O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) afirmou que irá unir a filha de 17 anos, se a adolescente tirar uma boa nota na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A declaração ocorreu na sessão da Comissão de Educação da Câmara dos deputados com o presidente do Inep, Manuel Palácios, na quarta-feira (8).
“Eu falei pra minha filha de 17 anos que fez essa porcaria aqui no domingo que se ela tiver tirado uma nota boa nisso daqui, ela vai sofrer punição. Porque se uma pessoa que tira uma nota boa nisso daqui, uma pessoa que se sai bem nessa abominação já não é mais um indivíduo, é um avatar ideológico. É uma pessoa que nunca vai alcançar os seus reais potenciais, nunca vai conseguir pensar por conta própria, mas talvez um dia vire um parlamentar para sentar aqui na [Comissão] Educação para defender as abominações que a esquerda defende”, disse Gayer.
Então, a convocação de Palácios aconteceu em razão de críticas de parlamentares de direita e da bancada ruralista a itens sobre o agronegócio e “questões ideológicas”. O presidente do Inep explicou que a prova do Enem parte de professores do Banco Nacional de Itens (BNI). Além disso, ele afirmou que a direção do Instituto não faz intervenção no conteúdo.
“Professores são responsáveis por fazer provas em qualquer escola, em qualquer universidade e em qualquer instituição educacional. E o processo de seleção desses professores é público, republicano e obedece a todo um conjunto de regras que são, inclusive, monitoradas e acompanhadas pela Controladoria Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União que fazem questão de normatizar”, disse.
Como é feita a prova do Enem?
A Comissão de Educação da Câmara fez requerimentos ao Inep a respeito da prova picada no último domingo (5). Mas Manuel Palácios apresentou um panorama completo de como ocorre a construção dos itens do exame. A realização do Enem possui três etapas: elaboração das provas, aplicação das provas e a entrega de resultados. Porém o processo de construção das provas começa com a Matriz de Referência, instrumento norteador para a construção de itens.
“A elaboração das provas começa com uma Matriz de Referência. A Matriz de Referência do Enem que está em vigor e serve de base para a construção da prova foi construída em 2009. E, portanto, todo o teste tem por base habilidades, conhecimentos e competências que fazem parte dessa Matriz de Referência”, contou.
Como explicou Palácios, a seleção dos colaboradores ocorre por meio de edital de chamada pública. Então, podem participar da chamada professores da educação básica e professores universitários. “Essas chamadas públicas são periodicamente realizadas para que o grupo de colaboradores, de professores que elaboram os itens de prova do Enem e das demais avaliações conduzidas pelo Inep possa ser selecionado”.
De acordo com o presidente do Inep, os docentes são selecionados para compor o Banco de Colaboradores do BNI. E, assim, produzem todos os exames do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e o Exame Nacional de Certificação de Competências (Encceja). “São 13 diferentes exames que o Inep constrói e aplica a cada ano”, detalhou.
Construção trienal
O Inep possui um calendário trienal com etapas para elaboração do Enem. Assim, então, a maior parte do Enem 2023 começou em 2020 com o lançamento do Edital N° 69/2020 para novos elaboradores e revisores. A divulgação dos aprovados ocorreu no mesmo ano.
No ano seguinte, 2021, o Inep capacitou duas turmas de colaboradores no primeiro semestre com oficinas de elaboração e revisão dos itens que compõem o BNI. Desta maneira, em 2022 e no primeiro semestre deste ano, o Instituto realizou dois pré-testes de itens e entre eles estavam os itens para a prova do Enem 2023.
“Isso é muito importante porque muitas vezes se tem a impressão de que se faz um Enem em meses e não é verdade. Um Enem é construído num ciclo até aqui, grosso modo, trienal. O edital de chamada pública que selecionou os elaboradores e revisores de item que está em vigor e que compôs o grupo de elaboradores é de 2020. Foi em 2020 que os elaboradores de itens do Saeb e do Enem foram selecionados”, afirmou Palácios.
Assessoramento Técnico-Pedagógico
Os itens são compostos, impressos, distribuídos, aplicados e analisados no pré-teste. Para o processo, o Inep conta com Comissões de Assessoramento Técnico-Pedagógico. “São essas as comissões responsáveis por acompanhar o professor e validar o processo de construção de itens e instrumentos” , destacou.
Os professores selecionados no edital compõem as comissões. Portanto, Manuel Palácios apresentou na Comissão de Educação dois critérios necessários para que os docentes candidatem-se como elaboradores e revisores de itens do BNI.
