Arthur Barcelos
Arthur Barcelos
Apaixonado por futebol e geopolítica, é o especialista de futebol internacional da Sagres e neste espaço tem o objetivo de agregar os dois temas com curiosidades e histórias do mundo da bola.

Os efeitos da invasão russa à Ucrânia no mundo do esporte

O que parecia inevitável se tornou realidade na manhã da última quinta-feira (24). Depois de semanas de tensão, a Rússia invadiu a Ucrânia e voltou a esquentar um conflito histórico com os seus vizinhos e que desde a anexação da Crimeia ao território russo, em 2014, estava fadado a acontecer em algum momento nesta década.

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Luta pela sobrevivência

De toda forma, o otimismo ucraniano acerca da situação, em contraste aos recentes avanços do exército russo na fronteira e as declarações ameaçadoras de Vladimir Putin, colocou em risco a vida de milhões de civis, inclusive centenas de brasileiros. Enquanto a Rússia aperta o cerco à capital Kiev, agora milhares tentam fugir da guerra.

Um otimismo que também era filtrado por setores importantes da sociedade ucraniana, como o futebol. Paralisado desde a segunda semana de dezembro por conta da pausa de inverno, o Campeonato Ucraniano estava previsto para iniciar neste final de semana depois de mais de dois meses sem partidas oficiais no país devido ao inverno.

Após um período de preparação em outros países mais ao sul, muitos dos quais na Turquia, os clubes começaram a retornar à Ucrânia na última semana. Apesar da ameaça vizinha, a expectativa era de que um novo conflito territorial seria evitado. Com a invasão russa na quinta-feira, o governo local decretou lei marcial e o campeonato foi suspenso.

A decisão, no entanto, foi demorada para a maioria dos atletas, um dia antes do jogo inaugural da 19ª rodada. País com a maior presença de estrangeiros na Ucrânia, com 30 jogadores na primeira divisão – incluindo o ex-vilanovense Talles -, o Brasil voltou suas atenções ao drama dos conterrâneos e a luta para deixar o país.

De uma região culturalmente ligada à Rússia, controlada por separatistas a partir de 2014, o Shakhtar não joga em Donetsk desde então. Com a invasão russa, o clube assumiu um papel de resistência e se aliou ao rival Dinamo Kiev, com mensagens de apoio e protesto em ucraniano, e não russo – tradicionalmente a língua de comunicação do clube.

A mudança de postura também é justificada pelo dono do clube, Rinat Akhmetov, outrora próximo de políticos sob a influência de Putin. Empresário do ramo energético e mineral, o bilionário perdeu boa parte de sua fortuna com a guerra da última década e mostrou apoio ao atual governo ucraniano, ciente dos efeitos de uma nova invasão.

“Estou em Kiev no momento. Muitos dos jogadores e treinadores estão com os seus familiares aqui. Estamos tentando encontrar opções para evacuar os estrangeiros e suas famílias. O estafe do clube continua em suas casas ou porões, abrigos antiaéreos e estações de metrô, onde quer que seja mais seguro. Sempre que possível, eles tentam evacuar os seus familiares”, relatou Sergei Palkin, diretor geral do Shakhtar.

Ao contrário dos funcionários estrangeiros do clube, os ucranianos não podem deixar o país após a imposição da lei marcial, que impede que homens de 18 a 60 anos deixem o território. Como uma forma de conter o avanço russo nas principais cidades, o próprio exército da Ucrânia tem armado os seus civis.

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As repercussões do outro lado

Em meio ao drama da população ucraniana para sobreviver em meio à guerra, a Rússia tem sofrido repercussões que vão além dos campos de batalha e de sanções econômicas e políticas. Enquanto países da União Europeia e da Otan tentam isolar Moscou, o mundo do esporte aumenta a pressão da forma como pode influenciar.

