Uma pedagoga de Mauá, região do ABC paulista, chamou a atenção nas redes sociais ao revelar a criação de uma “caixa da fofoca” para seus alunos do 3º ano do Fundamental I do Colégio Em Busca do Saber. A professora fez uma espécie de urna e as crianças podem depositar nela bilhetes com acontecimentos no período do lanche ou das aulas extras que elas quiserem contar.

De acordo com Deise Cardoso, idealizadora do projeto e especialista em alfabetização e letramento, os alunos devem contar somente situações que aconteceram com eles. Nesse sentido, ela esclareceu que o objetivo não é relatar nenhuma situação que envolva apenas os colegas. Sendo assim, a criança que escreve precisa ser a protagonista do acontecimento que ela escolheu escrever.

“Inicialmente a caixa era um momento da aula para registro após o recreio, que eles chegam na aula querendo contar tudo. No desenvolvimento do projeto passamos a usar também a caixa no início da semana para que eles registrem e “me contem” os acontecimentos do fim de semana”, explica a pedagoga.

Entretanto, apesar do nome, a professora ressalta que o objetivo não é incentivar a fofoca. “O projeto surgiu com uma necessidade muito específica da minha turma. A ideia é permitir que as crianças tenham um espaço para compartilhar as ‘fofoquinhas’ e acontecimentos de sua vida. Com a correria da nossa rotina em sala de aula, nem sempre conseguimos parar para ouvir a todos, então por meio da escrita, todos terão sua vez”, esclarece.

Habilidades socioemocionais

Deise Cardoso explica que o projeto servirá para o desenvolvimento das competências socioemocionais previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Além disso, uma prática da escrita como ortografia, sinais de pontuação, análise da estrutura do gênero textual, narrar eventos do cotidiano, organizar o pensamento de forma linear, escolha estratégica das palavras para descrever os acontecimentos e análise da composição das palavras.

Com a Caixa da Fofoca, a criança terá que tomar uma decisão responsável, selecionando o que vale a pena registrar na caixa. Além disso, ela poderá desenvolver a habilidade de relacionamento e consciência social.

“A criança precisará manejar bem o relato que irá fazer de uma ação praticada pelo amigo em relação a ela. O que ela fizer para um colega poderá ser registrado e compartilhado também”, destaca a pedagoga.

Deise Cardoso caixa fofoca
(Pedagoga Deise Cardoso e a Caixa da Fofoca | Foto: Arquivo pessoal)

Além disso, os alunos também vão trabalhar com autogestão e autoconsciência. “Se aparecer na caixa uma fofoca de um colega da turma relatando que o aluno fez algo que o deixou desconfortável, ele será levado a refletir sobre suas ações, buscando maneiras de modificá-las de modo que não interfira no espaço do outro”, pontua a professora.

Criação da Caixa da Fofoca

A ideia para a criação da Caixa da Fofoca, de acordo com Deise Cardoso, surgiu com as crianças, muito ansiosas após o recreio, querendo contar tudo o que aconteceu. Quem brigou com quem, quem pegou o lanche de quem, quem correu.

“Na maioria das vezes quem conta não está envolvido naquela situação, conta só pra fazer fofoca dos amigos mesmo. Então, eu sempre dizia que não queria saber de fofoca, só me conta o que aconteceu se foi com você. Mas, eu percebi que não estava funcionando e eu levava um tempão depois do lanche para ouvir a todos, acalmá-los e retomar o ritmo da aula”, revelou. 

Sendo assim, a pedagoga conta que pensou em sistematizar isso de forma que eles pudessem diminuir a ansiedade em querer contar tudo. Nesse sentido, eliminar o hábito de relatar acontecimentos que não tinham envolvimento nenhum por parte de quem estava contando.

“Lembrei que há muitos anos vi um recorte de um vídeo de uma professora dizendo que pedia aos seus os alunos que escrevessem bilhetes para relatar os acontecimentos na hora do lanche. Então, pensei em colocar em prática os bilhetes e nomear com uma palavra que eles já me escutam falar muito, algo que já faz parte da nossa rotina e que se tornasse interessante para eles”, justificou.

Cotidiano

Todos os dias, a caixa é aberta. Na rotina, tem um momento em que Deise Cardoso lê em voz alta os bilhetes que é possível compartilhar.

“Alguns pedem que eu não compartilhe, e eu respeito. Escolhemos um dos bilhetes, peço autorização para o autor do bilhete para escrever na lousa e registro do jeito que a criança escreveu. Vamos corrigindo juntos a estrutura do bilhete. Se tem destinatário, se a mensagem está no local certo, se tem assinatura, analisamos e corrigimos a ortografia. Se as frases e nomes próprios foram iniciados com letra maiúscula, e o que mais for considerado importante nessa análise coletiva”, afirmou a professora.

A pedagoga revelou que as crianças amam e é realmente um momento muito esperado por eles na aula. “Tem sido muito proveitoso, tive uma situação que vale a pena mencionar. Tenho uma aluna muito tímida, e na caixa da fofoca ela encontrou um lugar seguro para compartilhar uma situação que acontecia no momento do recreio há vários dias e que ela não havia me contado em nenhum outro momento. Então, na caixa ela colocou o bilhete me explicando o acontecimento que a incomodava e, no mesmo dia, pude conversar com todos os alunos envolvidos e resolver aquela situação”, exemplificou.

Expectativa

A professora ressaltou que a expectativa tem sido atingida, com o engajamento no projeto, a melhora nos registros e o conforto que encontraram na caixa. De acordo com ela, a volta do recreio é muito mais tranquila, porque os alunos já sabem da dinâmica.

“O ritmo da aula não é mais interrompido. Era o que eu esperava. Para além da sala de aula, minha expectativa é que o projeto encontre mais professoras. Que percebam que é possível “sair da caixa” e engajar os alunos com estratégias funcionais, sistematizando pequenos acontecimentos do dia a dia. Com leveza, divertimento sem deixar de fora o mais importante que é o aprendizado. Afinal, quem não ama uma ‘fofoquinha’?, finaliza.

*Esse conteúdo está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 04 – Educação de Qualidade

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