Em relatório divulgado no ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 500 milhões de pessoas vão desenvolver doenças por causa da inatividade física até 2030. A causa dessa estimativa, no entanto, são os hábitos de saúde adotados pelas pessoas atualmente.

Os brasileiros estão dentro da estimativa da OMS para o surgimento de doenças crônicas nos próximos sete anos. Considerando essa estimativa e os dados do Covitel 2023, que foram divulgados na quinta-feira (29), os hábitos da população em relação à saúde aumentam os riscos de desenvolvimento dessas doenças, como obesidade, diabetes e hipertensão.

O estudo considerou três períodos importantes de mudanças significativas nos hábitos dos brasileiros. Foi verificado então que a prevalência de pessoas fisicamente ativas no Brasil foi de 38,6% no período pré-pandemia. E, ainda, que 30,3% eram ativas no primeiro trimestre de 2022  e de 31,5% no primeiro trimestre de 2023. Considera-se no levantamento fisicamente ativas aquelas pessoas ativos no lazer por pelo menos 150 minutos por semana, com realização de atividades físicas moderadas ou vigorosas. 

Já os inativos fisicamente são as pessoas que não desenvolvem qualquer atividade física para lazer, de deslocamento e no trabalho. A prevalência de pessoas fisicamente inativas foi de  13,1% no período pré-pandemia. Mas esse números aumentou para 18,4% no primeiro trimestre de 2022 e 17,6% no primeiro trimestre de 2023 

Quadro pior

O Covitel 2023 coletou informações da saúde dos brasileiros por meio de um questionário aplicado a nove mil pessoas, entre 2 de janeiro e 15 de abril. Assim, a segunda edição do Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia é o mais abrangente levantamento de dados sobre os hábitos atuais da população brasileira.

Com as restrições impostas para frear o avanço da Covid-19, as pessoas tiveram que passar mais tempo em casa, com menos movimentação e privadas de algumas atividades de lazer, sendo obrigadas, em um longo tempo, a recorrer ao lazer por meio de telas. Entretanto, a nutricionista Kênia Almeida afirmou que os hábitos da população antes da pandemia já eram alarmantes e que, então, os efeitos do isolamento pioraram a situação 

“Tudo isso contribuiu para piorar o que já estava ruim e aumentar ainda mais os fatores de risco para diversas doenças. E a gente fala muito da questão da obesidade, mas a obesidade aumentou com o tempo de tela, as pessoas ficaram mais sedentárias, passaram a comer pior. Aí aumentou a obesidade, só que a obesidade não vem sozinha, ela vem com diabetes, hipertensão, dislipidemias e várias outras doenças”, explicou a nutricionista.

Causas associadas

Associada à inatividade física da grande parte da população estão doenças cardiovasculares e o acúmulo de gorduras no corpo, que ocasiona o sobrepeso e a obesidade. A obesidade é uma doença crônica causada pelo excesso de gordura que facilita o surgimento de outras doenças e que reduz a expectativa de vida das pessoas obesas.

Muito parecido, mas em nível menor de gravidade, o sobrepeso é caracterizado pelo excesso de peso, considerando a média do cálculo do peso ideal por idade e altura do Índice de massa corporal (IMC). Uma das causas do aumento da inatividade física está diretamente associada ao aumento do uso de telas para lazer. 

A prevalência de tempo excessivo de tela, considerado por três ou mais horas por dia, foi de 56,3% no período pré-pandemia, de 58,2% no primeiro trimestre de 2022 e aumentou para 59,9% no primeiro trimestre de 2023. Os jovens com idade entre 18 e 24 anos apresentaram as maiores prevalências em todos os períodos.

Desta forma, 76.2% no período pré-pandemia, 80.2% no primeiro trimestre de 2022 e 76.1% no primeiro trimestre de 2023. Nesta mesma faixa etária, apenas 36.9% praticam atividade física adequadamente e 18.8% são inativos fisicamente, segundo os dados de 2023. Ou seja, menos de 50% da população jovem cuida da saúde física do corpo adequadamente.