No próximo mês, com jogos nos dias 24 e 27, acontece a repescagem das Eliminatórias europeias para a Copa do Mundo, que define os últimos três representantes europeus no Catar. Em uma das chaves, a Rússia é a sede do primeiro confronto com a Polônia e também da final, a ser disputada contra o vencedor do jogo entre Suécia e Chéquia.

Ambos os jogos estão marcados para a VTB Arena, estádio do Dinamo Moscou, na capital russa. Depois de manifestar preocupação com a realização dos jogos no território russo a partir da invasão à Ucrânia, as federações de Polônia, Suécia e Chéquia mudaram o tom e afirmaram que não enfrentarão a Rússia no final de março.

A Fifa, que expressou preocupação com o conflito, ainda não deu sua posição a respeito da situação. Diferente da Uefa, que transferiu a sede da final da Liga dos Campeões, marcada para 28 de maio. Inicialmente programada para a Gazprom Arena, em São Petersburgo, a partida agora será realizada no Stade de France, em Saint-Denis, França.

A mudança também é um importante sinal político. Se as federações de Polônia, Suécia e Chéquia seguiram o posicionamento de seus governos com a rejeição de enfrentar a Rússia, a Uefa atendeu um importante opositor a Putin, a França, voz importante na União Europeia e Otan, ao realizar o seu principal evento no estádio nacional francês.

Paralelo a isso, a Uefa também determinou que equipes ucranianas e russas atuem em campos neutros, longe dos campos de batalha. Embora as equipes da Ucrânia já tenham sido eliminadas dos torneios continentais, o time sub-19 do Dinamo Kiev tem um confronto contra o português Sporting programado para Kiev no próximo dia 9.

Já o Spartak Moscou, único clube russo ainda com calendário internacional nesta temporada, não poderá jogar em casa diante do alemão Leipzig, pelas oitavas de final da Liga Europa. A exemplo da partida do Dinamo Kiev sub-19, a Uefa ainda não determinou onde o jogo será realizado, previsto para 17 de março.

Outra situação que envolve a Uefa é a sua parceria comercial com a russa Gazprom, maior exportadora de gás do mundo e cuja metade das ações pertencem ao governo russo, que também controla o Zenit, clube de São Petersburgo proprietário do estádio que sediaria a final da Liga dos Campeões desta temporada. A entidade ainda se manifestou.

Parceiro de longa data da Gazprom, o alemão Schalke 04 entrou em campo no último sábado (26), em partida contra Karlsruhe, pela segunda divisão do Campeonato Alemão, sem a estampar a marca da empresa russa. Já o inglês Manchester United rompeu o seu contrato com a Aeroflot, empresa estatal de aviação russa banida do Reino Unido.

Na mira do parlamento inglês por seu vínculo com o governo Putin, o magnata russo Roman Abramovich, dono do inglês Chelsea, optou por deixar a administração. Embora permaneça como proprietário do atual campeão europeu, o empresário tomou a decisão como forma de evitar que possíveis sanções do governo britânico afetem o clube.

A exemplo do Campeonato Ucraniano, a primeira divisão da Rússia também parou por mais de dois meses devido ao inverno. Em meio à invasão ao país vizinho, a competição retornou no sábado, porém dois jogos foram adiados depois dos aeroportos de Rostov e Krasnodar, cidades próximas à fronteira com a Ucrânia, terem sido fechados.

No automobilismo, o Grande Prêmio da Rússia de Fórmula 1, programado para 25 de setembro, foi suspenso. Já a equipe Haas, que tem o patrocínio da produtora de fertilizantes Uralkali, não estampou a marca da empresa e as cores da bandeira russa na última sexta-feira (25). O futuro do piloto russo Nikita Mazepin, inclusive, está em cheque.

Presidente de honra da Federação Internacional de Judô desde 2008, Putin teve a honraria suspensa. Entre outras repercussões, a Federação Internacional de Xadrez não realizará mais o Mundial em Moscou, marcado para os meses de julho e agosto, enquanto a Federação Internacional de Esqui cancelou suas competições na Rússia.

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