A servidora pública Sheyla Lima, de 34 anos, do perfil @endometrioselutadiaria, levou quase uma década para descobrir que estava com endometriose. Antes disso, ela passou por sete especialistas e fez todos os tipos de exame possíveis, sem sucesso, além de tomar diversos medicamentos diariamente para conter as dores.

“Sempre sofri com muita cólica, fluxo intenso. Por vários anos eu sofri com essa doença, e que nesse período tirou algo muito precioso em minha vida, que é a qualidade de vida. Não há nada pior do que quando algo afeta a qualidade de vida. Até encontrar o tratamento, fiquei por anos tomando medicamento todos os dias. Dormia e acordava com dor, e eu via que o remédio já não fazia mais efeito”, afirma Sheyla.

Sheyla Lima (Foto: Instagram/@endometrioselutadiaria)

A endometriose, doença foco da campanha de prevenção Março Amarelo, é uma modificação no funcionamento normal do organismo em que as células do tecido que reveste o útero (endométrio), em vez de serem expulsas durante a menstruação, se movimentam no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal, onde voltam a multiplicar-se e causam sangramento. Além disso, as causas da doença ainda não são bem estabelecidas, e não há consenso sobre a cura. 

Experiência própria

Segundo Sheyla, as dores ocorriam dentro e fora do período menstrual, e havia um incômodo maior principalmente durante a relação sexual. A infertilidade também era um dos problemas. O diagnóstico de endometriose só aconteceu em 2017. A essa altura, a doença já havia afetado não apenas a parte física, mas também a mental e financeira. 

“Alguns exames e procedimentos os planos de saúde não cobrem, e também não tivemos atendimento no SUS, então acaba que afeta a parte financeira. Tem três anos que eu nasci de novo, porque agora é que estou tendo o tratamento e uma qualidade de vida melhor. Agora que consigo vir para o meu trabalho, mesmo no período menstrual, porque antes eu não conseguia”, relata. 

Mistério e sintomas

De acordo com a médica nutricionista e especialista em endometriose em fertilidade, Michelle Jota, o diagnóstico de endometriose ocorre realmente de forma tardia, de 7 a 9 anos, em média. “Isso porque não se sabe que os sintomas são de endometriose, não se sabe da existência da própria doença. Isso atrasa tanto o diagnóstico quanto o fato de a paciente procurar ajuda, e ocorre também de o próprio profissional não levar a sério a sintomatologia que essa mulher traz”, afirma. 

O exame ginecológico clínico é o primeiro passo para o diagnóstico, que pode ser confirmado por exames laboratoriais e de imagem. De acordo com a especialista, a ultrassonografia e a ressonância magnética da pelve com preparo intestinal são os exames específicos para investigar a existência ou não de endometriose. Já a certeza da enfermidade se dá por resultado de biópsia.

Michelle Jota reforça que os sintomas variam muito de uma paciente para outra, e que algumas são inclusive assintomáticas.

Michelle Jota em entrevista à Sagres (Foto: Sagres Online)

“Infelizmente a endometriose não é uma régua, que todo mundo vai ter o mesmo sintoma ou uma mesma dor. Existem casos desde aquela mulher que tem zero dor àquela que tem muita dor ao ponto de ter que correr para o hospital, tomar morfina e, mesmo assim, não resolver”, alerta. 

A especialista alerta que nenhum tipo de dor pode ser ignorado. “Se você tem uma dor que é persistente, recorrente, como a dor para fazer xixi, para fazer cocô, dor no ciático, se isso te incapacita, não dá conta de trabalhar, fazer uma faxina na casa ou outras atividades corriqueiras, isso é um sinal de alerta. A dor é um pedido de socorro do corpo e ela deve ser investigada”, complementa. 

Mudança de hábito

A alimentação e a realização de atividades físicas regulares passaram a fazer parte do dia a dia de Sheyla. Foram essas mudanças e o acompanhamento constante que fizeram com que os remédios não fossem mais necessários.

“Tive que mudar meus hábitos alimentares, tive de incluir atividade física intensa. Quando iniciei esse tratamento eu fazia o uso de hormônio, mas depois que repeti os exames e vi que a doença estava controlada, eu pude suspender esses medicamentos. Hoje eu não utilizo nenhum medicamento, mas sempre com a supervisão do meu médico e sempre refazendo os exames”, relata.

Rede de apoio

Segundo Sheyla Lima, o sucesso do tratamento se deu principalmente por conta da proximidade com a família e amigos. Ela conta que o silêncio é um dos principais aliados da endometriose.

“Quando você tem uma rede de apoio como o seu parceiro, seus familiares, amigos, faz toda a diferença. Mas é preciso falar. Se você não fala o que está passando, como as pessoas irão saber? Por anos eu sentia vergonha, eu não falava para as pessoas o que eu tinha, e eu era muito fechada, calada”, afirma.

Outro fator que pode complicar o combate à doença é a falta de informação. Sheyla Lima utiliza a própria experiência com a doença para ajudar outras mulheres.

O perfil no Instagram Endometriose Luta Diária já conta com mais de 10,6 mil seguidores e mais de 800 publicações sobre o assunto. Ela frisa a importância da campanha Março Amarelo e o acompanhamento multiprofissional para superar a enfermidade.

“É nessa linha que temos de andar para ajudar as mulheres, porque se elas tiverem o diagnóstico mais cedo, o tratamento vai ser mais fácil. Fiz tratamento com hormônio, com cirurgia, e não tive sucesso porque não tinha informação. Para tratar essa doença não é apenas com o médico, com o ginecologista. É também o nutricionista, o psicólogo, alguém da área de educação física. São vários pilares para o tratamento”, pontua.

Saúde mental

De acordo com Michelle Jota, a saúde mental é fundamental para o sucesso no tratamento contra a endometriose. “Uma mente doente adoece o corpo. A gente também precisa agir nessa questão da nossa emoção, do nosso mental. Essa parte do tratamento natural com atividade física, alimentação, o controle das emoções, o intestino funcionando todos os dias e a imunidade, tudo isso é a base para que qualquer outro tratamento funcione”, conclui. 

Recomendações para lidar com a endometriose:

– Não imagine que a cólica menstrual é um sintoma natural na vida da mulher. Procure o ginecologista e descreva o que sente para ele orientar o tratamento;
– Faça todos os exames necessários para o diagnóstico da endometriose, uma doença crônica que acomete mulheres na fase reprodutiva e interfere na qualidade de vida;
– Inicie o tratamento adequado ao seu caso tão logo tenha sido feito o diagnóstico da doença;
– Saiba que a endometriose está entre as causas possíveis da dificuldade para engravidar, mas a fertilidade pode ser restabelecida com tratamento adequado.

Segundo dados do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) e o Sistema de Informação Hospitalar (SIH), no Sistema Único de Saúde (SUS), em 2019 foram registrados 24.560 atendimentos ambulatoriais para pacientes com endometriose e realizadas 11.989 internações na rede hospitalar. Em 2020, primeiro ano de panademia, houve 19.858 atendimentos e 7.202 internações.

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