Utilizar uma proteína microscópica para produzir um protetor solar sustentável e sem elementos químicos. Essa foi a descoberta de uma jovem cientista brasileira que mora nos Estados Unidos. A jovem estudante do ensino médio, Júlia Gamitto, de 17 anos, conta que encontrou na água os elementos que precisava para desenvolver o produto: os tardígrados.

“Tardígrados são bichinhos microscópicos que absorvem radiação solar e conseguem sobreviver em condições extremas. Descobri que eles absorvem a radiação solar por causa do DSUP, “damage suppressor protein”, que em português seria proteína supressora de danos.

Imagem microscópica dos tardígrados, seres-chave para descoberta do protetor solar sustentável (Foto: Arquivo pessoal/Júlia Gamitto)

O estudo, que começou em junho de 2022, revelou que os tardígrados conseguem sobreviver sob condições severas de exposição à radiação solar. “Eles possuem capacidade de desativar o seu metabolismo para sobreviver em temperaturas extremas, e produzirem a proteína conduzida como DSUP”, afirma Júlia, que é pesquisadora e estagiária do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. 

Ademais, segundo Júlia, o fato de a maioria dos protetores solares convencionais saírem da pele em contato com a água também prejudica a vida marinha. “Quando passamos protetor solar e vamos para o mar, ele sai na água. Não faz mal apenas para o ser humano, mas para todo o ambiente que está ao nosso redor”, pontua. 

“Muitos desse agentes químicos resultam em efeitos colaterais a longo prazo. Ao passar um protetor solar químico na pele, ela vai absorver e entrar na corrente sanguínea, onde vai ficar por até sete dias. É muito tempo. No caso das grávidas ou quando a mulher está amamentando, isso vai para o leite materno, ou seja, vai para o organismo da criança que ainda está no primeiro estágio da vida. Isso é muito preocupante”, reforça a estudante.

Desafio 

Na natureza, porém, os tardígrados são encontrados na água doce de rios e lagos. A proteína que estes minúsculos seres produzem é o diferencial para a produção do novo protetor solar, que não levaria em sua composição os elementos químicos existentes nos filtros convencionais que conhecemos.

“Porém, extrair uma proteína de um bichinho microscópico é muito difícil, ninguém tinha feito isso antes. Foi preciso muita pesquisa. O que eu consegui, que foi a forma mais segura e mais barata, foi criando colônias de bactérias que conseguem modificar o próprio gene e adicionar essa proteína, multiplicando essa proteína”, relata.

Financiamento

Bactéria e-coli utilizada para reprodução da proteína em grande quantidade (Foto: Arquivo Pessoal/Júlia Gamitto)

O custo para produção do protetor solar em maior escala, no entanto, conforme Júlia, ainda é altíssimo. Júlia trabalha desde os 15 anos e já precisou tirar dinheiro do próprio bolso para prosseguir com a pesquisa que, atualmente, é financiada pelo exército dos Estados Unidos.  

“Para se ter uma ideia, são necessários cerca de US$ 500 para se produzir 0,5 miligramas de protetor solar com DSUP. Temos um ‘sim’ e muitos ‘não’. É preciso provar o experimento junto à comunidade cientifica muitas vezes até conseguirmos testar em humanos”, afirma.

A eficácia do protetor solar, entretanto, precisou ser testada em lâminas de papel que simulam a sensibilidade da pele humana. “A amostra que possuía o DSUP teve um resultado melhor. As bactérias que tinham DSUP não tiveram tantos danos como as que não tinham DSUP. Aí foi comprovada a nossa hipótese científica”, avalia.

Enquanto o teste em pessoas não acontece, ela conta que está tentando aprimorar a criação, e já prevê resistência do mercado em relação à novidade. “É muito difícil. Estamos aprimorando o protetor solar, estamos pensando em como deixar isso mais barato, mais eficaz e acessível. Mas eu sei que a indústria de protetores solares vai ficar contra mim, eu sei que eles terão remorso”, analisa.

Reconhecimento 

Júlia Gamitto (Foto: Sagres Online)

A descoberta virou artigo científico: “Efeitos do Protetor Solar DSUP nos Tecidos Epiteliais”. Nesse sentido, a pesquisa rendeu à jovem estudante e ao parceiro de pesquisa Benjamin Hurley o primeiro lugar na competição da National Science Technology Engineering Mathematics – NSTEM (Sociedade de Honra Nacional de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).

“São muitos ‘não’ e poucos ‘sim’ na jornada científica. E quando se é muito nova não se tem muito recurso. Então foi muito de eu querer acreditar, porque ninguém acreditava em mim de primeira. Quando eu cheguei aqui todo mundo meio que me desmerecia. ‘Ah, é brasileira, não sabe falar, deixa ela de canto’. Para piorar, eu era a única latina. Aqui nos Estados Unidos, no meio científica tem muito indiano, muito asiático, tem os americanos, mas não se vê latino. E eu pensei comigo: por que não tem uma mulher latina aqui? O Brasil tem muito a oferecer. Eu bato na tecla de que a Amazônia tem de ser observada e estudada”, destaca a jovem, que sonha cursar biomedicina, engenharia química e direito.

Filha de pai parcialmente analfabeto, contudo, Júlia sabe da importância de se investir em educação de qualidade. A estudante só vai concluir o ensino médio em 2025. Até lá, ela vai seguir com as pesquisas, e espera inspirar outros jovens a irem em busca de seus sonhos e a valorizarem suas descobertas.

“Quebre as barreiras que impuserem a você. Será gratificante. Vai doer, mas também vai te deixar mais forte. Acreditem em si mesmo e em seu potencial. Saiba que aquela pesquisa, que você investiu tempo, dedicação e paixão. Acho que a paixão é algo muito importante, tenha paixão sobre o seu projeto e saiba que você vai fazer a diferença na vida de alguém”, conclui.

Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 09 – Indústria, inovação e infraestrutura

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