Em tramitação no Congresso nos últimos meses, a proposta da reforma tributária ainda pode ser analisada em 2023 por deputados e senadores. Simplificar o número de impostos no Brasil é o principal objetivo do novo texto. Atualmente, cinco tributos são cobrados nas áreas de serviço e comércio, assim, a intenção é diminuir para apenas dois impostos.
Em recente entrevista para a Agência Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou confiança na promulgação da reforma ainda em 2023. Em outra reportagem, destacou que o mérito do governo foi tratar o assunto como uma prioridade do Estado.
“A reforma tributária não é um projeto de governo. Um governo precisa, obviamente, impulsioná-la. Mas acho que um dos grandes méritos dessa reforma é que, apesar de eu ter anunciado como prioridade do meu primeiro ano de gestão, eu nunca tomei ela para o governo”, disse, em participação na Conferência Itaú Macro Vision, em São Paulo, no último dia 9.
Diante da confiança do Governo Federal pela aprovação da reforma tributária, como ficará a nossa economia nos próximos anos? E o reflexo para o dia a dia das famílias brasileiras?
“Na parte da simplificação, posso concordar”, disse o economista Júlio Paschoal, professor da UEG – Universidade Estadual de Goiás -, em referência à diminuição no número de impostos, com o surgimento da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) – que substitui o IPI, PIS e Cofins, no âmbito federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) -que unifica o ICMS e o ISS, ambos com gestão dos estados e dos municípios.
Em entrevista ao Sistema Sagres de Comunicação, o professor Júlio, no entanto, destacou que esperava mudanças mais profundas, especialmente na redução dos encargos, além de demonstrar preocupação com o número de exceções (cobrança diferenciada para alguns setores).
Exceções
Mesmo que o novo sistema tributário estabeleça uma alíquota geral, alguns setores terão tratamento diferenciado. Assim, com a ampliação das exceções, a alíquota geral aumenta. Ou seja, se um setor deixa de pagar parte do imposto, o público geral pagará um pouco mais para compensar. A alíquota será definida posteriormente, por meio de lei complementar e a expectativa, dentro do Ministério da Fazenda, é de que o novo imposto fique entre 25,45% a 27,5%.
Estão entre os setores beneficiados pelas exceções: saúde, educação, cultura e comunicação, agro, transporte, profissionais liberais, indústria, turismo, saneamento básico, infraestrutura, automotivo, supermercados e os bancos.
“Quando a gente pensa em reforma tributária, imaginamos redução da carga para melhorar a produtividade, mas o problema é que não se reduza carga tributária na proporção que a gente espera. Isso, por causa de uma série de exceções, como para os bancos, que já têm lucros estratosféricos. Penso que pra essa reforma ser consistente deveria alargar a base de contribuição e ter um IVA na casa de 3% como é nos Estados Unidos e na Europa. Agora, sair da casa dos 34%, pra cair pra cerca de 30%, é muito pouco. continua alto”, destacou o professor Júlio.
Guerra Fiscal
Outra novidade na reforma, é que cobrança de impostos será feita no destino da mercadoria ou serviço e não mais na origem. Tal medida serviria para acabar com a guerra fiscal entre os estados, onde cada um cede seus benefícios fiscais na tentativa de atrair investimentos, porém no entendimento do professor Júlio Paschoal, a mudança vai “matar” o crescimento de alguns estados.
“Isso vai matar todo o crescimento que os estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste tiveram nos últimos anos. Eles não têm um grande mercado consumidor. Um dos pontos da reforma é reduzir desigualdades regionais, mas vão reconcentrar riqueza nas regiões sul e sudeste”, disse o economista, que citou o caso do estado de Goiás.
“Vou dar um exemplo: a Mitsubishi em Catalão. Quantos carros você acha que a fábrica vende por ano em Catalão? não vende 50. Pelo Estado (Goiás) vende cerca de 2000 carros, então é muito pouco para ter uma fábrica aqui. Só se justifica para o grupo Souza Ramos (Mitsubishi) em Catalão, se tiver com o incentivo fiscal como um diferencial de frete, porque o mercado consumidor dos carros é a região sul e sudeste. Como vai ser debitado onde chega, no destino, não tem como dar o incentivo fiscal, que é justamente o que garante para as empresas que não tem mercado consumidor aqui, produzir, gerar receita e empregos locais. então vamos perder tudo isso”
“O Caiado (Ronaldo) tem de brigar mesmo, porque Goiás vai perder cerca de 30% de receitas em função dessa mudança. A receita estimada para o Estado em 2024 é de R$ 40 bilhões, assim, 30% menos, são R$12 bilhões. Onde vão buscar essa diferença? Considerando que a despesa não cai”, completou o economista.
Investimentos
Um outro ponto de preocupação de Júlio Paschoal, diz respeito aos investimentos que partem do setor privado, que seria diretamente afetado com a nova tributação, com o imposto sendo cobrado no destino e não mais na origem da cadeia produtiva.
“O correto de um país é ter um mínimo de carga para um máximo de investimentos. O investimentos públicos do ano passado chegaram a 0,5%. Já o setor privado foi o responsável por 19,5%, aí enfiam a faca no setor privado. Você acha que esse setor vai ajudar a materializar o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento? Não vai. As empresas, além da perda de receita, terão o aumento da carga”, explicou o professor Júlio Paschoal, que faz um alerta aos consumidores finais, ou seja, as famílias brasileiras.
“Na medida que você tira os incentivos das empresas e elas não abrem mão da margem de lucro, terão de passar essa diferença para o consumidor em nível de preço, batendo no bolso do cidadão”, finalizou.
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No Congresso
Como a reforma é uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC – é necessário que seja aprovada nas duas Casas. Assim, a Câmara não pode alterar uma parte da proposta depois da revisão dos senadores e o resultado seguir para promulgação. Até que deputados e senadores concordem, não há chance de promulgação da reforma.
Na tentativa de agilizar a aprovação, a ideia seria promulgar somente as partes em que há acordo entre a Câmara e o Senado. Depois, outros pontos de convergência seriam discutidos pelo Congresso.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Fortes.