Treinador experiente, com passagens pelos três grandes clubes goianos, Hélio dos Anjos hoje trabalha no Paysandu, do Pará, mas desde abril não coloca os pés na “Metrópole da Amazônia”. Liberado por seu clube após a suspensão das atividades e de volta à sua casa, em Uberlândia, o mineiro concedeu entrevista à Sagres 730 nessa semana e se mostrou bastante pessimista com a situação do país em meio à pandemia do novo coronavírus.

Angustiado pela falta de futebol, o treinador lamentou ainda mais porque “estávamos em um momento muito bom na competição, líder absoluto do Campeonato Paraense e com planos de fazer um Brasileiro fortíssimo, porque tivemos a chance de manter a base do ano passado. Ninguém passou por isso, não só o futebol, a sociedade no todo. Mas sou muito frio com essas coisas em relação ao que temos que fazer. Se a ciência está mandando isolar, o meu isolamento é total”.

“Fiquei 18 dias isolado em Belém, dentro de um apartamento. A partir do momento que resolvemos liberar todos os jogadores, evitei ir até de avião, porque aeroporto estava sendo um foco muito grande de transmissão, então vim de carro de Belém até Uberlândia, inclusive passei por Goiânia”, relatou Hélio, que afirmou estar em isolamento há mais de um mês. Na sua opinião, “o ideal era o isolamento total, acho que o relaxamento é complicado. Estou vendo o que está acontecendo em Belém agora e era previsível que ia acontecer, porque estava sendo muito relaxado e agora estão pagando caro”.

O treinador do Paysandu contou ainda o drama de um funcionário do clube que foi acometido com a covid-19 e teve dificuldades para receber o tratamento pela falta de leitos na capital paraense. Segundo Hélio, “passamos a madrugada tentando com todas as condições que o clube tem, inclusive um dos grandes patrocinadores nossos é o principal hospital da cidade, e ele estava simplesmente fechado. Não tinha nenhuma UTI e nenhum respirador em Belém na madrugada. Isso demonstra o que é essa doença”, alertou.

Até a última atualização da Secretária de Saúde do Estado do Pará, foram confirmados 3.359 casos do novo coronavírus, com 263 óbitos e 1.592 recuperados, em um dos estados do país mais atingidos pelo vírus. O Paysandu, inclusive, perdeu na última semana seu ex-presidente e também experiente político no Pará, Asdrubal Bentes, que morreu aos 80 anos na última segunda-feira (27) em decorrência da covid-19.

Enquanto isso, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pediu às federações o retorno dos campeonatos estaduais a partir do dia 17 deste mês. Questionado se se sente seguro com a volta das atividades, Hélio foi enfático. “De maneira alguma, e não é por trabalhar no Pará. Tenho uma convicção muito grande hoje de que nenhum governador ou prefeito vai liberar qualquer condição para acontecer isso. Outra coisa em relação ao futebol, nem todos têm as mesmas condições de fazer o treinamento com o protocolo que, por exemplo, se andou fazendo no Bayern de Munique”.

Para o treinador, que usou o exemplo dos três principais clubes de Goiânia, Atlético Goianiense, Goiás e Vila Nova, que contam “com uma estrutura física muito boa. Você pode, no Goiás, separar jogadores em três, quatro ou cinco campos, no Atlético praticamente a mesma coisa. Agora, vamos buscar no todo do país. Sou sincero, o Paysandu não tem condições de fazer isso. Um dos grandes erros do Paysandu, que está começando a recuperar agora, é a questão de não ter um CT”.

“Sem falar sobre a segurança no jogo para os profissionais que estão envolvidas, que não são só os jogadores. Olha o envolvimento de pessoas, independente de portão aberto ou fechado, então não vejo condições para isso. Você acredita que, do jeito que está São Paulo hoje, tem condições de ter futebol? No Amazonas, no Pará, em Fortaleza ou no Pernambuco? É uma pena, um problema? É, mas não vamos querer usar o futebol para fazer de conta que as coisas estão voltando à normalidade. Não estão voltando, os números são horríveis e só vão aumentar nos próximos 30 dias”, ressaltou.

Sobre o cenário do futebol pós-pandemia, Hélio dos Anjos acredita que “os números do futebol terão uma readequação. O problema é que quem banca o futebol hoje é a mídia, são as publicidades, e o coronavírus atinge todas as áreas. Em todos os clubes do país houve corte de patrocinadores, o Paysandu, por exemplo, perdeu seis, então vamos ter que ter uma readequação. Uma coisa que é fundamental é a questão do sacrifício de todos, e estou vendo o sacrifício dos profissionais”.

