que eu faço e o que eu amo”, diz Emily.

A atleta Witória Borges é apaixonada pelo esporte desde criança e encontrou no futebol uma oportunidade para estudar.

“Eu sempre amei o futebol, é tudo para mim. Estar em campo me traz paz e tranquilidade. Com o futebol encontrei uma oportunidade para me formar, pois consegui uma bolsa de estudo integral e hoje estou no oitavo período do curso de direito”, conta.

Visões distintas

Sabrina Barata, jogadora do Vila Nova. A jovem joga desde os 12 anos de idade, nasceu na Califórnia e é filha de brasileiros (Foto: Palloma Rabêllo)

A jogadora Sabrina Barata nasceu na Califórnia, filha de brasileiros, a jovem é apaixonada pelo esporte e joga desde os 12 anos de idade. Ela gosta do Brasil, do clima e dá comida e apesar de se confundir em algumas palavras, desenrola muito bem o nosso português.

A atleta, que também é química, veio para cá para se dedicar, exclusivamente, por um ano a paixão pela bola. Sabrina conta que já conseguiu notar algumas diferenças em como o esporte é praticado aqui e nos Estados Unidos.

“Eu vim para o Brasil apenas para jogar bola, que é a minha paixão. Eu já jogava nos Estados Unidos, na universidade. Sou formada em química e pretendo fazer uma pós-graduação, mas antes tirei um ano só para jogar bola. Eu percebi que tinha mais recursos onde eu estava, aqui temos bastante limitações. Por exemplo, não ter um fisioterapeuta sempre à disposição ou a dificuldade em encontrar campos livres para treinos extras”, explica a jovem.

Zico

Durante uma passagem recente por Goiânia, o ídolo da história do Flamengo, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, maior nome da história do Rubro-Negro, destacou a importância de dar mais visibilidade ao futebol feminino. Ele veio participar de uma ação educacional e na ocasião ressaltou a necessidade de incentivar que as meninas comecem a praticar o esporte ainda na infância.

“Eu trabalhei anos no Japão e lá as meninas jogam bola desde pequenas, assim como nos Estados Unidos. Isso pode ser inserido cada vez mais aqui no Brasil também, pois trará inúmeros benefícios para as atletas e modalidade”, afirma o ex-jogador.

Inclusão

Mesmo que seja fundamental melhorar diversos pontos na modalidade feminina, como afirma o Zico, o amor pelo futebol pode gerar inclusão. O melhor é que isso não depende de classe social, ou gênero. E o esporte tem potencial para se tornar um meio para o debate e luta por direitos iguais. 

Atleta Eduarda Martins tem 20 anos. A paixão pelo futebol foi passada para ela pelo pai ainda na infância. (Foto: Palloma Rabêllo)

“O esporte ajuda porque inclui todo mundo. Tanto que muitas vezes a gente começa a jogar com meninos e meninas, na rua mesmo, em times mistos. Fora que o esporte ajuda muito na inclusão, no respeito e no trabalho em equipe”, explica Eduarda.

Para a atleta Milena, o futebol pode ser um aliado para o combate às desigualdades de gênero. Segundo ela, essa luta é fundamental para ajudar as futuras jogadoras. 

“Acredito que ajuda bastante, porque a gente não abaixa a cabeça! Vamos continuar aqui independente do que os outros digam, pois estamos em busca de um sonho. É uma luta constante para a gente e para a nova geração também. Tenho certeza que um dia vamos chegar onde queremos”, pontua Milena.

Dedicação total 

Foto: Palloma Rabêllo

As meninas seguem se esforçando, treinando e se dedicando muito, para que tenham um futuro melhor. E enquanto esse futuro não chega elas sonham com as próximas conquistas.

“Imagino que eu realize todos os meus sonhos e que consiga viver do futebol. Esse é meu sonho desde criança, é o que eu realmente almejo”, conta Eduarda. 

Milena já se imagina na seleção brasileira, virando inspiração para outras meninas e provando que com dedicação tudo é possível.

“Na verdade, o futebol é a minha vida e eu pretendo chegar muito longe ainda. É o meu sonho e eu sou apaixonada por isso. Quem sabe um dia eu consiga chegar a seleção e sustentar a minha família com o futebol, para mim isso basta”, finaliza Milena.

Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 5 – Igualdade de Gênero.

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