Na última quarta-feira (3), aconteceu o segundo webinário da consulta pública que objetiva debater as mudanças observadas no Novo Ensino Médio. O evento faz parte da programação anunciada em março, que prevê um período de 90 dias para escuta de estudantes, profissionais e pesquisadores em educação.

Nesse sentido, o evento ouviu representantes de institutos nacionais, como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Além disso, escutou professores e pesquisadores com experiência no debate de temas ligados a políticas públicas para a educação.

Novo Ensino Médio

O Novo Ensino Médio já vem sendo um dos alvos principais de debates educacionais ao longo dos primeiros meses deste ano. Inclusive, o tema inspirou a criação de uma série de podcasts produzidos pelo Sistema Sagres. Na série, aparece a pergunta central: “Qual é o Ensino Médio que queremos?”, já disponível nas principais plataformas de podcast.

Durante a consulta pública, a existência de lacunas no novo modelo, resultado da Lei nº13.415, foi levantada pelos especialistas. As redes de ensino implementam as mudanças desde 2022, em todo o país.

A composição dos chamados itinerários formativos, o prejuízo para a formação geral básica e os desafios para a educação profissionalizante foram exemplos citados.

Desafios

“Quais são as condições infraestruturais do Ensino Médio?”, foi o questionamento proposto pelo doutorando em Educação e representante do INEP, Edson Fernandes. Para ele, a construção de políticas para a equidade deve considerar a realidade das diferentes escolas no país.

Além disso, a própria composição dos itinerários formativos, ou seja, grupos de disciplinas escolhidas pelos alunos de acordo com seus interesses, é vista por alguns especialistas como ineficaz.

A transmissão do webinário de consulta pública é transmitido ao vivo nas redes do MEC (Foto: Reprodução Youtube/ Ministério da Educação)

Dessa forma, a desigualdade é verificada sobretudo na realidade de municípios com pouca oferta de escolas para o Ensino Médio, e que lidam com dificuldades estruturais. Entre elas, é possível citar a dificuldade do acesso às tecnologias por famílias mais vulneráveis, a grande parcela de professores com contratos temporários e a dificuldade de implementação da oferta de matrículas para ensino integral.

“A escola deve oferecer os itinerários formativos de modo que o estudante consiga exercer autonomia e direito de escolha”, afirmou o pesquisador.

Inconsistências

No debate em curso, os grupos que defendem a completa revogação do modelo ou aqueles que apontam mudanças urgentes, ressaltam as diferenças verificadas entre as realidades dos estados das diferentes regiões do Brasil como um dos principais argumentos.

“Alguns estados, com muitas dúvidas e ambiguidades, conseguiram avançar com a reforma do Ensino Médio. Mas, de fato, a reforma avança com um ritmo muito desigual no país”, afirmou a pesquisadora em Educação da PUC-Rio, Alice Bonamino.

Segundo a professora, a implementação da reforma até o momento demonstra as assimetrias existentes no cenário brasileiro. Diante disso, Bonamino ainda defende que é preciso fazer ajustes importantes na proposta curricular do Ensino Médio. Dessa forma, essas mudanças incluem a própria escolha de conteúdos e as abordagens apresentadas aos alunos.

Formação Geral Básica

No atual modelo, a Formação Geral Básica corresponde a 60% da carga horária total das aulas e integra disciplinas como Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa. Além disso, existem as áreas que atualmente se apresentam como grupos mais amplos, entre eles, o de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza e suas tecnologias.

“As opções que seriam de enriquecimento curricular estão sendo feitas em detrimento da formação necessária para o mundo de hoje”, afirma Romualdo de Oliveira, Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e representante da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae).

Para ele, o novo modelo não resolve problemas amplamente citados por especialistas, como a falta de atratividade para os alunos, aproximação das novas tecnologias e a ausência de preparação para o mercado de trabalho.

“A reforma não resolve os problemas principais que temos no Ensino Médio”, destacou.

Propostas

Durante o webinário da consulta pública, o Ministério da Educação também conduziu um momento de oferecimento de propostas, de acordo com as problemáticas citadas pelos próprios especialistas.

Em primeiro lugar, as diferenças entre as realidades de escolas públicas e privadas no país foi mais uma vez colocada como um dos centros da discussão.

Renda

“Precisamos olhar para o que os estados estão fazendo de positivo”, afirmou a pesquisadora Alice Bonamino. Segundo ela, uma boa proposta é a de assegurar que os alunos passem mais tempo na escola. Para isso, uma das alternativas é a ampliação de matrículas no tempo integral.

