Quando trocou a chuteira pelo tênis, Antônio Carlos da Costa, mineiro da cidade de Frutal, não esperava virar um exemplo pra quem gosta de superar desafios. Tudo começou em 1999, aos 41 anos. Aquele futebol semanal com os amigos já não era o mesmo.

“Jogava futebol de salão e futebol society, mas machucava muito e demorava a sarar”, lembra Antônio, que desde então, virou um “andarilho de rua”, como ele mesmo se define.

“Optei por parar de jogar e virei um “andarilho de rua”. Andava muito”.

A história do Antônio, conhecido por todos pelo apelido de Tunico Bunito, hoje com 64 anos e quase 23 mil quilômetros percorridos – registrados desde 2017 por um aplicativo – se destaca entre tantas de superação. Aliás, se tornar um “andarilho” foi uma opção que fez com que Tunico não só abandonasse o futebol, mas serviu para enfrentar um dos problemas que mais afetam a sociedade hoje em dia: a bebida.

“25 de agosto de 1999, deixei a bebida total. Não bebo mais nada de álcool. Foi a quinta tentativa que fiz de parar. Eu bebia todos os dias no barzinho depois do expediente no banco. A bebida atrapalha, então a caminhada me ajudou muito nesta decisão de deixar a bebida. Porque eu saia do banco e já ia caminhar e não ia para o bar”, relata Tunico, que após as caminhadas e corridas se viu cercado de muitas pessoas, que ele faz questão de arrastar para uma vida mais saudável.

“Procuro arrastar todo mundo. Homens, mulheres, crianças. Dou uma camisa de treinamento pra que as pessoas possam ir pela primeira vez. Vou andando ou correndo. Sou muito requisitado para ser companhia em Uberaba, especialmente nos trechos de zona rural. Não tenho corrida de velocidade, mas tenho de resistência. Tenho facilidade para arrebanhar as pessoas”, detalha Tunico, que tem o reconhecimento de muitos profissionais e amadores que vivem e gostam de correr. Só em 2022 foram 37 corridas, 16 maratonas e quatro ultramaratonas.

E o apelido?

Bancário em Conceição das Alagoas – que fica a 67 quilômetros de Uberaba, onde também tem residência -, Tunico registra seus feitos nas redes sociais. A conta no Instagram detalha percursos e tempos. Sempre acompanhado, não economiza nas fotos. Com tanta gente ao seu redor, correndo e correndo, claro que surgem as boas amizades, porém o apelido de Tunico Bunito, hoje uma marca registrada, veio antes das corridas.

“Foi em 1983 com uma amiga minha que hoje mora no Rio de Janeiro. Quando ela era criancinha, eu era amigo do pai dela, trabalhávamos no Banco do Brasil. Quando a gente se encontrava, ela falava “Tunico” e repetia, mas parecia que saia “Bunito”. Ela se chama Mabel e ficou Tunico Bunito. Gostei e eu mesmo mantive. Foi um pontapé que ela deu e pegou na minha cidade. Pode chegar e perguntar pelo Tunico Bunito, que todo mundo dá notícias”.

E pelas redes sociais dá pra ver como o Tunico Bunito é querido. Homens e mulheres correm com ele. Tem também as crianças, como a “mascotinha” Clarice.

“Fiquei muito feliz de chegar em uma casa de um casal de corredores e a filhinha dizer que queria correr igual o Tunico. Isso pra mim é impagável. É o maior troféu. Então mandei fazer uma camisa de corrida de nossa Senhora de Guadalupe pra ela, porque sempre corro com ela, já que sou devoto. Essa menininha, a Clarice, é minha mascotinha”.

Início na corrida

Em 2016, Tunico foi estimulado pela amiga Ana Marfisia com quem trabalhava no Banco do Brasil em Conceição das Alagoas a correr pela primeira vez. Era novembro daquele ano e ela o inscreveu numa prova em Uberaba.

