O início do ano foi marcado por desastres naturais no Brasil. Em Petrópolis, uma chuva forte, que ultrapassou 258,6 milímetros em apenas três horas, causou uma série de deslizamentos e enchentes em vários pontos do município. Cerca de 240 pessoas perderam a vida e milhares ficaram desabrigadas. Assista à reportagem a seguir

Enchente destruiu a casa de Márcia Matos, em Goiânia. (Foto: Arquivo pessoal)

Goianos também presenciaram pancadas de chuvas que deixaram centenas de famílias isoladas no Norte do estado, além de grandes estragos na zona urbana da região metropolitana de Goiânia. Goiás ocupa o 14º lugar no ranking de estados que mais registraram desastres naturais nos últimos 10 anos, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ao todo, foram 1.317 registros até 2022.

Márcia Matos mora no setor Urias Magalhães, em Goiânia, e ainda não conseguiu arrumar a casa depois da última enchente, que ocorreu em fevereiro deste ano. Ela conta que basta chover forte que a água alaga toda a rua e a casa dela. A cuidadora conta que não consegue esquecer os momentos aterrorizantes que viveu durante uma enchente em 2015, em que ela e a filha quase morreram.

“A água estava por toda casa. O relógio [medidor de energia] estava pegando fogo e eu levei um choque. Quando liguei para o Corpo de Bombeiros, me disseram para subirmos na mesa”, lembra. “Não sabíamos até quando essa água iria deixar de subir. A nossa cadela começou a latir e quando olhei, era uma cobra grande. Abracei minha filha enquanto ela implorava para não morrer”, relata Márcia com lágrimas nos olhos.

Números

Os principais desastres naturais no país são o excesso de chuva e a falta dela, quando ocorre a estiagem. Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), entre 2013 e 2022, foram 53.960 ocorrências em 93% das cidades brasileiras.

As consequências da chuva e da seca são as enxurradas, inundações, vendavais, deslizamentos, incêndios florestais, entre outros. Para o engenheiro ambiental Antônio Pasqualetto, o ser humano está diretamente ligado aos acontecimentos desses desastres.

“Secas prolongadas e chuvas torrenciais estão, muitas vezes, associadas às interferências humanas. O ser humano muda o clima por meio da poluição atmosférica, derramamento de petróleo e óleo, ou até mesmo desabamento de barragens, de água ou de resíduos como aconteceram em Mariana e Brumadinho [em Minas Gerais]”, explica o Pasqualetto

O engenheiro descreve todo o ciclo hidrológico para que uma chuva possa ocorrer, além de processos de evaporação e transpiração. A água se acumula na atmosfera até encher o ar, onde formam as nuvens. No entanto, de acordo com Pasqualetto, quando o ar está muito quente, demora mais esse processo de saturação. Nas cidades, onde são formadas as chamadas ilhas de calor devido à concentração de asfalto, ruas, avenidas e concreto, o ar quente se expande demais e, com isso, prolonga o enchimento dessas nuvens. 

Nesse contexto, as casas situadas morros ou barrancos sofrem mais com as consequências da chuva. O setor em que Márcia mora, por exemplo, apresenta um dos maiores declives e aclives de Goiânia. Nas regiões mais altas é possível ter uma visão panorâmica da cidade.

“Quando saturado, acaba precipitando tudo de uma vez em um curto espaço de tempo. Essas chuvas são intensas, não são retidas no solo e causam, não só deslizamento em áreas de encosta, mas também inundações em fundos de vale ou até mesmo problemas de drenagem urbana”, detalha Antônio.

A situação nos bairros pode piorar ainda mais com o descarte incorreto do lixo. Ao jogar sacos de lixo em locais irregulares, eles podem ser encontrados próximos às bocas de lobo, por onda a água deve escorrer quando chove. Para o coordenador da Defesa Civil Municipal, Anderson Souza, o lixo é um dos principais causadores dos alagamentos, pois dificulta o escoamento da água durante as chuvas.

“Principalmente o descarte de resíduos sólidos, que entopem as tubulações dos mananciais. Temos orientado a população a fazer o descarte correto e também que as pessoas não ocupem locais próximos a mananciais e recursos hídricos. Além de degradar o meio ambiente, elas correm risco por estarem em um local de baixada”, afirma Souza.

Outro local de atenção é o Morro do Mendanha, localizado no Jardim Petrópolis, na capital. A região é um dos pontos de constante monitoramento da Defesa Civil de Goiânia. Em fevereiro deste ano, uma das casas da Rua Mantiqueira quase foi atingida por uma árvore que estava no morro e se desprendeu devido às chuvas.

Morro do Mendanha. (Foto: Pedro Pinheiro)

Mesmo após dois meses sem chuvas em Goiás, a terra do morro ocupa parte da )rua. A Defesa Civil não descarta a possibilidade de os moradores terem que deixar as casas. Jefferson Lapot, que mora em uma das residências dessa rua há 6 anos, declara que o medo é constante durante o período chuvoso.

“A volume de chuva pode lavar a terra, expor as raízes das árvores e elas caírem. Pode ter ainda muita pedra solta lá em cima. Aqui próximo tem uma pedra ancorada em uma árvore que a qualquer momento, se a árvore ceder, pode cair”, lamenta Lapot.

Emissão de gás carbônico

As mudanças climáticas cada vez mais comuns também estão ligadas em grande parte à emissão de gás carbônico, que provoca o aquecimento global. É o que afirma o biólogo e gerente de Educação Ambiental de Goiânia, Pedro Baima.

