JULIO WIZIACK, GUSTAVO URIBE E NICOLA PAMPLONA
BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Investidores deram início a um desembarque das ações da Petrobras. As perdas acumuladas até a sexta-feira (19) somam R$ 60 bilhões e devem chegar a R$ 100 bilhões nesta segunda (22) devido ao que chamam de intervenção do governo na companhia.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) indicou o general Joaquim Silva e Luna para o comando da estatal no lugar de Roberto Castello Branco após os últimos reajustes nos combustíveis.
Os números consideram a desvalorização das ações na B3, a Bolsa brasileira, e nas Bolsas estrangeiras onde são negociadas as ADRs (recibos de ações negociados nos Estados Unidos) da petroleira.
Somente na noite de sexta-feira (19), a Petrobras registrou R$ 28,2 bilhões em redução de valor de mercado no Brasil e outros R$ 30 bilhões com os papéis no exterior, segundo banqueiros e gestores de investimentos que falaram com a Folha sob anonimato.
Na avaliação de dois dirigentes de bancos, as perdas superam aquelas provocadas pelo esquema de corrupção na estatal durante os governos Lula e Dilma Rousseff (PT).
Eles lembram que, desde que o escândalo revelado pela Lava Jato se tornou público, em 2014, o valor da Petrobras encolheu na Bolsa de cerca de R$ 310 bilhões à época para algo em torno de R$ 225 bilhões, quatro anos depois, uma perda de R$ 85 bilhões.
Segundo esses banqueiros, em quatro dias a medida de Bolsonaro pode causar dano maior que a Lava Jato ao valor de mercado da companhia.
Consideram ainda que, do ponto de vista das perdas para o caixa, a própria Petrobras declarou prejuízos de R$ 50,8 bilhões -R$ 6,2 bilhões com propinas e outros R$ 44,6 bilhões com investimentos nos projetos investigados.
Para eles, o que está em jogo agora é a perda de credibilidade da companhia. O derretimento das ações é mais rápido porque, dizem esses executivos, houve manobra do governo para interferir na política de preços dos combustíveis, o que pode comprometer o resultado da empresa e o retorno para seus investidores.
O mercado teme também efeitos sobre o processo de venda de ativos da estatal, que visa reduzir o endividamento e aceleraria a estratégia da empresa para se tornar uma grande pagadora de dividendos.
A Petrobras recebeu proposta por apenas 1 das 8 refinarias que colocou à venda -o fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, ofereceu US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 9 bi) por uma unidade na Bahia.
A possibilidade de reversão do plano de venda de ativos foi comemorada por opositores da gestão Castello Branco, que esperam também revisão na política de preços.
“De nada adianta a mudança na cadeira se não houver mudança da política de preços desastrosa”, diz o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros, Deyvid Bacellar.
Castello Branco foi nomeado no fim de 2018 e reconduzido para um mandato de dois anos em 20 de março de 2019. Diante da sua insistência em manter a Petrobras livre de qualquer interferência do governo, houve pressão para que renunciasse, mas ele não demonstrou essa disposição.
Na quinta-feira (18), a Petrobras anunciou reajustes de 10,2% e 15,1% para gasolina (o quarto do ano) e diesel (terceiro de 2021), respectivamente, a partir desta sexta.
No mesmo dia, Bolsonaro disse que promoveria mudanças na estatal e anunciou isenção de impostos federais sobre o diesel e o gás de cozinha.
Em reunião com ministros, mostrou insatisfação com Castello Branco, considerado “insensível” aos aumentos.
Os ministros Paulo Guedes (Economia), Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) tentaram apaziguar. Segundo relatos feitos à Folha, Guedes chegou a dizer que as perdas para a Petrobras seriam muito expressivas porque seriam entendidas como uma intervenção indevida.
Diante da recusa de Bolsonaro, Bento Albuquerque aceitou a indicação de Joaquim Silva e Luna, presidente da Itaipu Binacional, cujo nome foi sugerido pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Neto. O general da reserva João Francisco Ferreira foi indicado para o cargo de diretor-geral de Itaipu.
A ala militar do Palácio do Planalto defendia a mudança de comando da empresa porque avaliavam que Bolsonaro precisava ter à frente da Petrobras um executivo mais afinado com o governo. Para eles, Castello Branco era “liberal demais” e só pensava no mercado, em vez dos consumidores.
Não perdoaram, por exemplo, a declaração de Castello Branco de que, diante da ameaça de uma nova paralisação de caminhoneiros, disse “não ser um problema da Petrobras”.
A indicação do militar foi definida em reunião na sexta, no Planalto, de que participou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, amigo de Silva e Luna. Pessoas presentes relatam que o próprio Bolsonaro ligou para o general para fazer o convite.
O Ministério de Minas e Energia enviou então ofício para a Petrobras indicando Silva e Luna não somente como presidente da companhia mas também como integrante do conselho de administração.
Para gestores de investimento, a escolha do chefe da Petrobras compete ao conselho de administração –formado por representantes dos acionistas (União e minoritários) e profissionais do mercado–, que decide rumos e políticas implementadas pela diretoria-executiva, comandada pelo presidente da estatal.
Prevendo possível reprovação para a indicação de Silva e Luna pelo conselho, o governo o indicou como conselheiro.
Para os gestores, foi uma manobra para evitar essa derrota. O Ministério de Minas e Energia já solicitou convocação de assembleia-geral extraordinária para que o novo conselheiro seja empossado, o que lhe dá poder de voto.
Ao mesmo tempo, o governo indicou todos os atuais integrantes do conselho para a recondução. A Folha de S.Paulo ouviu um deles, cuja percepção é a de que a maioria dos indicados por Castello Branco -todos profissionais do mercado- renunciem ao posto.
A decisão representa uma derrota para Guedes, que defendia a permanência do atual executivo no cargo e era contra intervenções na companhia. Prevaleceu o interesse da ala militar do governo.
Segundo os banqueiros consultados, a reação dos investidores é vender as ações da Petrobras diante da possibilidade -agora mais evidente- de que o novo comando será mais sensível aos interesses do governo e poderá subsidiar preços, como fez a gestão petista.