“Fui lá e corri 5 quilômetros em 37 minutos. Sofri, pois não tinha capacidade nenhuma, com uma dor ao lado na barriga, mas gostei do ambiente, com muitas fotos, pessoas se abraçando, então pensei que poderia dar certo”, lembra Tunico, que não esquece de outra prova, aquela que fez com que não parasse mais de correr.

“Foi a Corrida das Torcidas, em Belo Horizonte, em março de 2017. Eu tinha 57 anos e fui abordado pela minha filha, meu filho, minha sobrinha e meu irmão, que mora em Belo Horizonte. Me chamaram pra correr, então eu fui como cruzeirense. Meus filhos e minha sobrinha disseram pra eu não correr muito, pois poderia ser perigoso, mas eu treinei escondido e cheguei na frente dos quatro que foram comigo. Depois voltei para Uberaba e entrei definitivamente no mundo da corrida. Me filiei na associação dos corredores de rua e comecei a receber muitas informações sobre as corridas na região”.

Vai na fé

A devoção por Nossa Senhora de Guadalupe, estampada nas camisetas de corrida de Tunico, começou antes da primeira maratona, em abril de 2018, na cidade de Uberlândia. Na ocasião ganhou de um bispo, amigo da família, uma camiseta com a imagem da santa, que não lhe abandona na maioria das provas. Aliás, as demonstrações de fé estão misturadas às aventuras de Tunico.

“Fiz Goiânia para Trindade umas 33 vezes, agora faço correndo, pelo menos foi assim nas últimas dez vezes. Gosto muito desse trecho, pois faz tempo que não vou. Também descobri o Caminho da Fé – de Tambaú até Aparecida – fiz por duas vezes esse caminho. Uma vez em nove dias, outra, em 12 dias, achei maravilhoso, gostei demais dessa caminhada, que são 420 quilômetros. Já fui também na peregrinação de Uberaba para Romaria, que são 130 quilômetros, que fazemos em três noites, acompanhado por um grupo de romeiros”.

Números

Ao todo são 170 corridas com 71 troféus de categoria, sendo dois no geral – em ultramaratonas, quando foi 4º lugar em uma prova de 85 quilômetros e 5º em outra de 50 quilômetros. São 25 maratonas e seis ultramaratonas. Para Tunico, a ultra de 106 quilômetros entre Franca e Rifaina, no interior de São Paulo, tem um sabor especial.

“Gastei 14 horas e 59 minutos. É a corrida do meu sonho. Posso até fazer uma corrida maior, mas essa me transformou, foi incrível. Senti uma força e aprendi que tudo é possível para o ser humano. Eu estava detonado por volta do quilômetro 55 e era uma corrida que a gente podia ter o apoio de um carro, então meu filho estava comigo, incentivando muito, animado demais, então renasci, as forças foram voltando e terminei correndo a prova”.

Exemplo

Quando atendeu a reportagem do Sistema Sagres, Tunico estava em Canoas, no Rio Grande do Sul. A viagem não era para uma nova corrida, afinal foi visitar a filha que tinha dado a luz ao seu primeiro neto, o Antônio, que nasceu no dia 5 de janeiro de 2023. O agora vovô Tunico, pai de três filhos, casado com Bahiana Lucimar, não pensa em parar de correr, muito menos deixar de ajudar.

“Quem ajuda, ajudado é. Me fortaleço muito ajudando o próximo. Não penso em parar. Quero ser exemplo para as pessoas. Estou sempre junto”, ressaltou Tunico, que não recusa um convite para um longuinho ou um longão e já tem planejado todo o seu calendário em 2023, com 30 provas confirmadas de março até dezembro.

“No dia 22 de abril tem as 24 horas de Toledo, no Paraná. Quero correr 130 quilômetros. Dobrar a minha idade”, finalizou Tunico, o “andarilho de rua”, que faz 65 anos exatamente no dia da prova”.

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