As universidades estão integradas na sociedade e, infelizmente, muitas vezes acabam perpetuando a violência de gênero presente nela. Nesse contexto, diversas pessoas podem cometer atos violentos, incluindo docentes, discentes, técnicos administrativos e terceirizados.

No entanto, tais eventos geralmente ficam em sigilo dentro do ambiente acadêmico. Seja por medo de retaliação ou por receio de julgamento por parte da comunidade. Muitas vezes, ela tende a culpar a vítima de assédio devido ao patriarcado e ao machismo presentes em nossa sociedade. Além disso, muitas vezes os agressores não sofrem qualquer tipo de punição, o que desencoraja ainda mais as denúncias.

Carolina Costa Ferreira é líder do grupo de pesquisa do Observatório de Direitos Humanos | Foto: Arquivo pessoal

O grupo de pesquisa do Observatório de Direitos Humanos, que tem como líder a professora Carolina Costa Ferreira do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), realizou diversos estudos. O observatório optou por uma abordagem feminista ao reescrever um processo administrativo disciplinar. Nele, alunas acusaram um professor de violência moral e sexual em uma instituição de ensino superior do país.

Mulheres e justiça

Fabiana Severi entrevistou a professora Sirlene Moreira Fidelis, da Universidade Federal de Jataí, em Goiás, no programa Mulheres e Justiça para discutir essa reescrita. A princípio, é relevante destacar que tais processos administrativos disciplinares são confidenciais, afirma a professora.

“Além disso, enquanto na Justiça o processo é analisado e julgado por um único juiz ou juíza, no processo administrativo o relatório final é conduzido por três servidores da instituição, que podem ser leigos em Direito, e o relatório é apenas sugestivo, pois a comissão não possui poder para punir”, pontua.

Em relação aos desfechos do processo, a pesquisadora afirma que o professor em questão perdeu seu cargo, indicando que alcançou a finalidade do processo.

“Foi confeccionado um bom relatório, entretanto, nele apareceram termos e procedimentos que deveriam ter sido evitados para que os estudantes e as estudantes não sofressem revitimização”, revela.

Debates sob a perspectiva de gênero

Sirlene enfatiza a urgência de as instituições de ensino superior abordarem tópicos fundamentais para a formação cidadã. Como por exemplo, a perspectiva de gênero, a violência contra as mulheres, o racismo, o capacitismo e outros temas relevantes.

“Só assim teremos pessoas qualificadas para trabalharem no sistema de justiça, nas instituições de ensino superior e na sociedade como um todo. Nesse processo, por exemplo, em razão da morosidade institucional, as estudantes fizeram denúncia pública, ocasionando a revitimização”, ressalta.

De acordo com a pesquisadora, outro desdobramento de seu trabalho foi evidenciar que é factível estender as reescritas a outras esferas do conhecimento, além do âmbito judicial, como os processos administrativos disciplinares.

Fabiana Severi entrevistou a professora Sirlene Moreira Fidelis, da Universidade Federal de Jataí, em Goiás | Foto: CDHM/USP

“Por fim, é necessário que a Controladoria Geral da União incorpore em seu manual as legislações internacional e nacional de direitos humanos das mulheres, para que as comissões possam utilizá-las em seus relatórios finais e para que os processos sejam conduzidos com perspectiva de gênero”, argumenta.

Outros resultados

Outro resultado apontado pela pesquisadora é que a comissão responsável pelo processo administrativo disciplinar deveria ter identificado as responsabilidades e recomendado ações pertinentes à universidade, tendo em vista que a instituição é um espaço de aprendizado e desenvolvimento pessoal e profissional para todos os indivíduos que a integram.

“Nesse sentido, na promoção do direito fundamental à educação é importante que, além dos espaços de acolhimento, a universidade reconheça sua responsabilidade e tente minimamente indicar espaços de debates, de prevenção e de reparação às vítimas de abusos de assédios e violências sexuais de forma geral”, afirma.

A pesquisadora argumenta que a diferença entre a decisão do processo administrativo disciplinar e a reescrita não foi o resultado final – a demissão do servidor público -, mas sim a preocupação com a fundamentação do relatório da comissão. Na reescrita, utilizaram normas internacionais, a Constituição Federal, protocolos e recomendações relacionados à perspectiva de gênero no país, bem como julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos e documentos que enfatizam a importância do acolhimento às vítimas de violência sexual.

“A nossa fundamentação foi muito mais ampla, procuramos entender o que significa um caso de violência sexual num ambiente universitário e o papel da comissão que analisa o processo administrativo disciplinar, dessa maneira é essencial olhar para as provas do processo, também com perspectiva de gênero”, finaliza.

*Redação com informações do Jornal da USP

*Esse conteúdo está relacionado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 04, 05 e 10:
– Educação de Qualidade
– Igualdade de Gênero
– Redução das Desigualdades

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