Chapadão do Céu, 29 de abril de 2020. A vida do jovem João Victor Cardoso mudaria para sempre.

“Eu vi tudo acontecendo. Fui lançado pra cima e cai no telhado da casa. Tava muito quente. Tinha pegado fogo no meu uniforme, nas minhas pernas. Saiu estourando tudo”.

Com apenas 18 anos, completados no dia 1º de março daquele ano, João lutava para vencer na vida pelo trabalho. Era técnico em sistemas eletrônicos de segurança desde os 15 anos, porém naquele dia surgiu um trabalho diferente.

“Foi muito estranho, porque a gente não trabalhava com antenas e apareceu uma, de telefone, para instalar em uma propriedade rural afastada uns 25 quilômetros da cidade. Então, em cima do escritório da fazenda, que era onde queriam que eu montasse a antena, passava uma linha de alta tensão. A antena, de alumínio, tinha 1,80 metros, eu tava carregando e foi quando encostou no fio”.

O acidente deixou João Victor por 45 dias internado no HUGOL, em Goiânia. Com a descarga elétrica, teve as duas pernas amputadas do joelho pra baixo.

“Dia 5 de maio, foi quando amputaram minha perna esquerda, que tava muito queimada. Eu não conseguia fazer o movimento de articulação do pé. Depois, no dia das mães, no domingo, tiveram de amputar a minha perna direita também. Comecei a melhorar, mas tive uma infecção no local da amputação da perna esquerda. Fiquei com o membro aberto, não foi nada fácil”.

Assim João Victor descreveu esse importante capítulo de sua vida. Hoje com 21 anos, esbanja alto astral e confiança. Características de quem se tornou um “milagre” e ainda espera vencer pelo trabalho, na correria, afinal se tornou paratleta e luta por coisas grandes, como uma vaga nas Paralimpíadas de Paris 2024

A rifa

Durante o período de internação, João sabia que não tinha tempo a perder. No HUGOL, começou a fisioterapia. Saiu de lá cadeirante, até conseguir comprar sua primeira prótese. Se a empresa onde trabalhava pagou? Nada disso.

“Falavam que a empresa teria de pagar, mas cada um correu para um lado. Estou com um processo na justiça aberto contra eles”, lembra João Victor, que então apostou na “velha” e conhecida rifa em Chapadão do Céu, já que pelo CRER – Centro Estadual de Reabilitação e Recuperação Dr. Henrique Santillo – a prótese também não saiu.

“Coloquei a prótese convencional no dia 29 de agosto. Gastei R$ 55 mil que arrecadei com a rifa”, disse João Victor, que logo testaria as “laminas” e se tornaria um paratleta.

Chegada do esporte

Antes de colocar a prótese convencional, assim que saiu do hospital, João Victor já pesquisava muito pela internet qual a melhor maneira de deixar a cadeira de rodas. Aliás, foi o momento mais complicado pós amputação.

“A parte mais difícil foi quando fiquei cadeirante. Aí é complicado, sobretudo aqui em Goiânia, porque para cadeirante é canseira. Sozinho, ninguém vai não”.

Mas a parte difícil logo ficou para traz. Já com a prótese convencional, testou uma de corrida. Foi o ponto de partida para colocar na cabeça que se tornaria um corredor de alto rendimento. O único até hoje no estado de Goiás.

“Quando fui fazer a avaliação para a minha primeira prótese, conheci a de corrida. Depois de um tempo de adaptação com a prótese convencional, testei a especial, de corrida, em março, quase um ano depois. Sai praticamente correndo”. E correu mesmo. Tanto, que teve de fazer uma outra “correria” para comprar sua “lamina” especial.

“Corri atrás, comprei a primeira lamina por R$ 55 mil. Era intermediária, mas fui com ela para as competições. Consegui marcas muito boas, foi quando o dono da clínica onde faço fisioterapia, conseguiu uma prótese profissional pra mim. Em abril do ano passado, chegaram as laminas profissionais, que melhoraram muito a minha performance”.

Provas e índice

De próteses novas, João Victor se tornou (definitivamente) um atleta de alto rendimento. Ao lado de seu técnico José Adriano Bispo de Araújo, o “Jabá”, passou a competir profissionalmente na categoria T62 – para atletas duplamente amputados. E é nos 400 metros que corre por índice para os jogos paralímpicos em Paris no ano que vem.

“Preciso correr em um 1 minuto. Na minha última competição oficial, corri um segundo acima. Agora, nos treinos que estamos fazendo em ritmo de competição, estou correndo abaixo, em 57 segundos”, detalha João, que tem seu calendário de provas definido.

“A próxima prova é em maio, as Paralimpíadas de Goiás, classificatória para os jogos paralímpicos universitários. Aí são duas fases, uma em junho outra em setembro. Se eu conseguir índice, me garanto para a fase do Circuito Loterias e o Parapan, aí sim posso garantir. Estou confiante. Quero chegar e mandar aquela marca. Já teve uma primeira etapa de competições, mas estou me guardando”, explicou João Victor, que praticamente não tem adversário, já que outros dois nomes conhecidos do paratletismo brasileiro, Alan Fonteles e Roger Jacinto, priorizam os 100 metros.

Vai de bicicleta

E com uma rotina corrida de treinos, João Victor não para. Tem academia, fisioterapia, natação, sempre na bicicleta pra cima e pra baixo. E ainda arruma tempo para as aulas do curso de educação física, que só começou a cursar depois de começar administração.

“Quando acidentei, pensei: vou ter que fazer uma faculdade mais tranquila. Vou ter que arrumar um emprego que eu fique mais sentado, então comecei a cursar administração. Mas a minha evolução física me fez mudar para educação física. Estou no 2º período na UNICESUMAR, de Maringá, no Paraná. Faço EAD – Educação a distância”, destaca o paratleta, que conta com o apoio de algumas empresas, porém perdeu a bolsa estadual para atletas de alto rendimento por questões burocráticas e ainda não conta com apoio dos programas do paradesporto do Governo Federal.

“Ainda não tenho, porque não possuo uma classificação internacional. Só corri aqui no Brasil”, detalhou João Victor, que é fã do Ulsan Bolt e do Bodybuilder (fisiculturista) Edgarg Jean Augustin, que também é amputado.

Amputação impede?

E se a amputação o impede de fazer algo? “Estou tentando descobrir. Já tirei carteira de motorista”, respondeu João Victor, que é grato à vida, com ou sem índice olímpico, sempre com sorriso no rosto e alto astral.

“Na hora acidente, só pensei: será que vou morrer com apenas 18 anos? Foi o único pensamento ruim que tive desde então. passada a internação, defini que tinha que partir pra cima”.

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