Uma recente pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP investigou áreas de restauração florestal, revelando informações cruciais sobre o potencial de projetos de reflorestamento que se alinham à agenda bioeconômica. Ao traçar modelos de crescimento e elaborar cenários, os pesquisadores focalizaram a produção de madeira a partir de 10 espécies nativas da Mata Atlântica. Essas espécies não apenas apresentaram rentabilidade potencial, mas também contribuíram para a restauração do ecossistema atlântico.

Os projetos de reflorestamento representam a transformação de estruturas florestais em regiões degradadas, através do plantio de novas árvores, sejam elas nativas da região ou espécies fora de sua ocorrência natural. De acordo com dados da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outubro de 2021 e outubro de 2022, mais de 20 mil hectares de Mata Atlântica foram desmatados, marcando a segunda maior taxa de desmatamento em seis anos neste bioma, que mantém apenas 12,4% de sua composição original. Diante desse cenário, políticas de reflorestamento surgem como soluções ambientais.

Contudo, tais projetos encontram resistência entre os produtores rurais. “A restauração florestal ainda é percebida por proprietários de terra como um uso de terra muito custoso, sem um retorno financeiro atrativo. Então, a ideia era unir a agenda econômica com a agenda da recuperação do bioma”, explica Pedro Krainovic, pós-doutorando do IEA, a Camilla Almeida do Jornal da USP.

Áreas de restauração

O pesquisador analisou 13 áreas de restauração com a presença das espécies escolhidas, considerando árvores com idades variando de 6 a 96 anos. Essa diversidade de idades permitiu a criação de uma linha do tempo representativa do desempenho do crescimento, possibilitando estimativas de produtividade e retorno econômico.

O método utilizado para calcular essas estimativas foi o Growth-Oriented Logging (GOL), que cria uma escala usando o potencial produtivo e o tempo de crescimento da espécie. “O GOL orienta o corte de árvores pelo seu crescimento; o que significa que ele seleciona o melhor momento para orientar decisões de manejo direcionadas”, explica Krainovic. A metodologia possibilita o estabelecimento de um cenário otimizado centrado na qualidade da madeira, indicando qual é o melhor momento para sua colheita.

Segundo o pesquisador, as informações fornecidas pelo GOL preenchem lacunas de conhecimento na elaboração de projetos de reflorestamento com espécies nativas. “Buscando conhecimento acerca da projeção de crescimento dessas árvores nativas, a possibilidade de implementação e atratividade dessas iniciativas aumenta, criando um contexto de conciliação entre florestas multifuncionais com um retorno econômico.”

O estudo também considera as florestas multifuncionais, que buscam equilibrar a exploração de madeira com a restauração dos serviços ecossistêmicos do bioma, como a reciclagem de nutrientes e a polinização, afetados pelo desmatamento.

Técnicas silviculturais

Ao estimar a produtividade em condições ideais de crescimento, incluindo técnicas silviculturais, o trabalho destaca a otimização do retorno financeiro que um manejo adequado dessas áreas pode proporcionar aos produtores. “Modelamos um novo cenário, só que utilizando um conhecimento silvicultural apropriado começando desde o início da cadeia de infraestrutura. O manejo ao longo do tempo, a marcação de matrizes, o espaçamento ideal entre as mudas, as condições de solo – tudo contribui para a potencialização dos resultados”, diz Krainovic.

O reflorestamento é uma importante política ecológica não só para recuperação florestal de determinados biomas, mas para o meio ambiente como um todo. “Hoje a humanidade passa por diversas crises ambientais, que decorrem da destruição dos recursos e ecossistemas nativos. Um caminho para resolver parte dessas crises consiste justamente em devolver esses ecossistemas naturais”, explica Pedro Brancalion, professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP.

Atualmente, o Novo Código Florestal, legislação que regulamenta a exploração da vegetação nativa no território brasileiro, prevê a conservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais (RL) nas propriedades rurais. As APPs são espaços com a função ambiental de preservar a estabilidade geológica e os recursos hídricos das paisagens, como as matas ciliares e os manguezais. Já as RL têm a função de resguardar a vegetação nativa por meio do uso econômico sustentável dos recursos naturais da propriedade. 

Porém, embora sejam obrigatórias, as Reservas Legais muitas vezes não são implementadas pelos donos de terras, que recorrem a outras possibilidades de cumprir com as normas ambientais, as chamadas compensações. Mesmo assim, de acordo com estimativas feitas pelo GeoLab, do Departamento de Ciência do Solo da Esalq, o Estado de São Paulo tem um déficit de 800 mil hectares de Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente.

“É mais vantajoso compensar essa Reserva Legal fora da propriedade numa área de floresta do que trocar áreas produtivas por um processo de recuperação. Então, esse estudo nos ajuda a desenvolver modelos de restauração que possam viabilizar no futuro a recuperação de forma rentável”, coloca Brancalion.

Biota Síntese

O estudo integra o Núcleo de Análise e Síntese de Soluções Baseadas na Natureza, o Biota Síntese. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Biota conta com a colaboração de pesquisadores de cinco universidades, sete institutos de pesquisa do Estado de São Paulo e quatro Organizações Não Governamentais. O projeto, que tem sua sede no IEA, tem como objetivo orientar as tomadas de decisões com sínteses sobre soluções baseadas na natureza. 

Conciliando o combate às mudanças climáticas e à devastação dos recursos naturais com a agenda econômica, o Biota opera junto à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), responsável pelo Plano de Ação Climática (PAC) do Estado. O PAC visa apoiar a realização dos compromissos nacionais estabelecidos no Acordo de Paris e estabelece por si algumas metas a serem atingidas até o ano de 2050, como a redução da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).

Segundo os pesquisadores, as informações obtidas pelo estudo integrarão o programa Refloresta SP, coordenado pela Semil e previsto no PAC, que prevê a restauração de 1,5 milhão de hectares em vegetação nativa. “O programa tem um aplicativo que oferece para os usuários o menu de restauração florestal economicamente viável, que é uma ferramenta que apresenta espécies de composição para realizar essa restauração. Meus dados vão estar dentro do aplicativo para dar suporte a essas ferramentas no Estado de São Paulo”, explica Krainovic. 

Os resultados da pesquisa foram divulgados no artigo Potential native timber production in tropical forest restoration plantations, publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation. Uma pesquisa que expandiu o estudo vinculado ao artigo foi ganhadora do 8° Prêmio Serviço Florestal Brasileiro em Estudos de Economia e Mercado Florestal. Ela foi desenvolvida no Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (Lerf), da Esalq-USP, de autoria do pesquisador João Paulo Bispo, que foi entrevistado pelo podcast Estação Esalq. É possível conferir o programa aqui.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática

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