Quando somos ensinados a ler poesia? Talvez, suas memórias mais antigas o direcione para as aulas do Ensino Médio, em que a Literatura se apresentava por meio de livros didáticos, estilos literários e provas que exigiam nossas interpretações.
Mas, quantas delas ficaram com você após o fim da era dos anos letivos? Me lembro de achar a poesia uma “língua” difícil. Um compilado de linhas curtas onde poucas palavras pareciam dizer sempre muito, e eu seguia para a próxima estrofe com a sensação de que não havia captado tudo, que alguma coisa tinha por certo ficado para trás. E ficava. “Sorte” que podemos sempre revisita-las.
Breve exercício
No fim de 2023, a Fundação Universitária para Vestibular (Fuvest) anunciou que a partir de 2025, todos os livros cobrados pelo exame serão de autoria feminina. Sendo assim, desconhecidas ou não, todos aqueles que sonham com uma vaga nos cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP), terão que conhecer o repertório de Rachel de Queiroz, Lygia Fagundes Telles, Nísia Floresta, Conceição Evaristo e outras mais.
Todavia, voltando para a poesia, podemos fazer um exercício. Ao pensar em “poeta”, de quem se lembra primeiro? Podem surgir o “tinha uma pedra no meio do caminho”, de Drummond, ou até o sentimento português em “amor é coisa que arde sem se ver”.
Perdemos quando não pensamos no “Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo”, de Cecilia Meireles ou “Os diamantes são indestrutíveis? Mais é meu amor. O mar é imenso? Meu amor é maior”, de Adélia Prado.
Presença antiga
“As mulheres sempre escreveram”, ressalta a professora de Literatura na Universidade Federal de Goiás (UFG), Tarsilla Couto. “Elas não tinham garantido a circulação. As mulheres ficaram por muito tempo na sombra da estante”, complementa.
“A poesia exige uma determinada condensação que a prosa trabalha pelo contrário, tudo se alonga e você detalha mais”, explica. Para ela, mudanças como a anunciada pela universidade paulista é importante, sobretudo, porque indica que há um esforço para que as pessoas aprendam a “ler mulheres”.
“São experiências que ainda não são comuns à Literatura. E essa é a grande vantagem da gente ter listas como essas. Abrimos a cabeça das pessoas para problemas que são do universo feminino”, afirma.
Poesia para guardar na estante (e na mente)
Meu Desejo
“Não quero o brilho, as sedas, a harmonia
Da sociedade, dos salões pomposos,
Nem a falaz ventura fugidia
Desses festins do mundo, tão ruidoso!
Prefiro a calma solidão sombria,
Em que passo meus dias nebulosos;
Sinto-me bem, aqui, à sombra fria
Da saudade de tempos mais ditosos.”
(Leodegária de Jesus)
Aninha e suas pedras
“Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha um poema.”
(Cora Coralina)
Muitas fugiam ao me ver…
“Muitas fugiam ao me ver
Pensando que eu não percebia
Outras pediam pra ler
Os versos que eu escreviaEra papel que eu catava
Para custear o meu viver
E no lixo eu encontrava livros para ler
Quantas coisas eu quiz fazer
Fui tolhida pelo preconceito
Se eu extinguir quero renascer
Num país que predomina o preto”
(Carolina Maria de Jesus)
Não viverei em vão
“Não viverei em vão, se puder
Salvar de partir-se um coração,
Se eu puder aliviar uma vida
Sofrida, ou abrandar uma dor,
Ou ajudar exangue passarinho
A subir de novo ao ninho —
Não viverei em vão.”
(Emily Dickinson)
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU): ODS 4 – Educação de Qualidade.