O tabagismo está estável no Brasil, mas a experimentação de cigarro eletrônico e narguilé aumentou, principalmente entre a população com idade entre 18 e 24 anos. A informação consta nos dados do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) em Tempos de Pandemia). O levantamento foi divulgado na quinta-feira (29).
A segunda edição do levantamento ouviu nove mil brasileiros, com 18 anos ou mais. As ligações ocorreram entre janeiro e abril deste ano, nas cinco regiões do país: Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste e Sul. Os dados apontaram que 7,3% da população experimentou o cigarro eletrônico no ano passado e esse número saltou para 8,3% em 2023. E, ainda, que o percentual de jovens que experimentaram narguilé também cresceu, subindo de 7,3% em 2022 para 8% este ano.
Observou-se que o crescimento da experimentação dos novos dispositivos ocorreu principalmente entre a população brasileira com idade entre 18 e 24 anos. No ano passado 19,7% haviam experimentado algum cigarro eletrônico, mas esse percentual saltou para 23,9% no primeiro trimestre de 2023. E o aumento dos que experimentaram o narguilé saltou de 17% para 22,5% entre esse mesmo recorte da população.
Tabagismo estável
Em números gerais, a prevalência de tabagismo (uso de cigarro industrializado, de palha ou de papel, cachimbo ou charuto em qualquer quantidade) foi de 11,8% no primeiro trimestre de 2023. Mas, apesar de ter registrado prevalência de 12,2% no primeiro trimestre de 2022 e 14,7% no período pré-pandemia, ao invés de demonstrarem queda, os números representam estabilidade no tabagismo entre os brasileiros.
A pneumologista, Fernanda Miranda, observou essa estabilidade com preocupação. A profissional explicou que o Brasil fez parte da Convenção-Quadro da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Controle do Tabaco (CQCT/OMS) de 2003, que determinou diversas medidas para que se evitasse e/ou diminuísse o consumo do tabaco em todo o mundo.
“Proibiu-se a propaganda do cigarro, limitou a venda e aumentou os impostos. Enfim, houve uma série de medidas que atuaram fortemente na redução do número de tabagistas no nosso país. Então, se você olhar anos anteriores aos do levantamento nós experimentamos uma forte queda devido a essas medidas implementadas pelo governo”, contou.
De acordo com Miranda, os impactos da pandemia da Covid -19 não alterou o número de fumantes, porém, estudos mostram que aquelas pessoas que já eram tabagistas passaram a fumar mais. O resultado, segundo ela, é a estabilidade. No entanto, a pneumologista demonstrou preocupação com os dados retratados no Covitel 2023.
“Agora a gente está vendo uma estabilidade, mas eu tenho receio que, talvez no futuro, esse número seja ascendente novamente por conta dos novos dispositivos eletrônicos para fumar”, disse.
Novos dispositivos
O cigarro eletrônico surgiu como uma forma de diminuir os efeitos do tabagismo na saúde dos fumantes. Desta forma, ele é um dispositivo que visava auxiliar as pessoas que queriam parar de fumar. Entre os cigarros eletrônicos mais conhecidos estão os pods e os vapes. Juntamente com o narguilé, esses novos dispositivos refletem uma mudança de comportamento dos fumantes no Brasil e no mundo e, consequentemente, promovem alterações na indústria e comercialização do tabaco.
“A indústria do tabaco, vendo que estava perdendo o seu número de usuários com o cigarro convencional, criou esse novo método de se inalar nicotina através dos pods, dos vapes, dos cigarros eletrônicos”, afirmou Miranda.
A comercialização, importação e a propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar é proibida no Brasil pela Resolução nº 46, de 28 de agosto de 2009, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por isso, Miranda pontuou que o Brasil está à frente de muitos países que ainda debatem a proibição dos cigarros. Mas ela destacou que a lei ainda não é cumprida de forma rigorosa.
Entre os principais problemas da propagação desses dispositivos, para a pneumologista, está a propaganda dos produtos. Pois o cenário das restrições para a propaganda do cigarro convencional em 2003, com menos meios de divulgação, sendo direcionados à televisão, à mídia impressa e ao rádio na época, é diferente de hoje.
“Quando a lei de ação de controle do tabaco começou na prática, em todos esses meios passou a ser proibida a divulgação e a propaganda do cigarro. Hoje nós temos as mídias sociais. São inúmeras as formas de propagação de produtos, de vendas. Então, a lei de proibição do cigarro eletrônico vai ser efetiva quando houver punição e rigor para quem descumprir a lei. Afinal, vender cigarros eletrônicos no Brasil hoje é ilegal”, disse.
Propagação
Os dados do Covitel 2023 mostraram que os novos dispositivos cresceram mais entre os jovens. O fato é considerado normal, pois essa parcela da população geralmente é mais propensa a experimentar coisas novas e modernas. No entanto, ressaltou a pneumologista, eles também causam doenças.