Alimentação

Outra causa associada ao surgimento de doenças crônicas é a falta de uma alimentação saudável. Em números gerais do levantamento, observou-se que menos da metade da população consome verduras e legumes  (45,5%) e frutas (41,8%) cinco vezes ou mais na semana. Já a prevalência de consumo de refrigerantes e sucos artificiais é de 17,8%.

Kênia Almeida lembrou que durante a pandemia algumas pessoas tentaram fazer estoque de comida, seja pelo medo dos alimentos sumirem dos supermercados ou pelo medo de sair de casa. Porém, ela explicou que não é simples estocar alimentos. 

“Os tipos de alimentos que estocavam porque tem uma vida útil numa prateleira maior, são os ultraprocessados. Mas eles são ricos em açúcar, ricos em gorduras ruins, em sal, conservantes, aditivos e tudo isso causa ainda mais o aumento das doenças crônicas não transmissíveis e das doenças cardiovasculares”, destacou.

Para melhorar a alimentação, a nutricionista deixou aquela clássica dica de que é mais saudável descascar do que desembalar.

“As pessoas acham que comer bem é caro, mas comer bem não é caro. [Uma opção] é a gente escolher ir na feira, desembalar menos e descascar mais, consumir os alimentos o mais natural possível, evitar os doces, refrigerantes, açúcares e gorduras todos esses ultraprocessados”, contou. 

Além disso, Almeida sugeriu que as pessoas caminhem mais a pé como uma forma natural de praticar atividade física e para se movimentar mais. “Com certeza isso já vai ajudar muito na saúde, não só física mas também mental da população”, disse.

Comportamento

A nutricionista afirmou que todos os hábitos dos brasileiros associados ao surgimento das doenças crônicas é uma questão de “ mudar o comportamento”, visto que os hábitos estão associados à qualidade de vida, como viver mais, viver bem, ter mais saúde e evitar doenças.

“Aqui dentro do consultório, quando a pessoa chega e fala que busca saúde e a gente pergunta para a pessoa o que ela tem que fazer, todo mundo sabe. Sabem que precisa se alimentar melhor, que precisa fazer atividade física, mas por que as pessoas não fazem”, questionou.

A mudança de comportamento deve ocorrer ainda nos primeiros anos de vida, desde a infância com a família, a educação física e alimentação nas escolas, defendeu a nutricionista.

“Isso precisa ser levado a sério desde a base, pois faz com que a pessoa cresça consciente da importância de fazer atividade física. É simplesmente mudança de comportamento. Então tem que trabalhar essa consciência nas pessoas, o serviço público poderia ampliar praças para as pessoas treinar, correr e praticar mais atividades. Isso já aumentou muito, mas tem determinadas regiões que ainda faltam muito incentivo nessa área”, detalhou.

Saúde

Os hábitos de vida refletem como está a saúde da população brasileira. “É muito importante ter política pública de incentivo porque com a prática de atividade física e boa alimentação, vamos evitar doenças e gastos com saúde”, contou. “Mas se as coisas não estão bem, vão aumentar todas essas doenças, interfere na saúde mental, no bem-estar. A definição da OMS de saúde é completo bem-estar físico e mental. Não é só a ausência de doenças, está tudo interligado”, disse.

Portanto, para diminuir a possibilidade da estimativa da OMS se cumprir até 2030 é preciso ir além do problema indicado, mas a todas as questões de saúde associadas, que são os hábitos de saúde da população brasileira. “Se fossemos uma população ativa e com boa alimentação os índices de doenças cairiam muito”, destacou.

“Então, vamos pensar num carro: se eu colocar um combustível ruim no carro ele vai pifar muito antes da hora. E se eu deixar um carro parado na garagem ele também vai pifar. Então eu tenho que colocar um combustível bom e tenho que colocar esse carro para rodar. E assim é o nosso corpo. A gente precisa trabalhar a consciência das pessoas, eu acho que as pessoas têm que ser bombardeadas disso”, completou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 03 – Saúde e Bem Estar.

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