O aquecimento global, conforme o biólogo, deve se agravar ao longo dos anos caso a emissão de gás carbônico não seja reduzida drasticamente. Isso porque o clima aquecido encurta o período das chuvas que, consequentemente, vão cair com muito mais força do que antes. Com esse encurtamento do período chuvoso, aumenta mais ainda o tempo de estiagem, como já tem sido registrado em Goiás.

“A umidade relativa do ar está entre 20% a 30%. Essa umidade só era registrada em agosto ou setembro, mas já estamos sentindo no início de julho. Vamos sentir mais um agravamento da seca e uma localização das chuvas que caem com muito mais força, causando enchentes, provocando degradação ambiental, problemas dentro da cidade e na zona rural também”, anuncia Pedro Baima.

Monitoramento de queimadas 

Além da queima de combustíveis por conta dos veículos e das substâncias emitidas pelas indústrias, os incêndios vegetativos são um dos principais emissores de gás carbônico.

O Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), que realiza o monitoramento do clima e dos desastres naturais, aponta que no período de estiagem cerca de 250 focos por dia são registrados em todo o Estado.

Monitor de Incêndios do Cimehgo. (Foto: Léo Fidelis)

)O gerente do Cimehgo, André Amorim, explicita que além de mostrar os focos de queimadas, o Monitor de Incêndios notifica automaticamente, em tempo real, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Goiás (CBMGO) responsável pela área afetada para fazer o controle das chamas.

“O que mais afeta o estado no período de seca são as queimadas. Hoje, temos cerca de 50 cartéis no interior que recebem informações por WhatsApp por esse monitor de queimadas”, informa Amorim. “A partir daí, eles podem agir para conter os focos. Esse trabalho é feito de maneira bem prática.”

De acordo com o relatório do MapBiomas, divulgado em julho deste ano, o número de hectares de área desmatada em Goiás de 2020 para 2021 aumentou em mais de 35%. A área desmatada saiu de 23.206 para 31.472 hectares.

Apoio do governo

Os prejuízos causados pelos milhares de desastres naturais que ocorreram no Brasil entre 2013 e 2022 ultrapassam o montante de R$ 340 bilhões, segundo estudo feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). No entanto, os repasses feitos pelo governo federal para auxiliar no enfrentamento dos impactos não são compatíveis. Dos R$ 36,5 bilhões prometidos pela União, apenas R$ 15,4 bilhões foram efetivamente pagos. 

Se comparado ao valor registrado pelo CNM, os recursos transferidos correspondem apenas a 4,5% do total em prejuízos. Com isso, a conta acaba ficando com os municípios.

Para o presidente da Federação Goiana dos Municípios (FGM), Haroldo Naves, o repasse do governo federal tem sido cada vez menor para as cidades brasileiras. “Todos os municípios tentam fazer sua prevenção com a Defesa Civil, mas quando ocorrem os dados, não temos a mão amiga do governo federal. Há promessas. Com isso, o gestor faz o projeto de engenharia, apresenta ao Ministério e começa a demora”, relata o presidente.

Haroldo ainda aponta que por diversas vezes os prefeitos precisam fazer sacrifícios de verbas próprias importantes, como para a saúde e segurança, para socorrer o dano provocado por um desastre natural. Segundo ele, com a redução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) dos combustíveis, a situação pode ficar ainda pior.

Em Goiânia, a cabeceira da ponte localizada na Avenida Acary Passos, no Residencial Vale do Araguaia, rompeu em fevereiro deste ano, depois de uma forte chuva. Após cerca de 2 meses, a Prefeitura deu início às obras de reconstrução. A previsão informada pelo município era de que a ponte fosse entregue em 90 dias, ou seja, em julho. Porém, a obra está inacabada e no local não foram encontradas nem mesmo as máquinas do município.

Ponte rompeu em fevereiro de 2022. (Foto: Rodrigo Melo)

Em nota, a Secretaria Municipal de Infraestrutura de Goiânia (Seinfra) informa que a ordem de serviço para concluir a obra já foi assinada e agora aguarda a entrega das peças para os próximos 30 dias. Após isso, a pasta afirma que a execução se dará num prazo de 45 dias após a entrega do material.

Consciência ambiental

Fica evidente que apesar de naturais, os desastres estão diretamente ligados à forma como as pessoas lidam com o meio ambiente. É necessário que a população se conscientize e o poder público crie planos de prevenção. “Acima de tudo, a gente tem que compreender que somos passageiros neste planeta. Então que deixemos um planeta para nossos filhos e netos de igual modo ou em melhor estado em que recebemos”, argumenta Antônio Pasqualetto.

“É fundamental para nós, cidadãos, o governo e as empresas tenhamos consciência socioambiental para juntarmos o tripé da sustentabilidade: ser economicamente rentável, socialmente justa e ambientalmente saudável”, conclui o engenheiro ambiental.

Repense

Esta reportagem integra a série Repense Clima desenvolvida pelo Sistema Sagres de Comunicação com o apoio da Fundação Pró Cerrado. Ao longo de 12 episódios vamos aprofundar sobre temas relativos à sustentabilidade, produção e consumo, que estão conectados ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 13 da Organização das Nações Unidas (ONU), que é “Ação Contra a Mudança Global do Clima”.

Rodrigo Melo é estagiário do Sistema Sagres de Comunicação, em parceria com o IPHAC e a Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), sob a supervisão da jornalista Thaís Dutra.

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