Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, constataram que o processo de restauração florestal utiliza menos de 8% da flora arbórea existente na Mata Atlântica original, o que leva a uma homogeneização homobiótica, isto é, são plantadas sempre as mesmas espécies de árvores, independentemente de suas particularidades locais.

Os resultados são apresentados pela pesquisadora, Crislaine de Almeida, em sua tese de doutorado O que se planta na restauração da Mata Atlântica: uma análise florística e funcional, realizada na Esalq e no Laboratório de Silvicultura e Pesquisas Florestais (Laspef) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 

Para isso ela analisou o registro das árvores plantadas, mantido pela organização não governamental SOS Mata Atlântica. Os dados são de 2002 a 2018 e contém a descrição de espécies e a localização das árvores.

Crislaine comparou com os dados de florestas remanescentes (aquelas que permaneceram intactas, sem a ação do homem e, portanto, preservam a biodiversidade original da Mata Atlântica).

“No meu trabalho a ênfase foi dada a regiões de restauração ambiental, que é diferente do reflorestamento do ponto de vista técnico. O reflorestamento é colocar plantas em uma determinada área sem levar em conta o contexto da região, enquanto a restauração ambiental busca métodos para recompor a vegetação a partir de informações de cada local. No entanto, a diversidade de plantas nativas da Mata Atlântica disponíveis para esse processo ainda é baixo”, aponta Crislaine.

Um dos primeiros desafios enfrentados pela pesquisadora foi lidar com o armazenamento de informações ao longo dos anos, tais como organizar a grafia para os nomes científicos das plantas, no que ela descreveu como “uma padronização dos conceitos das planilhas”.

Em seguida, foi necessário encontrar dados das florestas remanescentes para comparação, disponíveis no projeto Treeco – Neotropical Tree Communities Database, uma base de dados que compila, armazena e sintetiza o conhecimento existente sobre a estrutura e diversidade de árvores neotropicais.

O Treeco é administrado pelo pesquisador Renato A. F. Lima, também professor da Esalq, que cedeu os dados e auxiliou na organização destas informações.

Por fim, Crislaine de Almeida ainda realizou um estágio de quatro meses na Universidade Virginia Tech, nos Estados Unidos, com o professor Leighton Reid, para as análises e as avaliações com ferramentas estatísticas.

O professor Ricardo Augusto Gorne Viani, orientador da pesquisa e professor da UFSCar, avalia que a colaboração intensa de diferentes entidades e pesquisadores permitiu construir “um resultado robusto”, isto é, com evidências fortes. De fato, a pesquisa confirmou a ideia de que havia uma certa padronização das ações de restauração e não retratava a diversidade da mata original, o que confirmou a observação de campo dos cientistas com dados concretos.

Limite para os subtipos de Mata Atlântica no Brasil e localização dos plantios e remanescentes florestais analisados – Imagem: Cedida pelos pesquisadores ao Jornal da USP

O mapa mostra regiões perto do litoral onde a floresta é densa, com alta umidade e chuvas durante todo o ano: este perfil é chamado de floresta ombrófila densa. Outros trechos da Mata Atlântica possuem um regime de seca anual, com perda parcial de folhas das árvores: a floresta estacionária semidecidual.

E, na região Sul, em climas de altitude, há presença de araucárias, nativas de apenas algumas regiões. Como se pode observar, tanto as regiões de florestas remanescentes como as regiões de restauração analisadas estão espalhadas por diversos estados: Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

As regiões de restauração utilizam mudas disponíveis cultivadas em viveiros, que priorizam espécies de crescimento acelerado e com sementes disponíveis, sem reproduzir a diversidade vegetal. “Entretanto”, acrescenta o professor Ricardo Viani, “isto não quer dizer que a floresta permaneça sempre igual. À primeira vista, parece ruim, mas só saberemos disso no futuro, com mais estudos.” 

Outros alunos orientados pelo professor Viani iniciaram as pesquisas sobre o funcionamento da restauração florestal e procuram verificar como essas áreas se desenvolvem ao longo do tempo.

“A primeira hipótese”, segundo o pesquisador, “é que as árvores plantadas inicialmente propiciem a chegada das outras espécies diversas trazidas pelos meios naturais de dispersão de sementes e a diversidade vegetal aumente. Assim, o que plantamos não é tão relevante e a mata pode voltar a ser o que era.

Por outro lado, se o que estiver crescendo debaixo das árvores plantadas na restauração for parecido, a gente vai ter que aumentar a representatividade da flora nativa de cada espaço.”

*Com informações de Ana Fukui do Jornal da USP

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