O primeiro contém critérios obrigatórios como ser docente efetivo ou concursado, seja profissional ativo ou inativo, do ensino público, básico ou superior, nas esferas municipal, estadual, distrital ou federal. Além disso, é necessário que o professor tenha experiência na docência pelo período mínimo de dois anos, no ensino básico ou no ensino superior.
O critério classificatório é o segundo e tem etapas de formação acadêmica (mestrado e doutorado), se a experiência na docência é em educação básica ou superior e se possui experiência em atividades especializadas de avaliação de larga escala. “Os critérios de seleção são aqueles que se esperam de um processo de seleção de professores”, resumiu o presidente do Inep. “Não é o Inep que produz os itens, ele trabalha com professores selecionados por meio de edital público”, reforçou mais uma vez.
Finalidade do Enem
Após expor as etapas de execução do Enem, Manuel Palácios respondeu os questionamentos dos deputados federais que compõem a Comissão de Educação da Câmara. Mas, de forma geral, o gestor do Inep explicou que o Enem leva os estudantes a um percurso cognitivo no qual é avaliada a compreensão do conteúdo e o uso do comando para a resolução da tarefa proposta.
“Não se trata em momento algum de submeter ao estudante qualquer pergunta que leve a manifestação de concordância ou discordância com o que lá está escrito. Um texto que serve de estímulo para obtenção de uma resposta, que traduz uma operação cognitiva do estudante, ele é submetido com a intenção de que uma vez interpretado revele a compreensão que o estudante tem do texto apresentado”, argumentou.
O presidente do Inep negou que a prova apresentou questões negativas sobre o agronegócio e de cunho ideológicas. E afirmou que são itens baseados em critérios técnicos e científicos. Além disso, Manuel Palácios frisou que são professores que constroem os itens. Ademais, afirmou que o Instituto não interfere no conteúdo das questões e sim na resposta ao comando.
“A responsabilidade pela construção dos instrumentos avaliativos não é e nem poderia ser dos dirigentes do Inep. Ao contrário, fazemos o possível para assegurar liberdade e independência na construção desses instrumentos. A intervenção da presidência do Inep na construção desses instrumentos é uma aberração, isso não pode acontecer”, pontuou.
Comando e conteúdo
O deputado delegado Mário Palumbo (MDB-SP) perguntou a Palácios “por que o ataque ao agro e o viés político ideológico” na prova do Enem? Assim, o parlamentar citou a questão 89 para relatar uma “demonização do agro” no exame. A questão é a 89 na prova branca; 48 na azul; 81 na amarela e 57 na rosa. Veja a questão na imagem:
Manuel Palácios ressaltou que a seleção de textos é dos professores e o intuito não é o conteúdo em si, mas a resposta ao comando. No entanto, algo parecido ocorreu também com o tema da ditadura militar. Em 2019, o governo Bolsonaro criou uma comissão para decidir as questões sobre o assunto que entrariam no exame. A gestão chegou a sugerir, por exemplo, a troca de “ditadura” por “regime militar”.
Para o professor de História, Norberto Salomão, apesar da tentativa de interferência no conteúdo da prova, “o exame em si não sofreu tantas alterações, exceto as de se esquivar de temas mais polêmicos, como por exemplo a questão de gênero”, disse.
“Com relação a insistência em trocar o termo “Ditadura Militar”, por “Regime Militar” faz parte de uma sanha negacionista e de um malicioso revisionismo histórico, que não encontra respaldo nas pesquisas históricas sérias ou mesmo no que pode ser noticiado nos jornais da época. Cito como exemplo desse tipo de fato, a morte do jornalista Vladimir Herzog, após ele ter se apresentado voluntariamente para depor no Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em 1975”, explicou Salomão.
Questões do Enem
Norberto Salomão destacou a construção da prova a partir de critérios técnicos e objetivos. O professor também apontou que 86% das questões deste ano são da gestão do governo Bolsonaro para apontar que não acredita no viés ideológico.
“Eu não concordo que as questões do Enem tenham tido um viés ideológico, além daquele que já está nos livros de história e geografia ou nas aulas de filosofia e sociologia. O que acontece é que analisar questões econômicas, sociais e políticas sempre envolve a crítica ao sistema e àqueles que o dominam. Obviamente esses setores nunca aceitaram ser questionados ou criticados”, argumentou.
Apesar do foco na resposta ao comando, o conteúdo da prova é sim importante, como a relevância apontada no tema da redação que abordou as mulheres e a invisibilidade do trabalho de cuidar. “Os textos de apoio das questões do Enem não têm por objetivo estabelecer um conceito de verdade, mas sim apresentar recortes sobre essa realidade”, contou Norberto.
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