TATIANA CAVALCANTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
– A professora de geografia Vanderlize San Martins de Lima, 41, ficou espantada quando se deparou com uma notícia na TV que informava que 77% das famílias brasileiras estavam endividadas e 28% inadimplentes. Decidiu verificar essa realidade na sala de aula.

Ela entregou a cada estudante do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental La Salle, em Sapiranga (RS), uma lista com itens da cesta básica, como arroz, feijão e molho de tomate. Durante dois meses, os estudantes fizeram pesquisas em mercados desses produtos para descobrir a variação de preços e onde comprar mais barato. Os pais também participaram e aprenderam.

A professora afirma que a ideia era envolver as famílias e ajudar na organização do planejamento financeiro delas de forma eficiente e condizente com a sua realidade. Mas não só isso. O objetivo principal era conscientizar os alunos para não se tornarem adultos endividados.

“Todo mundo quer sair das dívidas, muitos não conseguem por falta de organização. A oferta de crédito é um atrativo ao endividamento. Se não trabalharmos a educação financeira na sala de aula, o número de endividados nas futuras gerações só vai aumentar”, diz Vanderlize, que criou com os alunos o aplicativo Saindo das Dívidas.

Com o projeto batizado de “Endividados”, a professora de geografia foi a primeira colocada na edição inédita do Prêmio BEI de Educação Financeira para Escolas Públicas, do Instituto BEI. Ela foi agraciada com R$ 14 mil. Os demais, até a quinta colocação, foram contemplados com R$ 9.000.

Caso da professora de matemática Márcia Nascimento, 47, da Escola Estadual São Francisco, em Jaciara (MT). Com aos 120 estudantes do 9º ano, ela montou uma cantina no pátio do colégio no retorno às aulas após a pandemia. As quatro turmas iam se revezando no atendimento.

Em 15 minutos do intervalo, os alunos da turma da vez vendiam fichas para lanches, bolos e o que tivesse no cardápio da semana, que contava com a ajuda dos pais em algumas das receitas. Na sequência, outro jovem entregava o produto. E, por fim, eles faziam a limpeza.
Tudo isso para compreender o que envolve ter um negócio e como manter o caixa no azul, segundo a professora de matemática.

“Uma vez que deu ruim porque eles foram fazer um alfajor que ficou mais caro que o valor que eles venderam. Deixei, foi de propósito, para eles aprenderem com o erro. Eles ficaram preocupados, mas disse que fazia parte e precisávamos pensar em todos os detalhes para recuperar o prejuízo. Eles compreenderam que, às vezes, dá lucro e, outras, prejuízo”, afirma Márcia.

A educação financeira, para ela, tem tudo a ver com matemática. “O projeto da cantina deu um sentido ao conteúdo, porque é fácil explicar na sala de aula um conceito, mas pode não ter significado para eles. Quando você utiliza aqueles dados na vida prática, eles se engajam.”
O prêmio BEI surgiu na esteira da Base Nacional Comum Curricular que, desde 2019, regulamenta os conteúdos trabalhados nas escolas brasileiras, o que incluiu educação financeira.

Com isso, a premiação foi idealizada com o propósito de identificar e valorizar educadores de escolas públicas que implementam essa temática em sala de aula de forma qualificada, segundo Sandra Battistella, diretora-executiva do Instituto BEI.

Ela explica que cerca de 80% dos jovens estão matriculados na rede pública de ensino, logo, levar esse tema desde cedo à sala de aula resulta impactar um número significativo de brasileiros.

“Aprender desde cedo a planejar, poupar e tomar decisões que envolvem seus recursos financeiros favorece a formação como cidadão, tornando-o mais crítico, autônomo e preparado para enfrentar os desafios da vida adulta”, declara Sandra.

Outro dos professores premiados, Dhion Meyg da Silva Fernandes também adaptou a educação financeira à realidade de seus alunos da Escola Agrícola de Ensino Fundamental Deputado Leorne Belém, em Quixeramobim, no sertão do Ceará.

Docente de química, ciências naturais e geometria, Fernandes explica que o universo da agropecuária, agricultura familiar e agronegócio são as atividades socioeconômicas mais importantes da região.

Com apostilas e parcerias criadas por ele e sua mulher, a também professora Isabella Guimarães, ele diz que o projeto tinha o objetivo de ser uma ferramenta para os quase 400 estudantes do 6º ao 9º ano da escola, originários de todos os bairros da zona urbana e rural da cidade, usarem com suas famílias.

“Depois da aula eu propunha que eles construíssem o orçamento real, com despesas fixas e variáveis. Os jovens levaram esse conhecimento para casa para aplicar na prática”, diz Fernandes.

O professor também explicou sobre o agronegócio, como é possível ganhar dinheiro nessa área. Ele pediu um plano de negócio explicando o passo a passo, objetivos para montar essas estruturas, quais seriam seus futuros clientes, os riscos, entre outros pontos, diz o professor. “Alguns criaram slogan da loja e até site.”

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