“Esses dispositivos contém nicotina que é uma substância com alto poder de causar adição química ou dependência química. Então a nicotina tem um alto poder de causar o vício. E uma vez havendo a dependência química, é muito difícil que esse jovem deixe de fumar com o passar do tempo. E é mais fácil também que ele experimente o cigarro comum, uma vez que já é usuário do dispositivo eletrônico”, destacou Miranda uma consequência da propagação.
Fernanda Miranda afirmou que estudos já mostram a tendência de migração dos usuários de um produto para o outro. Sendo assim, os usuários dos dispositivos eletrônicos que começam por curiosidade, podem se tornar futuros tabagistas. Assim, ela lembrou que as consequências dos cigarros eletrônicos podem alterar os avanços que o país já havia alcançado sobre o tabagismo. A profissional da saúde fez questão de ressaltar os problemas já conhecidos do tabagismo.
“O tabagismo é o principal fator de risco para doenças que pode ser evitado. Então há coisas da nossa natureza, do nosso organismo, da nossa genética que fica mais difícil lidar para se evitar o adoecimento”, pontuou.
Mudanças de hábitos
O Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) em Tempos de Pandemia) levantou dados sobre as mudanças de hábitos da população brasileira nos últimos anos. O levantamento considerou três períodos: pré-pandemia, primeiro trimestre de 2022 e primeiro trimestre de 2023.
Assim, os dados apontaram que alguns hábitos da população aumentam o risco de desenvolvimento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis. Essas doenças são ligadas à prática de atividade física, hábitos alimentares, saúde mental, prevalências de hipertensão arterial e diabetes, consumo de álcool, tabagismo e problemas respiratórios.
Logo, a estabilidade do tabagismo e o aumento da propagação dos cigarros eletrônicos contribuem para o desenvolvimento das doenças respiratórias crônicas não transmissíveis, ou seja, que não são infecciosas. Dentre elas, Fernanda Miranda destacou que as duas de maior prevalência no Brasil são a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e a asma.
“A DPOC ou Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, que as pessoas costumam chamar de enfisema, é aquela doença em que o indivíduo sente falta de ar, tosse crônica e está relacionada com o seu fator de risco, que é o tabagismo. E a asma é aquela que muitas vezes o indivíduo não sabe que tem ou às vezes ele denomina com o nome de bronquite de uma forma errada”, contou.
Doenças respiratórias
De acordo com os dados do Covitel 2023, a prevalência de asma na população brasileira é de 8,8% da população brasileira. Já a DPOC foi de 1,6% e 2 % de incidência de Infecção Respiratória Aguda (IRA). A pneumologista citou que outras doenças respiratórias crônicas que acometem a população são: a fibrose cística; a fibrose pulmonar idiopática; a pneumonia de hipersensibilidade.
Todos esses fatores estão ligados entre si. O tabagismo é uma das causas de doenças respiratórias, junto com outros hábitos do ser humano. “Existem coisas que podemos evitar para não ficarmos doentes. Por exemplo, ter uma dieta saudável, praticar exercício físico, não tomar bebida alcoólica ou fazer um consumo responsável, mas o tabagismo é o principal deles. Se você quer evitar alguma doença, seja respiratória, seja cardiovascular ou até de outros órgãos, o mais importante é não fumar”, afirmou.
Poluição do ar
Entre os fatores mais comuns para o surgimento das doenças respiratórias estão: ambiente com pouca circulação de ar; tempo muito seco; tabagismo e poluição do ar. No entanto, mesmo a poluição do ar sendo um fator de risco para o surgimento de DCNT, o Covitel 2023 destacou que o tema “ainda é bastante negligenciado”.
A pneumologista Fernanda Miranda afirmou que os profissionais da saúde, principalmente os que tratam do aparelho respiratório, já se preocupam com a má qualidade do ar e a poluição ambiental como um fator de risco para o adoecimento.
“São diversas as patologias intimamente relacionadas ao ar que respiramos, principalmente as patologias das doenças respiratórias”, disse. “Estamos tentando levar a população cada vez mais dados e conhecimento para que as pessoas saibam que não só a poluição do ar, mas que também a mudança climática interferem na nossa saúde como um todo e, principalmente, na nossa saúde respiratória”, contou.
Fernanda Miranda afirmou que esse trabalho está sendo realizado pela Sociedade Goiana de Pneumologia e a Sociedade Brasileira de Pneumologia em parceria com a ação Médicos pelo Ar Limpo. “É uma ação muito bacana e inédita, então é a primeira no Brasil, que tem como seus embaixadores médicos que estão levando ao conhecimento da população os efeitos deletérios da poluição ambiental”, disse.
Acesse os dados do Covitel 2023:
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 03 – Saúde e Bem Estar.
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