Segundo o treinador, no seu clube “fizemos um acerto de 50% do salário até o momento que voltar a competir”, mas alertou que “daqui a pouco tem muito dirigente e clube que vai querer usar o corona, como já estão tentando, para dar calote nos profissionais. Agora é um momento de sacrifício e o futebol terá que fazer uma reflexão em relação ao pós-corona, e na minha visão vai demorar um pouco. Em qualquer circunstância, antes de agosto não se tem possibilidade de futebol nem mesmo com portão fechado”.

Hélio dos Anjos, treinador do Paysandu (Foto: Paysandu Sport Club)

Há um ano no Paysandu, onde chegou a ficar 21 jogos invicto em 2019, contudo, eliminado nas quartas de final da Série C do Campeonato Brasileiro pelo Náutico em jogo muito polêmico, enquanto sua única derrota na temporada veio na final da Copa Verde, para o Cuiabá, Hélio seguiu com um bom retrospecto este ano. Em dez jogos, venceu seis, empatou três e perdeu apenas um. Até a paralisação do Campeonato Paraense, tinha a melhor campanha do torneio, com 19 pontos em oito rodadas.

Na Curuzu, o treinador conta com alguns velhos conhecidos do futebol goiano, como Tony (ex-Goiás), Wesley Matos (ex-Goiás e Vila Nova), Caíque (ex-Vila Nova e Anapolina), PH (ex-Vila Nova), Vinícius Leite (ex-Vila Nova e Iporá). O futebol do clube também é dirigido por Felipe Albuquerque, ex-diretor e conselheiro colorado. Hélio destacou que “estou tendo o prazer de trabalhar com o Wesley, um jogador de um senso profissional muito grande. Conseguimos manter o sistema defensivo do ano passado, mas o Wesley tem jogado e hoje um jogador já muito importante no nosso contexto”.

“O Caíque já estava lá desde quando cheguei, é um jogador de múltiplas funções, que tem nos ajudado bastante e que temos um respeito, principalmente pela sua dedicação e comprometimento. O PH chegou este ano e estava com uma suspensão por doping, mas começou a jogar e foi muito útil, principalmente em dois clássicos que fizemos (venceu um e empatou outro Re-Pa, principal clássico do futebol paraense, disputado entre Remo e Paysandu). É um jogador que acredito que vai crescer muito”.

Destaque no Iporá, mas com passagem apagada pelo Vila Nova, Vinícius Leite hoje brilha sob o comando de Hélio. “Quando chegamos, ele não era titular da equipe, mas hoje o Vinícius é uma das peças fundamentais da equipe. No aspecto ofensivo, é um jogador decisivo, com o maior número de assistências e dribles, está em um nível técnico muito bom, mas ainda precisa crescer em concentração e foco para manter o nível de atuação mais homogêneo. Estamos confiando muito nesse grupo para esta temporada”, frisou.

Na Série C deste ano, o treinador terá a oportunidade de voltar a comandar um jogo em Goiânia, já que o Paysandu está no mesmo grupo do Vila Nova. Inclusive, o primeiro confronto está marcado já para a segunda rodada do Campeonato Brasileiro, na capital goiana. As duas equipes estão no Grupo A e acompanham Manaus-AM, Remo-PA, Imperatriz-MA, Ferroviário-CE, Botafogo-PB, Treze-PB, Santa Cruz-PE e Jacuipense-BA.

Apesar das dez dispensas realizadas pelo clube colorado desde o início da temporada, Hélio dos Anjos considera o Vila Nova “como um dos principais postulantes ao acesso. É normal, houve um desmanche muito grande de um ano para o outro e não sei se as contratações foram feitas para o ano ou somente para o Campeonato Goiano, mas houve um nível de dispensa muito alto. É sinal de que vão redirecionar um grupo teoricamente mais forte e a intenção da direção e do comando técnico do Bolívar é fortalecer”.

“Nós fizemos um caminho diferente, mantivemos uma base bem definida, fizemos algumas contratações e, tudo acontecendo normalmente, já temos agendadas de quatro a cinco contratações para dar sequência na temporada, porque podemos inscrever jogador caso aconteça o Paraense”. Sua equipe conta com um calendário cheio para o segundo semestre do ano, caso nenhuma competição seja cancelada ou postergada, por isso “acontecendo a Copa Verde, também vamos ter que ter um grupo preparado”.