No entanto, essa ampliação não condiz com a realidade encontrada nas regiões mais pobres do país. “Nós já vimos que as escolas de tempo integral melhoram o desempenho dos alunos, mas que em geral, são frequentadas por alunos de nível socioeconômico mais alto”, reiterou.

“Temos que ter programas de renda cidadã para trazer esses jovens de volta para a escola”, destacou o pesquisador Romualdo de Oliveira. Ademais, para ele, políticas de manutenção do Ensino Médio noturno são indispensáveis, haja vista que a parcela mais empobrecida da população depende do oferecimento do turno.

Revisão de itinerários

Um dos pontos trazidos por apoiadores do novo modelo é a ideia de que a oferta de itinerários, escolhidos pelos próprios alunos, eleva o aspecto de autonomia e nesse sentido, contribui para o aumento do interesse dos estudantes pelos conteúdos de sua grade curricular.

De acordo com dados do Censo de Educação Básica de 2022, cerca de 48% dos municípios brasileiros apresentam 1 escola com a oferta do Ensino Médio. Nesse sentido, especialistas apontam que a oportunidade de escolha se torna mais restrita à medida que municípios não terão espaço, ou recursos disponíveis, a fim de que a oferta diversificada se torne viável

“É preciso criar espaços que sejam capazes de beneficiar sobretudo os alunos mais vulneráveis”, ressalta Alice Bonamino.

Ela destaca que para a construção de propostas efetivas, é necessário considerar diferentes dimensões, nesse sentido, abranger tanto os aspectos sociais, como os pedagógicos, ligados à aprendizagem.

Educação Profissional

Inserido entre os itinerários formativos apresentados pelo Novo Ensino Médio, está o itinerário técnico profissionalizante.

A construção desse tipo de formação e os principais desafios para uma condução efetiva são exemplos dos tópicos debatidos no quinto episódio da série sobre o Ensino Médio produzida pelo Sistema Sagres. Nele, o professor Ramon de Oliveira, especialista em educação profissionalizante, faz considerações importantes sobre o tema.

Para Bonamino, é preciso repensar principalmente a maneira pela qual a Educação Profissional está sendo proposta pelo novo modelo. Nesse contexto, ela destaca que o Estado precisa ser capaz de oferecer qualidade de ensino nas duas formações, tanto na geral, como para a profissional.

O pesquisador Romualdo de Oliveira, destaca que grande parte dos alunos da faixa etária entre 15 e 17 anos estão fora da escola pois se deparam com a necessidade de um emprego.

Nesse sentido, a consulta pública evidenciou a relevância da oferta do ensino noturno, sobretudo com qualidade, para alunos que precisam conciliar os estudos com atividades profissionais.

“O que está acontecendo em muitos estados brasileiros é que essas ofertas estão desaparecendo”, alerta Oliveira.

Etapas articuladas

A conexão entre as etapas iniciais da trajetória escolar com os efeitos vivenciados nas etapas posteriores também é um dos argumentos defendidos por especialistas em educação. De acordo com a professora Alice Bonamino, isso é ainda mais evidente em relação aos anos finais do Ensino Fundamental, correspondente às séries que vão do 6º ao 9º ano.

“O fundamental 2 não entrega para o Ensino Médio o aluno com a formação geral necessária”, afirmou.

Segundo ela, uma via possível é a proposição de um regime de colaboração entre escolas estaduais e municipais, já que grande parte da educação fundamental fica a cargo dos municípios.

Educação para o futuro

“Qualquer formação profissional hoje é provisória, porque a tecnologia muda em um ritmo tão rápido que você não tem como formar para o mercado de trabalho a longo prazo”, afirma o Doutor em Educação, Romualdo de Oliveira.

Além disso, ele destacou a ideia de que a formação profissional precisa ser adequada às demandas do século XXI e atenta às mudanças em curso na sociedade. Para ele, um dos bons exemplos já existentes é o modelo observado nos Institutos Federais (IFS).

Segundo Oliveira, o momento atual torna necessária a união de agentes políticos ligados à educação, pesquisadores, estudantes e professores.

“Nós temos que construir um consenso na sociedade brasileira que seja capaz de criar uma proposta de novo ensino médio que tenha legitimidade para ser aprovada no Congresso Nacional”, afirmou, visto que o Novo Ensino Médio tornou-se Lei em 2017. Logo, uma possível revogação partiria como ação do Congresso.

As palavras debate e consenso aparecem com frequências nos discursos sobre o tema. Assim, Oliveira reitera que articulação é etapa fundamental para possíveis avanços.

“Nós temos que dar uma resposta que dê um salto de qualidade à uma polaridade que tem nos paralisado”, concluiu.

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