O termo linguagem neutra certamente já apareceu em suas redes sociais ou em discussões em rodas de conversas com conhecidos. O termo usado para se referir às formas de tratamento que vão além dos gêneros denominados binários, têm gerado opiniões distintas tanto nas relações sociais, como em instâncias de poder responsáveis por propor mudanças que afetam a todos.

Em fevereiro, discussões sobre o tema voltaram a centralizar os debates após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a lei estadual de Rondônia que previa a proibição do uso da linguagem neutra em materiais educativos no estado.

Para começar, o próprio termo já pode ser questionado. Segundo estudiosos, o melhor termo a ser usado é o de linguagem inclusiva.

O assunto foi o tema central do episódio do Conexão Sagres que contou como convidados a graduada em Letras e mestranda em antropologia social, Larissa Engelmann e do advogado e professor de linguística Carlos André.

Neutralidade

A noção de neutralidade envolve a ausência de influências internas ou externas. Nesse caso, o conceito não se encaixa quando a proposta é o exercício da linguagem.

“A língua é um produto humano e ela se constrói historicamente de acordo com a vontade do povo”, diz Larissa Engelmann, ao citar Maria Helena de Moura Neves, referência nacional nos estudos linguísticos.

A escola de palavras perpassa por escolhas intencionais, moldadas de forma significativa pela visão de mundo inerente a cada um.

“Quando eu uso o termo neutro, essa palavra tem aquilo que, na linguística, nós chamaremos de juízo de valor”, explica o professor de linguística, Carlos André.

Subjetividades

Aquilo que é mais definitivo e concreto costuma ser a marca da objetividade. Por outro lado, as subjetividades estão relacionadas a conceitos mais maleáveis. Sendo assim, algo subjetivo está mais ligado a conceitos individuais, mas que ainda assim, devem ser reconhecidos. Logo, a lingugaem também envolve conceitos subjetivos.

“Qualquer pessoa que discorde da linguagem chamada de neutra, não faz isso porque se trata de uma questão linguística, mas é anterior a isso. Essa fala diz: eu não concordo com essa subjetividade”, explica Carlos André.

Para Larissa Engelmann, que também integra o Conselho de Política e Linguística da Universidade Federal de Goiás (UFG), a linguagem inclusiva é uma ferramenta com potencial de expandir, somar e representar a existência de uma comunidade.

“Historicamente, o que se viu foi o masculino ocupando o lugar do neutro. As mulheres, em outro momento, não se sentiram representadas e também pediram interferência na língua. Agora, temos outras pessoas que estão dizendo: eu também existo”, ressalta.

Desafios para o futuro

Para o especialista em linguística, Carlos André, admitir a relevância do tema não significa excluir a existência de desafios para a implementação das mudanças. Principalmente, no que se relaciona aos contextos de escolarização.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento que define as competências e habilidades que irão constar no currículo de disciplinas ofertadas no ensino regular no país.

Nesse sentido, para o especialista Carlos André, o próprio documento abre espaço para diálogos sobre o tema na sala de aula, ao elencar competências relacionadas ao campo das linguagens.

“O Brasil não é um país que se preocupa com o valor semântico das palavras. Por isso, o Ministério deve se posicionar com estudos sérios e colocar a BNCC para funcionar”, declara.

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